domingo, 2 de dezembro de 2007

LILIAN, A SUJA *

"A idéia até que não é má e ainda que encenada adventiciamente daria margem a uma produção comercial-corrente dotada de epidérmico mas razoável interesse. Claro, não vamos pensar numa mitológica Louise Brooks vagando expressionisticamente pelas ruas soturnas de Berlim ou da Hamburgo de fins dos anos 20, como sob a batuta de Pabst em “A Caixa de Pandora” ou “Diário de uma Pecadora”. Mas não seria má matéria-prima esta idéia de uma moça traumatizada e perdida pela miséria e pelo arrimo devido à mãe paraplégica, além de humilhada e assediada pelo patrão boçal durante o expediente do único emprego que conseguiu arranjar numa época de recessão. E que, à noite transforma-se em uma implacável caçadora de homens, os quais acaba matando ao fim de cada noitada de sexo enlouquecido. Ao que parece trata-se do fac símile antecipado de um filme holandês da atual safra erótica que um dos financiadores behind teria visto por lá ou tomado conhecimento, via comentários ou publicações especializadas. Nada contra. Só que melhor se tudo à la Pabst e a la Louise Brooks/Fritz Kortner/Francis Lederer. Aqui como diretor, co-autor e iluminador-câmera temos a inegável competência, na última função, de Antonio Meliande. Em vez de Louise, Lia Furlin. E no lugar dos Kortner ou Lederer necessários, não um Hingst, um Rovedeer ou um José Lucas, como a princípio nos informaram, e sim Felipe Levy, José Carlos Braga, e o até apropriado Roque Rodrigues, talvez tão apropriado quanto um dos próprios técnicos utilizados - Beppe Lampa, com seu tipo de “popolone” italiano do Norte. Como a paralítica e dependente, Leonor Lambertini. A verificar?"

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/01/82.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dias 12/12 à meia-noite e 15/12 às 04:30hs.

AMADA AMANTE *

"Em “Amante Muito Louca” tínhamos o intencional “desmascaramento” das limitações de uma família classe média do Rio em vilegiatura em Cabo Frio. Aqui temos o atritamento de uma outra, esta vinda do interior paulista para o mundo totalmente oposto (será?) da forçada mitificação carioca de Copacabana, Leblon ou Ipanema. O quarto filme de Cláudio Cunha (os anteriores foram “O Clube das Infieis”, “O Dia que o Santo Pecou” e “Vítimas do Prazer – Snuff”, esta, por sinal, particularmente valorizada pela excepcional criação interpretativa de um carioca, Hugo Bidet). E uma das mais ambiciosas e bem escoradas produções paulistas da nova fase porque passa o cinema brasileiro em geral. No elenco, o grande trunfo de prestígio e atração é a presença de Sandra Bréa, que aqui contracena com Luis Gustavo, Rogério Fróes, Neusa Amaral e em participação especial, Carlos Imperial. A fita foi inteiramente “rodada” no Rio e deverá se constituir num dos melhores êxitos de exibição da atual temporada."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/07/78.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dias 20 à meia-noite e 24 às 4:00hs.

ARIELLA *

"E já que estamos falando em liberação, eis que por meio do senso seletivo ou faro para a bilheteria do produtor Rovai, um nome maldito, uma escritora invectivada como Cassandra Rios, chega ao cinema. E com a sorte de contar na direção com um elemento como o veterano ator John Herbert, o qual em seus dois e bem menos ambiciosos episódios de estréia em “Cada um Dá o que Tem” e “Já não se Faz Amor como Antigamente” revelou-se um realizador de cinema surpreendente, que para nós – tipo de filme à parte – fazia até pensar nos requintes e no domínio rítmico-plástico e de elenco de um E. A. Dupont. A história é de uma órfã que ao descobrir que fora enganada por seus falsos pais e irmãos (em verdade tios e primos) resolve partir para a vingança. Ao ser lançado no Rio o filme bateu recordes de bilheteria e é de se esperar que o mesmo ocorra aqui."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 02/11/80.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 27/12, à meia-noite.



A FLAUTA MÁGICA ("Trollflöjten")


"Segundo a maioria, de certo modo a mesma maioria que Bergman teve deliberadamente ignorando-o ou contra si quando da absoluta revelação e florescência criadora de “Sede de Paixões”, “Juventude”, “Mônica”, “Noites de Circo”, e, em certos casos, até “O Silêncio” e “Gritos e Sussurros”, a primeira real transposição ou aproveitamento de uma ópera em cinema. Bergman é um deus Jano: tanto tem sua face de Dr. Jekyll (os filmes citados, mais “Fangelse”, “Morangos Silvestres”, “Persona”) como também pode se tornar um terrível Mr. Hyde (“A Fonte da Donzela”, “Sorrisos de uma Noite de Amor”, “Vergonha”, “O Sétimo Selo”, “A Hora do Lobo”, “Sasom I en Spegel”, “O Rosto”). Um criador genial, com uma riqueza e uma prodigalidade como talvez jamais tenha havido outro e, ao mesmo tempo, um potentado restrito, fechado sobre si mesmo, que mesmo não pretextando uma irredutível personalidade e linha criadora, deixa que o Tempo vá passando irremediavelmente sobre, por exemplo, cabedais ou milagres da Suécia e do cinema mundial como Greta Garbo, Ingrid Bergman, Viveca Lindfors, deixa morrer esquecido e amargurado um ator único como Ake Gromberg (o intérprete de “Noites de Circo”), mas insiste em Gunnar Bjornstrand e Max Von Sydow, repete situações e temas (no mínimo “facilitados” pela existência de Strindberg) e torna a convocar uma e outra mesma grande atriz, sem que isso acrescente para ele, para elas ou para o público e a arte do cinema. Mas foi Bergman quem criou “Sede de Paixões” (ainda que sob influxos da alma angustiada de Strindberg) e criou “Gritos e Sussurros”, de certo modo o mais essencial filme contestatário de todo este imoral após guerra. E “A Flauta Mágica”, além de música de Mozart é um filme seu."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/76.

ALPHAVILLE (“Alphaville, Une Étrange Aventure de Lemmy Caution”)

"Um Godard no apogeu do seu prestígio e fôlego como realizador-autor. O assunto – ataque à coação, “defesa” da Liberdade – é o prato predileto para direitistas de alto bordo e para “esquerdistas” de convenção e oportunismo, uns e outros sempre farisaicos e doidivanas e, claro, sempre agindo inconscientemente e em conjunto para afundar mais o barco da pobre convivência humana. Aliás, não se trata de melhor Godard, que isto fica com a sofisticação de “Uma Mulher é Uma Mulher”, com o sarcástico mas real pacifismo de “Tempo de Guerra”, com o cínico e gozador anti mao-stalinismo de “A Chinesa” e com o “charme”, algo enigmático, de “O Desprezo”. Godard, embora todo o seu talento e capacidade, foi – em seu campo – um dos que mais contribuíram para ajudar a deteriorar o mundo nisso que aí está, sem nenhuma salvaguarda dos essenciais valores que haviam sido sedimentados e sem nenhuma nova luz ou “No Gordio” para os males existentes. A fita aqui foi originalmente lançada a 21 de outubro de 1966, nos antigos Cines Scala e Picolino."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/06/77.

A GUERRA DAS VALSAS (“Walzerkrieg”)

"Com o advento do som e durante toda a década de trinta, o gênero “opereta” encontrou sua expressão peculiar e insuperada no cinema alemão. Otimismo, paroxismo de movimento e alegria, procura do maior descompromisso (as cicatrizes da última guerra e os fantasmas da depressão nos EUA eram sensações por demais insuportáveis e que precisavam ser esquecidas ou ignoradas). Mas nem por isso todo aquele movimento em salões imperiais e alegres estalagens de histórias de cinderelas e príncipes encantados (ou vice-versa), de polimento europeu, de “savoir vivre” implicavam numa ausência de denso delineamento humano, de voraz e sensorialíssima maneira de enxergar homens e mulheres e suas paixões, seus méritos, seus sentimentos, e até suas mesquinharias. Mas sempre seus sonhos...realizados. Este filme, aqui originalmente lançado na Sala Vermelha do Odeon, a 30 de abril de 1934 (em versão francesa com Fernand Gravey e Janine Crispin) foi um dos mais comentados. Na história, a Rainha Vitória, sabendo da fama musical da Viena envia o diretor do “Real Ballet” de Londres a fim de escolher um músico para a corte inglesa. Isso provoca verdadeira competição, quase uma guerra musical entre Johann Strauss e Joseph Lanner, os dois expoentes do gênero na terra de Sissi. O diretor Ludwig Berger, um dos antológicos do cinema alemão dos anos 20 (também dirigiu um terço da versão inglesa de “O Ladrão de Bagdad”, a de 1940 com Conrad Veidt e Sabu e a melhor de todas) e era um elemento dos mais capazes. Examinando-se ficha técnica e elenco, quase que só encontramos elementos que já então eram ou depois iriam se tornar antologia, com grandes atuações em seu ativo: o Berger, os maravilhosos cenógrafos Rohrig & Herlth, intérpretes como a malograda Renate Muller, Adolf Wohlbruck, Paul Horbiger, Karel Stepanek, Hanna Waag e, mesmo, o galã Willy Fritsch, mais o roteirista Rob Liebmann de “O Anjo Azul”, o lendário iluminador Hoffman. Oportunidade rara de respirar outro ar, mais limpo e estimulante, e, ao mesmo tempo, apreciar cinema realizado com todos os requintes de uma época em que ainda se admirava o cultivo e o bom gosto."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo de 25/05/80.


segunda-feira, 3 de setembro de 2007

KARINA, OBJETO DE PRAZER *

"Possivelmente um Jean Garrett cinematicamente efetivo – isto é, naquele gosto, procura de significação e domínio visual de certos momentos de “A Ilha do Desejo” (principalmente o das sevicias que praticava o chinês sádico e gigantesco), “Excitação” (a suave beleza fotográfica), “A Força dos Sentidos” (o tom de sobrenatural que ia envolvendo a festinha na casa de praia) e “A Mulher que inventou o Amor” (todo o cuidado para mostrar a transformação de Aldine Muller de moça suburbana a objeto de trato). Na história, porém – sempre o ponto menos evoluído e mais popularesco dos filmes da rua do Triunfo – o lugar comum ou a ingenuidade sensacionalista de sempre. Aqui, utilizando o condimento “machista” (filha de pescador, comprada por marginal de beira do cais que a usa até como objeto de empréstimo) ou a momentosidade tipo liberação-feminina (a brutalidade lúbrica dos dois homens leva as duas heroínas ao homicidio e ao lesbianismo). Um dos vilões é o veterano e sempre dominante Luigi Picchi. Mas, a julgar pelas fotos em branco e preto dos stands, é o capricho visual com que Garrett tratou Angelina Muniz que deverá constituir a nota do filme.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 12/09/82.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, no dia 12, à meia-noite.

VIOLÊNCIA NA CARNE *

“Nem Robert E. Sherwood quando escreveu sua peça “A Floresta Petrificada” (levada ao cinema em 36, com Leslie Howard, Bette Davis e Humphrey Bogart), nem William Wyler quando dirigiu em 55 “Horas de Desespero”, com o mesmo Bogart, Fredric Marsh e Martha Scott, imaginariam o quanto esses seus dois filmes iriam, mais ou menos, inspirar inúmeras fitas da atual fase de erotismo e violência sem raízes do nosso cinema. E aqui está mais esta produção, que aliás contém ingredientes de outros dois trabalhos anteriores do diretor Sternheim: “Paixão na Praia” e “O Anjo Loiro” (a encenação teatral). Agora marginais invadem residência afastada na praia onde duas “amigas intimas” esperam os demais colegas de elenco para um ensaio. Estes, desavisadamente, chegam e os criminosos vão dando asas à sua brutalidade e a seus instintos. No elenco, intérpretes já confirmados como Roque Rodrigues, Cláudio D’Oliani, o galã José Lucas, as possibilidades fugidias de tipo de Nádia Destro, bem como um novato, André Luis de Morais.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 13/09/81.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, nos dias 11, à meia-noite, e 17, às 02:15.

SEU FLORINDO E SUAS DUAS MULHERES *

“Paródia a “Dona Flor e seus dois Maridos” (íamos escrevendo “paródia ao êxito de...” e, isso embora não seja verdade, certamente seria muito mais efetivamente sardônico e elucidativo). De qualquer maneira, o único tipo de filme (“chanchada”) com os quais o diretor-ator Mozael Silveira e a atriz Lameri Faria, segundo soubemos, consegue manter o recorde de, sem recursos da “Embrafilme” (reservados a outros tipos de “elites”, mordaças ou fruições “pompadourescas”), obter financiamento natural e certo para uma média de 3 a 4 produções anuais (financiamento claro e direto, exibições garantidas, facilidades em espécie). Se fosse Fritz Lang que quisesse aqui fazer o filme com Jeanne Moreau que declarou em certa entrevista estar sonhando ou fosse o agora brasileiro Arne Sucksdorff que, em Mato Grosso mesmo, planejasse realizar um filme sobre a vida de uma família de índios em seu “habitat” natural, tal seria considerado absolutamente utópico e sem pé na chamada “nossa realidade”.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 18/06/78.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, no dia 20, à meia-noite.

O ENIGMA DE KASPAR HAUSER ("Jeder für sich und Gott gegen alle")

"Um dos mais celebrados filmes de nosso tempo. E, com toda a probabilidade com inteira justiça, pois devida ao mesmo diretor e autor de outro dos poucos filmes real, essencial e artisticamente políticos surgidos nesses mesmos e tão mistificados período e gênero: o aqui ainda comercialmente inédito “Aguirre, a Ira de Deus”, que aliás logo mais também nos será apresentado pela mesma importadora. O que há a lamentar que as cópias vindas e liberadas para nós sejam as dubladas em inglês e não as originais, fazendo-nos perder (no caso) toda a propriedade, toda a verdade, a força e a beleza da língua alemã. A história é simples e verídica: um fato misterioso ocorrido no século passado (1828) quando um rapaz de 16 anos surge mudo, idiotizado, imundo, sozinho e perdido nas ruas de Nurenberg, sem nunca ter tido contacto com qualquer ser humano. Recolhido, questionado (seria um príncipe raptado, seria o filho de Napoleão, seria um impostor ou um débil mental?) e educado ele adquire uma noção do que é o homem e o mundo, a “linguagem” e a “inteligência” dos homens, mas cinco anos depois é assassinado sem que o enigma possa ter tido solução. História simples, encontradiça ao longo dos tempos, mas terrível e com a qual, na tradição permanente e terrivelmente transcendente do cinema alemão de desde “A Casa sem Portas nem Janelas”, de desde “O Gabinete do Doutor Caligari” (que está para voltar em circuito comercial) Werner Herzog consegue um impacto talvez maior que “Aguirre”, para escarmento do em média medíocre cinema que se faz hoje em quase toda a parte. Mais do que obrigatório. Impossível de ser perdido.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 13/11/77.

domingo, 2 de setembro de 2007

RELAÇÕES HUMANAS ("ROGOPAG")

“Porque o nosso ambiente cinematográfico é muito superior, muito mais civilizado do que os de Londres, Paris, Roma, Nova York, Berlim ou Estocolmo, foram necessários nada menos de 14 anos para que uma de nossas distribuidoras nacionais (no caso a Roma Filmes) se arriscasse a trazer este filme de quatro histórias e quatro diretores famosos, além de um bom número de fotógrafos e intérpretes de não menor prestígio. No episódio de Rossellini, Rosanna Schiaffino, contrariando seu tipo procaz, é uma secretária de ilibados princípios vitorianos. Godard coloca Alexandra Stewart e Jean-Marc Bory às voltas com aquele pavor que os tartufos dos anos 60 viviam apregoando que nem por um minuto sequer deixavam de ter, pensando nas conseqüências de uma superexplosãe uma superexplosao oavor que os tartufos dos anos 60 viviam apregoando que nem por um minuto sequer deixavam de ter, pensando o atômica. Gregoretti envolve o casal Ugo Tognazzi – Lisa Gastoni em meio ao absurdo do “boom” econômico. Mas é o episódio de Pasolini (onde aparece Orson Welles e no qual Laura Betti, a criada de “Teorema”, realmente tem um momento da mais alta especificidade interpretativa como a desdenhosa atriz incumbida do papel da Virgem Maria) de longe o melhor e mais envolvente, extraindo as mais parabólicas ilações a propósito do calvário de um faminto “extra” que faz o Bom Ladrão numa película sobre a Paixão e que acaba morrendo de indigestão (havia aproveitado a oportunidade para se fartar de requeijão), ainda suspenso na cruz e ante a indiferença de toda a equipe de filmagem.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 28/11/76.



domingo, 26 de agosto de 2007

A VIRGEM E O BEM DOTADO

"Erotismo varzeano ou comédia pornô, única opção que a culpabilidade geral, interesses também generalizados, a própria falta de criatividade ou um espírito de revolta impõem ao cinema paulista. Há outras coisas, pornôs também, mas a ninguém interessa remexê-las. E aqui temos novamente o polonês Edward Freund, um dos melhores tipos de nosso cinema e, iluminador-operador, montador, diretor, roteirista, parcial produtor de muitas potencialidades, mais uma vez aceitando o destino. Desta vez, a história de um operário da indústria automobilística que sempre teve sorte com as mulheres. Mas ao apaixonar-se por uma virgem convicta e irredutível, acaba ficando famoso ao inventar uma gasolina à base de água e Sonrisal. A partir daí é que consegue resolver o seu problema. Além de Freund e seus sete fôlegos, gente que poderia render cinematicamente: Genésio de Carvalho, com seu tipo de monge tibetano, a bela italiana Rossana e o galã Villalonga, por exemplo."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/04/81.

PALÁCIO DE VÊNUS

"Uma tarde e uma noitada numa "luxuosa" casa de mulheres, com vários dramas entrecruzados e caracterizados. Com cuidados visuais que lembram as mascaradas de Abel Gance na versão colorida de "La Tour de Nesle", feita em 1954 com Silvana Pampanini, as "reminiscências" de Carlos Hugo Christensen no nacional "Enigma Para Demônios", a fita é a mais bem lograda do diretor Ody Fraga em sua recente fase, com excelente (como sempre) fotografia de Cláudio Portioli, cuidada produção de Manoel Augusto de Cervantes. No elenco, a atenção maior foi para as atrizes, com Lola Brah quase que auto-emulando seu papel e interpretação em "Pensionato de Vigaristas", mas os resultados de espontaneidade e justeza de tipo vão para os atores como Arthur Rovedeer (o jovem e perfeito "tira"), o galã José Lucas (o gigolô do Sul) e Marco Ricciardi (o cliente sôfrego)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/03/81.

domingo, 19 de agosto de 2007

MARILIA E MARINA

“A estréia na direção do “longa-metragem” de Luis Fernando Goulart, elemento que entretanto já é veterano do “metier”, com 15 anos de atividades cinematográficas e também sete em teatro, tendo participado (como assistente de direção ou encarregado de produção) em cerca de uma dúzia de películas, bem como de vários “curtas” e documentários. Não obstante sua origem, formação e atuação no “Cinema Novo” este seu filme tem, de início, a vantagem de não se submeter à corrente apenas “polêmica”. Não que a contestação social ou o empenho político não sejam válidos em cinema. No exterior frequentemente é. Nos anos 20 e 30 constituiram, por exemplo, a glória de King Vidor. Em 36, na Metro, permitiu ao alemão refugiado Fritz Lang realizar um clássico da contundência de “Fúria”. E tem exemplares da maior nobreza como “Tri”, do iugoslavo Aleksandar Petrovic, como as obras-primas húngaras de Jancso, os filmes poloneses de Wajda ou Kawalerowicz. Mas aqui no Brasil, via de regra exteriorizam uma “moléstia infantil”, quando não são “pose”, imaturidade, maneirismos ou, sobretudo, suposto golpe “comercial”. Portanto, vejamos no que deu esta procura da crônica do dia a dia de duas mocinhas pobres (Kátia D’Angelo, Denise Bandeira) de um bairro carioca que foram criadas pela mãe viúva (Fernanda Montenegro) que só vê para as filhas a tábua de salvação de um casamento rico. As figuras não são tão assim do século passado, pois uma das moças, Marina (Denise) se comporta exatamente como a estupidamente revoltada moça rica de “A Flor da Pele” que a própria atriz interpretaria depois desta fita, mas seria exibida antes. Segundo informes o diretor Goulart – antecedentes rossellinescos à parte – é também um apaixonado do cinema de imagem, de ritmo, introspectivo, atmosférico. Vejamos.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 24/04/77.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A GUERRA ACABOU ("La Guerre est Finie")

“Resnais depois do impacto de “Hiroshima”, da revolução narrativa de ‘Marienbad”, que lhe criou (e também a outros) um impasse que realmente só anos depois seria resolvido por Carlos Saura (com “Cria Cuervos”, até culminar com “Elisa, Vida Minha”), pelo alemão Michael Hanecke com “Três Caminhos Levam ao Lago”, e pela francesa Marguerite Duras, excepcional no arrojo de linguagem e poesia, com India Song. E, honra nos seja feita, até nosso Jair Correia se saiu com grande garra do referido problema, misturando sonho com realidade, e premonição que escapa de um sonho para materializar-se em outros fatos, outras pessoas e outros pesadelos nesse singular “Duas Estranhas Mulheres”, que por sinal nenhum de nossos circuitos colocou em alguma sala mais viável, da Avenida Paulista para cima. Voltemos, porém, a Resnais: antes deste La Guerre ele havia feito o aqui comercialmente inédito “Muriel” (63) e depois “Eu te amo, Eu te amo” (67), “Stavisky” (73). Mas só voltaria a “preocupar” em “Providence” (77) e, principalmente, “Meu Tio da América” (81). Aqui temos uma indagação humano-política, com o impasse dos veteranos ativistas da revolução espanhola, em face de um aparentemente monolítico perdurar franquista e a uma Espanha de gente que não viveu aquele tempo e que então (voltas de 1966) parecia só preocupada com os dividendos de uma sobrevivência à custa do turismo estrangeiro. O entrecho foi escrito por um real refugiado espanhol, Semprun, quase em idêntica condição ao personagem interpretado por Yves Montand. Mas e agora, com a nova Espanha, a Espanha que até mesmo Franco encaminhou, destinando o poder a esse surpreendente Juan Carlos, a atual Espanha de Saura, só para dar um fácil exemplo, que significação se revestirá o compulsivo e melancólico desajustamento do herói resnaisiano? Contudo, uma nova e grata perspectiva hoje a fita adquire, um valor que a época de seu lançamento paulistano (26 de janeiro de 68, no então ainda não dividido Belas Artes) talvez tenha passado a todos despercebido: a “ponta” do atualmente conhecido e justamente valorizado Michel Piccoli, como um enigmático inspetor de fronteira.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 27/06/82.

domingo, 5 de agosto de 2007

A MULHER SENSUAL, Ex-NOVELA DAS OITO

“De onde o produtor, editor, importador, distribuidor, produtor e argumentista Álvaro Pacheco tirou a idéia para esta fita? E qual o motivo – uma prática que os cariocas quase nunca utilizam – de importar da “notoriedade” do cinema paulista-pornô a ultimamente estrelificada e louvada Helena Ramos? De qualquer maneira, por uma dessas coincidências, a história tem laivos de todos aqueles expedientes utilizados para a promoção, a bilheteria e até a estranha apreciação “feminista” que fizeram o forte de “Mulher Objeto”, com a mesma Helena, mas, ao que lembramos, realizada depois. Pois esta fita aqui, embora já estivesse pronta desde meados do ano passado, mesmo no Rio só foi lançada em março deste ano – aliás, com o título então presumivelmente comercial de “Novela das Oito”, agora mudado, para o lançamento paulista. A ação diz penetrar os escusos e enganosos bastidores e competições do mundo da telenovela, com Helena no papel de uma famosa “estrela” da modalidade e mais uma vez com problemas de irrealização sexual, matrimonial ou não. A julgar pelas fotos expostas nos stands, parece que o diretor Calmon (de cujo gosto visual, o bonito, mas incompreendido e irregular “Revólver de Brinquedo” já nos deu boa amostra), “tratou” a instável atriz e tipo até com ângulos bonitos, sem aquele empertigamento à la “Maria Felix” que é um dos seus maiores óbices. Tomara. Mas no elenco as garantias maiores estão, é claro, com a maravilhosa Monique Lafond, com o natural Flávio São Thiago e o excelente Otávio Augusto.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 29/11/81.

AS SEIS MULHERES DE ADÃO

"Novo exemplo da autosatisfação "estrelística" de David Cardoso. Mas o importante é que o ator (que estará sempre acorrentado ao seu tipo juvenil) este ano obteve três êxitos comerciais ("A Noite das Taras", "Aqui, Tarados!", "Pornô"), nos quais deu provas de uma habilidade que seria maravilhosamente profícua para nosso cinema, caso voltada para outras diretrizes mais empenhadas - e revelou-se hábil e fluente diretor nas duas primeiras - volta a dirigir. E estamos torcendo que, excluindo o granguinholesco e discutível apêndice final (no episódio do pasteleiro chinês em "Aqui, Tarados!") e mesmo desta vez não contando com o carisma de Arthur Roveder (no episódio do marinheiro, em "A Noite das Taras"), ainda assim aqui ele torne a repetir a façanha."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/11/81.

terça-feira, 31 de julho de 2007

LA SIGNORA SENZA CAMELIE

“Se ainda preciso fosse, eis uma prova de como o nosso é um dos mais falhos mercados exibidores do mundo: este antológico filme de Antonioni, o segundo longa-metragem de um dos maiores diretores do cinema. Aliás de Antonioni aqui também não vimos seu filme seguinte (um episódio em “Amore in Cittá”) como vergonhosamente também jamais vimos “I Tre Volti”, com a princesa Soraya, nem o não proibido, mas também não liberado “Zabriskie Point”, nem muito menos o elogiadíssimo documentário sobre a China. Aqui, e dez anos antes de Louis Malle fazer o paradigmático “Vie Privée” de Brigitte Bardot, o cineasta de “La Notte” ousadamente criou uma história para mostrar o que poderia haver de excuso por trás da ascensão de um ídolo do cinema e para o papel título convidou Gina Lollobrigida. Menos por inteligência do que por outra coisa, a então aduladíssima Lollo recusou o papel. Mas Lucia Bosé, na época muito jovem e lindíssima, aceitou-o. E assim foi criada esta fita sarcástica, cruel, friamente humana, impiedosa até. Que de há muito pertence à História do Cinema e que, de maneira alguma, um amante ou estudioso de cinema poderá perder.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/08/76.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO, Ex-SORRISOS DE UMA NOITE DE AMOR ("Sommarnattens Leende")

"Bergman, hoje admirado, respeitado, hoje praticamente mito e tabu no mundo inteiro, quando conseguiu enviar esta fita a Cannes-56 e foi medrosa e desconversadamente agraciado com um vago prêmio do humor poético (talvez nem prêmio, apenas avara menção) já havia escrito cinco filmes – entre os quais os aqui conhecidos “Tortura de um Desejo” (Hets), 44, e “A Mulher e a Tentação” (Eva) 48, já havia dirigido 15 outros, dos quais também aqui já conhecíamos “Sede de Paixões”, “Juventude”, “Mônica e o Desejo”, “Noites de Circo”, “Quando as Mulheres Esperam”, “Uma Lição de Amor”.
As quatro primeiras obras-primas absolutas, sendo que o impacto “Noites de Circo” no I Festival de Cinema de São Paulo – março de 54 – já situava o cineasta entre os maiores de toda a história do cinema, como tivemos ocasião de afirmar por ocasião de sua menosprezada programação numa mera “matinée” da mostra paulista. A verdade é que o episódio sofisticado (o do elevador) em “Quando as Mulheres...” e mais o toque de comédia de “Lição” agradavam muito mais a nossa como sempre acadêmica e estratificada crítica. E ninguém queria nada com o mundo das tremendas humilhações, do peso do Destino e infernal dilaceramento psíquico que constituíam a tônica do artista. E foi preciso que ele levasse o humor de “Quando” e “Lição” ao extremo, que enveredasse pelo “marivaudage” e se aproximasse do literário e do picante de uma farândula francesa como “As Regras do Jogo”, de Renoir, para tanto na França como aqui, ou até mesmo em Buenos Aires e Montevidéu, reconhecessem o óbvio: uma singularidade cinemática como poucas vezes a Sétima Arte havia revelado. Com “Sorrisos”, Bergman deixou de ser o “superado expressionista de 25 anos atrás”, deixou de ser o que “gostava de se e de mazocar, deixou de ser imatura mania dos que gostavam de ratos brancos, etc.”. Ele porém, ainda que desviando pouco (ou muito) de uma linha de implacável observação humana e indagação filosófica, de escravo da transcendência (que só voltaria a culminar talvez em “Morangos Silvestres”, certamente em “Gritos e Sussurros”) obteve finalmente o “passe livre”, o beneplácito da maioria compacta que sempre tem estrangulado não só o cinema como todas as artes e, o que é pior, a plena realização humana. Aqui temos uma ciranda amorosa, ação que se consubstancia através dos desencontros da inocência da malícia. Uma “Tensão em Shanghai”, não maravilhosamente melodramática como no clássico de Josef von Sternberg, mas através da candura versus picardia, do erotismo perdendo para o real amor, do jogo franco ante a astúcia e dissimulação. Um advogado viúvo (Gunnar) que se vai casar com uma menina (Ulla) que tem a idade de seu filho (Bjelvestam), este que se apaixona pela futura madrasta; a atriz (Eva Dahlbeck) que resolve reconquistar o advogado, do qual teve sem lhe contar um filho; o amante da atriz, um conde conquistador (Kulle), uma criadinha complacente (Harriet), um jardineiro (Fride) sempre disposto a viver a vida, a mãe da atriz (Naima Wistrand) “coccotte” retirada desde um de seus ex-amantes deu-lhe um castelo a fim de que ela não escrevesse suas memórias. A fita aqui foi originalmente lançada pela Condor Filmes e com o título “Sorrisos de uma Noite de Amor” a 4 de fevereiro de 1959 no Cine Normandie e depois reexibida entre outras vezes no “Cinema de Arte Bijou”, em setembro de 1966.".

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/06/79.



quarta-feira, 25 de julho de 2007

O JOVEM DRÁCULA ("DRACULA IN BRIANZA")

“A voga Lando Buzzanca está, talvez, já passando. Contudo, mesmo acusado – indevidamente – de “chanchadeiro”, a maior parte de suas fitas tem apresentado qualidades de um humor que pode ser sal grosso ou popularesco mas sempre é baseado na graça, no engenho, na crítica ferinamente natural, na boa observação humanística, bem italiana. E não estamos nos referindo só aquele excelente “O Deputado Erótico” (“Al Onorevole Piacevano le Donne”), que a nossa censura fez muito por mal proibir. E aqui está Buzzanca, desta vez indo a uma fonte que não podia deixar passar: o vampirismo, Drácula, etc. Agora ele é um rico industrial siciliano, casado com esposa indiferente e abusivamente explorado pela parentela. Indo à Romênia a negócios, acaba seduzido por um descendente do Conde Drácula e volta à Itália transformado num vampiro que se reconhece em verdade muito menos vampiro e muito menos demoníaco que todos os sádicos e sanguessugas que infestam a vida moderna. O diretor é Lucio Fulci, muito mais civilizado e empenhado em pessoa do que nos filmes que fazia com a dupla Franco Franchi-Ciccio Ingrassia (que por sinal também está no elenco) mas mesmo assim apto a cumprir com normalidade sua tarefa.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/10/76.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O VAMPIRO DE COPACABANA

“Um filme bastante além do que a primeira vista pode sugerir o seu título – “O Vampiro de Copacabana”. Em verdade, mais do que um adventício “horror à brasileira” é uma narrativa que procura outra densidade ao analisar o desgaste, a revolta, as lutas e desilusões, os desencontros do dia a dia de um obscuro chefe de família (André Valli), que, como catarse, acaba inconscientemente liberando todos os egos ocultos, transformando-se num triste e amargo conquistador de mulheres ainda mais tristes e infelizes do que ele, num Mr. Hyde de esquinas sem perspectivas, num vampiro, num falso monstro que se torna ainda mais frustrado que sua inocente e também maltratada esposa (Ângela Valério). Um filme carioca de nível incomparavelmente acima das habituais “chanchadas” paulistas e guanabarinas a que o circuito Olido se tem e nos tem obrigado nos últimos tempos – não sabemos como isso foi acontecer, talvez uma substituição às pressas para a planejada mas gorada segunda semana da “pornochanchada” em cartaz. De qualquer maneira, um filme do mesmo Xavier de Oliveira do esplêndido e (aqui em São Paulo) louvado e laureado “André, a Cara e a Coragem”. No elenco de apoio, gente muitas vezes apreciável como Rossana Ghessa, Otávio Augusto, Miriam Pires, além do indiscutível valor de Ângela Valério, provavelmente e com muita justiça, uma das intérpretes favoritas do cineasta. A ver, obrigatoriamente.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 25/09/77.


quarta-feira, 18 de julho de 2007

GOYA ("GOYA - ODER DER ARGE WEG DER ERKENNTNIS")

"A Vida de Goya, uma árdua jornada para o conhecimento", segundo o romance do mesmo Feuchtwanger de "O Judeu Suss" e em produção da Alemanha Oriental. Uma raridade para nós, pois até hoje, ao que lembramos, não tivemos mais de três filmes dessa procedência. Co-produzida pela DEFA da Berlim do outro lado do muro e pela "Lenfilm" de Leningrado, a fita naturalmente procura interpretar a vida de Goya do ponto de vista marxista-leninista. Stalinista, para falar mais claro. Mas dada a procedência, o fato não deixa de ser mais natural e honesto do que acontece sobretudo por aqui, onde o que se faz é stalinismo puro, mas nada nem ninguém pertence a grei - são tudo e todos democratas da mais pura estirpe de Thomas Jefferson ou Thomas Payne ou uma lucidez dialética que faria Rosa Luxemburgo estourar de despeito. O menos que pode acontecer é uma confusão enorme, um desaprendizado terrível na cabeça do espectador mais desavisado. Neste "GOYA" não. O filme vem com a bandeira desfraldada e, apesar dos perigos de super-produção histórica e pomposa, aparenta flagrantes cuidados de encenação e traz um elenco formado por artistas de sete países, onde merecem menção o lituano Donatas Banionis (o excelente interprete de "Solaris") no papel do realmente revolucionário pintor espanhol e o polonês Mieczyslaw Voit (o memorável exorcista de "Madre Joana dos Anjos" e o eremita de "Faraó"). A ver."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/07/76.

domingo, 15 de julho de 2007

A VOLTA DE CARMEN ("KARUMEN KOKYO NI KAERU")

"Um clássico do cinema japonês, sua primeira realização a cores, obra muito comentada e elogiada mas que, não obstante todas essas qualificações, só agora, com 26 anos de atraso, chega até este melancólico mercado cinematográfico brasileiro. E mesmo assim porque a fita foi recentemente “reprisada” para comemorar o 55º aniversário dos estúdios Shochiku. Atualmente o cinema colorido tornou-se rotina, desleixo, incompetência e (ao contrário dos tempos em que pontificavam as pesquisas de Mamoulian e logo a revelação dos “westerns” e “capa-e-espadas” da Columbia e da Universal e dos “musicais” da Metro) até faz que com se fique desejando um gradual e substancial retorno às possibilidades criativas especificas do branco-e-preto. Entre 1945 e 55, cor em cinema era sinônimo de real procura plástica, dramática e rítmica e impossível esquecer não só o deslumbramento que foi aqui em São Paulo a primeira exibição de um filme colorido japonês – “Tudo por Amor”, de Shigueo Tanaka – como principalmente da enxurrada de obras-primas de Uchida, Makino, Ohsone, Naruse, Tazaka Tomotaka, Sugawa e tantos outros, que se seguiram. Kinoshita é o diretor de “Sublime Dedicação”, “A Lenda do Narayama”, “Murmúrios do Rio Fuefuki”, todas fitas de grande aceitação, sobretudo nos círculos “engagés”. E depois desta, repetiu personagem (Carmen, a cantora e dançarina), e atriz (Hideko Takamine) noutra fita que aqui, em 57, mais ou menos, igualmente movimentou os partidários: “A Grande Paixão de Carmen”. Neste “A Volta de Carmen” tudo acontece porque uma “estrela” volta à cidade natal. Além de Hideko, a fita traz outros atores prestigiosos ou essenciais do período: Chuji Sano, Chishu Ryu, o falecido Keiji Sada. Uma apresentação nipônica de antecedentes hoje em dia raríssimos e que precisa ser examinada."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/76.




sexta-feira, 13 de julho de 2007

RARIDADE DA DINAMARCA

"TAENK PA ET TAL ("Pense num Número") - Dinamarca, 1968. Direção: Palle Kjaelrulff-Schmidt. Somente terça-feira, 15, às 20 horas, no Museu da Imagem e do Som.

Filme de um diretor cujo primeiro e elogiado filme, "Week-End à Escandinava" (Week-end) surgido em 1962 e considerado uma semiconseqüência da nouvelle vague francesa e de um mais atualizado realismo, marcou todo um período do cinema de lá. Aqui foi exibido há alguns anos no Cine Coral, distribuido pela "Franco-Brasileira". Talvez não muito requintado, como forma (ou era a cópia em contratipo?), mas indubitavelmente com a natural franqueza nórdica em seu assunto, que focalizava as primeiras trocas de casais abordadas no cinema. Com seu roteirista habitual (Klaus Rifbjerg), Kjaelrulff-Schmidt fez outros filmes, mas não ficou numa só temática (abordou até a ocupação nazista em Once There Was a War, 66; e com mais obras elogiadas como Two, 64; A Story of Barbara, 67; e The Green Forrest, 68, foi elemento que também exerceu sua influência sob todo um grupo novo seguinte de jovens cineastas). Este Think of a Number, 68, é seu último celulóide pois logo após ele passou a se dedicar a peças para a televisão. A história é de suspense e gira sobre o assalto a um banco. No elenco, uma importação vizinha e uma credencial garantida com a sueca Bibi Andersson. A ver, naturalmente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/12/81.

domingo, 8 de julho de 2007

QUANDO O SEXO É PECADO ("LE FARÒ DA PADRE")

"Antes da eclosão do "neo-realismo" ("Giacomo, l'Idealista", com a bela Marina Berti; "La Freccia nel Fianco", com a também bela e ainda mais sensível Mariella Lotti) e logo no início daquele movimento ("O Bandido", levando às culminâncias a violenta e verista atração de Anna Magnani; o d'annunzianismo de "Il Delito di Giovanni Episcopo") e, mais tarde, já em plena voga da "nouvelle vague" francesa (enfrentando gravemente o cerco em "I Dolce Inganni", com Catherine Spaak e "Guendalina", com Jacqueline Sassard) Alberto Lattuada sempre foi o que se chama um verdadeiro diretor de cinema. E agora, segundo referências, volta à sua melhor maneira com este surpreendente "Le Farò da Padre". A história gira em torno da ambição e falta de escrúpulos de um advogado (Luigi Proietti), que numa espécie de "golpe do baú" torna-se amante de uma condessa rica e igualmente cínica (Irene Papas) e a fim de melhor lograr seu plano lança vistas à filha adolescente (Teresa Ann Savoy) da amante, menina problema, quase de fixações infantis, mas também consciente de seu perigoso poder de sedução e para a qual ele promete "ser um pai", ao avocar a futura gerência de seus bens. É então que aparece o "mas" sempre inevitável em certo tipo de cálculos e de planos, deixando a descoberto a torpeza mas igualmente o vulnerável, quando e em quem menos se espera. Ao que tudo indica, um filme para as listas dos melhores do ano."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/10/76.

domingo, 1 de julho de 2007

A LENDA DE UBIRAJARA

"Segundo filme de André Luiz Oliveira, autor do elogiado e premiado "Meteorango Kid, Herói Intergalático", aqui ainda inédito. Este "Ubirajara" que também obteve um prêmio especial no último festival de Brasília e um prêmio (cenografia ou música, não lembramos ao certo, no Festival de Lajes, Santa Catarina) é uma adaptação livre do romance de Alencar. Naturalmente com a convicção arrogante e ufanista de que o sol gira em torno da Terra, típica da escola cinemanovista. O melhor, porém, é que em meio a óbices e possibilidades, em meio, também, a um resultado anti-público no sentido do espetáculo corrente (e sem falar na imperdoável sobreimpressão das vistas de Brasília) a fita tem virtudes na antiga e permanente tradição internacional do verdadeiro cinema documentário. Da qual podemos dar como exemplo o "A Maldição das Selvas" ("En Handful Ris") que, em 1938, o húngaro Paul Fejos rodou no Sião para a produtora sueca Svenska Filmindustri. Ou, até mesmo, como o excepcional "A Fera e a Flecha", que para a mesma Svenska, na Índia foi "rodada" pelo sueco Arne Sucksdorff (hoje brasileiro e que com toda a justiça e urgência deveria ser convidado pela "Embrafilmes" para produzir alguma similar obra-prima em Mato Grosso, onde reside há mais de seis anos). Voltando porém, a "Ubirajara", reparem na beleza da língua carajá como é ouvida no filme e reparem como corresponde a toda tradição romântica de "leit motiv" a cena da índia penteando os longos cabelos, tal a Iara consagrada pela legenda."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/03/1976.

sábado, 30 de junho de 2007

DOSSIÊ BIÁFORA NA ZINGU! DE JULHO

Já está no ar a edição de julho, número 10, da revista Zingu!, trazendo o Dossiê Rubem Biáfora. Matheus Trunk, o editor da revista, teve a brilhante idéia de convidar três grandes figuras do nosso cinema para um debate sobre ele: o cineasta e crítico Alfredo Sternheim, que trabalhou como segundo crítico do “Estado de São Paulo” de 1963 a 67, quando teve Biáfora como editor; o também cineasta Astolfo Araújo, ex-cunhado, amigo e sócio do Biáfora na Data Cinematográfica e o crítico de cinema Edu Janks, que afirma: “Eu aprendi a ler aos sete anos e tenho certa cultura porque leio o Biáfora desde essa idade”. Tive a honra de participar desse encontro histórico, inesquecível, ao lado do Matheus e do fotógrafo Gabriel Carneiro.
Além disso você encontra depoimentos pessoais do grande crítico André Setaro, do Matheus e do editor deste blog, a reprodução de uma entrevista dada por ele para o livro "O Cinema Segundo a Crítica Paulista", quatro textos selecionados por mim e nunca publicados em livro e análises dos filmes "O Quarto" e "A Casa das Tentações", dirigidos por ele.

domingo, 24 de junho de 2007

A NOITE DO DESEJO


"O melhor filme de Fauzi Mansur, uma espécie de "Noite Vazia" passada, não na classe alta e na "Boca do Luxo", mas num ambiente familiar pobre e no submundo da "Boca do Lixo" mesmo. Por isso mesmo foi uma obra perseguida, quase impedida de estrear e depois dessa estréia, só por três semanas ficou em cartaz aqui e no Rio, sendo, desde então, janeiro de 74, interditada até há pouco por nossa cega e descontrolada censura. Realista, empenhada, com um empenho ainda maior que aquele que Mansur havia colocado em suas duas primeiras obras de mais ambição ("Cio, uma Verdadeira História de Amor" e "Sinal Vermelho - As Fêmeas"), a fita ao ser previamente mutilada obrigou o cineasta a fazer um episódio, ou melhor, mais uma história paralela extra. E isso acrescentou-lhe ainda mais valores, já que além dos que já tinha com os personagens vividos por Marlene França, Francisco Curcio, Roberto Bolant, Betina Viany, Carlos Bucka, foi acrescentado o drama de uma interiorana que havia perdido (Selma Egrei), seu ingênuo noivo (Ewerton de Castro) e um implacável e cínico cáften que Pedro Stepanenko encarnou com um brilhantismo digno de uma dobradinha Groucho Marx-Melvyn Douglas e que aqui no Brasil só teve paralelo na maravilhosa criação de Hugo Bidet em "Snuff, Vítimas do Prazer". Stepanenko ganhou o prêmio "Governador do Estado" de melhor ator coadjuvante, ao mesmo tempo que Marlene França o de "melhor atriz" e Fauzi o de melhor direção. Da então recentemente expandida APCA, vieram os trofeus de melhores roteiro e montagem. Um filme nacional obrigatório, mesmo porque sua carreira comercial brasileira, por incrível que pareça, só agora é que vai realmente começar."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/08/81.

domingo, 17 de junho de 2007

SEDE DE AMAR: CAPUZES NEGROS


"Em "A Ilha dos Prazeres Proibidos", obra de encomenda, Carlão Reichenbach, não obstante atendendo uma encomenda e não obstante o inútil lado "mad", o prejudicial tom de "contestação marginal" de personagens e fraco fio de intriga, conseguiu dar uma demonstração de força singular, não só continuando (como em "Excitação") a dominar lindamente a iluminação como, principalmente, lembrar um William Witney ou um Ray Nazarro ao fazer vibrar e valorizar o impossível. Pois aqui temos a outra encomenda de que ele se desincumbiu antes até daquela fita mas que nos chega agora. No entrecho de Mauro Chaves pitadas de "Caçada Sádica" e de outros filmes: obscuro empregado (Luís Gustavo) que sem esperanças cobiçava a esposa (Sandra Bréa) de poderoso industrial (Roberto Maya) é raptado por um grupo de encapuzados juntamente com a mulher de seus anseios e vem a ser encerrado, ambos quase desnudos num galpão longínquo e ignorado. Esperemos que Reichenbach repita a façanha."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/03/79.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

A NUDEZ DE ALEXANDRA ("UN ANIMAL DOUE DE DERAISON")


"Com "As Quatro Estações do Amor", "Natercia" e "Le Bel Age", Pierre Kast demonstrou que tinha condições para ser aquilo que todos os francófilos do cinema - aguerrida legião nos anos de antes, durante e logo após a última guerra - viviam apregoando adorar e deveriam ter realmente adorado (embora não tenha sido isso o que aconteceu). Ou seja, Kast nesses filmes, conquanto não deixando de evidenciar influência de Lubitsch e de Antonioni, revelava-se o mais essencialmente e o mais não-emocionalmente francês de todos os diretores franceses. Ele entretanto, parece ignorar essa sua faculdade e via de regra comporta-se como se quizesse emular Tom Payne e Marcel Camus. Aqui trata uma história que se passa no Rio e envolve e mistura dois planos, duas épocas: a atual, a tipo "Copacabana-Leblon-Ipanema" e outra onde se situam figuras e ambientes do Brasil-colônia. O personagem central é um empresário francês (Jean-Claude Brialy), às voltas com as suas concepções de um Brasil entre Chico Buarque de Holanda, a praia, o Canecão, as "elegâncias" da Avenida Nossa Senhora de Copacabana e o tropical, idilico, semidesabitado e jamais poluído paraíso das gravuras de Debret. Aliás, já nas fotos enviadas para publicidade é possível ver o que o talento e o bom gosto, a visão pessoal de Kast conseguiram, transformando em águas-fortes e em bicos-de-pena até mesmo os esteriótipos deficitários de Jece Valadão e Hugo Carvana. Claro que Alexandra Stewart não depende do intelecto e do pulso de Kast. Mas aqui está um filme a verificar e que tem ainda uma outra boa coisa: não foram feitas as infamantes e impossíveis dublagens - os atores brasileiros falam português e os da França, francês, e as legendas providenciam a tradução conforme a fita se exiba lá ou aqui. Até que enfim uma lição começou a servir!"

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/02/77.

sábado, 9 de junho de 2007

CIDADÃO KANE ("CITIZEN KANE")


"Mais uma oportunidade (a televisão e os cine-clubes têm dado exaustivamente, a maior parte delas, a primeira porém com o inconveniente vexatório da dublagem) para o exame ou reexame deste filme, atualmente, talvez, o mais louvado e o mais famoso da História do Cinema. Quando aqui foi originalmente lançado (antigo Cine Bandeirantes, 18 de setembro de 1941), estava-se em plena guerra, não havia a segurança oracular de uma prévia consulta a crítica estrangeira e, assim, aqueles poucos que ousaram compreendê-lo e aplaudi-lo, no mínimo foram taxados de louco, cultura Coca-Cola, imaturos etc. Mas após seu lançamento tardio em Paris, com o derrame de elogios e literatura da crítica francesa, aí então já não havia mais dúvida: tratava-se mesmo de uma obra ímpar, de tudo aquilo que os europeus estavam apreciando. De qualquer maneira, a obra posterior de Welles e exibições especiais anteriores a primeira "reprise" de "Kane" no Cine Picolino (26 de agosto de 1965) suscitaram controvérsias e posições opostas entre muitos dos que, em 41, haviam ousado gostar da película e todos aqueles que já então não mais podiam deixar de apoiar irrestritamente uma película que a crítica mundial corrente (a mesma que sempre fala em "Potemkin", "A Grande Ilusão", "Ladrões de Bicicletas", "Luzes da Cidade" etc.) agora consagrava. Como Resnais, que depois do "boom" inicial de "Hiroshima" e "Marienbad" nunca mais pôde sustentar a mesma mítica (e ao contrário de Antonioni, que agora com "O Passageiro: Profissão Reporter" - que por sinal, desde ontem voltou à exibição, no Cine Biarritz - parece ainda maior do que no tempo da trilogia "La Aventura" - "La Notte" - "L'Eclisse" ou de "Blow-Up"), o fato é que urge uma análise diversa do surgimento de Welles e sua primeira obra, de seu teor de americanidade e do teor de sua forma e de sua revolução visual e sonora. E aqui está, como dissemos, mais uma oportunidade (a fita, aliás, a 8 de julho de 68, teve uma "reprise" meio clandestina no Cine Can Can, além de ter sido reexibida pelo "Cinema de Arte Bijou" em várias outras ocasiões)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" em 29/08/76.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

VIOLÊNCIA E PAIXÃO ("GRUPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO")

"O penúltimo filme de Visconti, o filme que "rodou" quando já estava gravemente enfermo e sentindo o seu fim próximo. Talvez uma obra premonitória e eivada de um clima de desintegração e do inevitável, o mesmo clima que ele tentou, não soube compreender (e portanto recriar) em "Gotterdammerung-La Cadutta degli Dei" ("Os Deuses Malditos"), mas realizou-se mais com "Morte em Veneza". De "Ludwig, a Tragédia de um Rei" não se pode falar autorizadamente porque a fita aqui nos chegou insultuosamente reduzida e mutilada. "Grupo di Famiglia in un Interno" - sugestivo título - coloca um "leit motiv" caro ao diretor (veja-se "Ossessione", "Senso", "Rocco", o roteiro de "La Giornata Balorda", o episódio com Romy Schneider em "Boccaccio 70", "O Leopardo", "Vaghe Stelle dell'Orsa", o episódio de "Le Streghe", "O Estrangeiro"), ou seja o problema da decadência, desvendado num "andante" dorido, passivo, numa auto-imposição de mutismo, de múltiplos conflitos interiorizados. E sobretudo, num alarde de forma, num quase ritual à beleza da reconstituição de época, das imagens, do estilo e do resultado global. Uma ópera, uma Catedral ideais, como Visconti certamente exultaria. E com o cineasta e a exemplo do felicíssimo momento com Pasolini em "Teorema", dando o melhor exemplo desse culto de Visconti à beleza expressiva, como em "Le Streghe" e "Morte em Veneza", mais uma vez tratadíssima por sua direção, Silvana Mangano reaparece mais uma vez transfigurada em grande dama, em figura cinemática inesperadamente bela e sugestiva. Um dos raros grandes lançamentos da temporada, uma película a ser vista, sem dúvida alguma."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/10/76.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

DESAFIO À VIDA ("AI TO HONOHO TO")

"Se pode haver ligações, semelhanças ou equivalências estéticas em "motivos" e formas ou veículos artísticos sem origem direta, sem os dos pés da letra como o exige a "mediocridade sensata" (e é claro que pode), eis aqui o filme que mais lembra a poesia e o clima de Rimbaud, em todo o cinema conhecido. Derivado de uma história de Shintaro Ishihara (que pelo jeito não pôde ser levada à tela senão através de simbolismos, dados os "perigos" que ainda oferecia a época que foi "rodado") esta obra, produto da última fase mais fecunda e culminante do cinema japonês, resultou numa das mais fascinantes e perturbadoras de toda a fascinante e perturbadora carreira de Eizo Sugawa. Heroismo e amizade, ausência de perspectivas, paixão e sentimento de culpa, ânsia de vida e complexo de auto-destruição, num dos filmes mais estranhos, significativos e requintadamente cinemáticos destas duas décadas. O elenco, quase todo só de personalidades excepcionais, mal dando tempo ao espectador para atentar na criatividade fora de série de um intérprete para o que ou os que também estão em cena ou logo se lhes seguem. E assim em todos os elementos que o integram, o "decor", a música "árabe" de Sato, o perfeito roteiro de Kaneto Shindo. Até hoje inédito no Rio (e mesmo assim foi recentemente recusado pelos "cinemas de arte" de lá...). "Desafio à Vida" aqui foi originalmente lançado a 29 de dezembro de 1962, no antigo Scala, e, para nós, constitui "reprise" absolutamente vital, obrigatória."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/05/76.

Foto de "O Rio dos Vaga-Lumes" ("Hotaru-Gawa"), 1987, de Sugawa.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

P.S. POST SCRIPTUM

"Às surpresas de "O Olho Mágico do Amor", "Duas Estranhas Mulheres", "Retrato Falado de uma Mulher sem Pudor" vem juntar-se esta outra, mais inesperada ainda, deste filme paulista que, para espanto geral, foi selecionado pelo vicioso júri do Festival de Gramado do ano passado. Mais surpreendente ainda é que, depois de conhecer-se sua qualidade, não tenha ele sido premiado numa competição da qual participavam, senão "Eu Te Amo" (cavalo de batalha, "dumping" prévio, mas obra cuidada e "comunicativa") outros como o "umbigo" de "Cabaré Mineiro" e os "engagements" "O Homem que Virou Suco" e "Até a Última Gota". Este "P.S.", uma história intencionalmente fragmentada e passada num torvo mundo de publicidade, prostituição de luxo, taras, sonhos, frustrações e culpas de todo o tipo, mas narrada com uma firmeza gramatical até inusitada para o cortês e bem intencionado Romain Lesage, o mesmo de "A Beleza do Diabo", feito em 51 com uma estreante Beatriz Toledo Segall, e do "infantil" "Pluft, o Fantasminha", de 62. Lesage: um longo estágio na publicidade e agora esta obra diferente, estranha, com excelente ambientação, fotografia, roupagens e um momento final de antologia numa imobilização de imagem que parece saída de uma hipotética e cruel fita alemã. Auspicioso e (coincidência?), o terceiro e insuspeitado grande filme paulista consecutivo de que participa, de alguma maneira, o antigo diretor de dublagem Hélio Porto."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/05/82.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

EMMANUELLE TROPICAL

"Como aconteceu com o cinema italiano e até o japonês (dentre os que ora lembramos) o cinema nacional não poderia ficar alheio ao êxito internacional do pioneiro e celebrado "porno" francês de Just Jaeckin que lançou a holandesa Sylvia Kristel e criou uma nova espécie de voga ou de psicose cinematográfico-erótica. Como não pudemos ver a obra original, aqui está (sem cortes?) o filme nacional, encomendado pela exibidora-produtora Hawai a José Marréco, o co-diretor de "Fantasticon, os Deuses do Sexo", de "Núpcias Vermelhas" e da última versão do "A Carne", de Julio Ribeiro. Com o proverbial cuidado de imagem em que Marréco sempre se esmera quando é diretor e iluminador e com um tipo de filosofia erótico-existencial-contestatória típica de quase todos os alunos de comunicações das USPs que temos conhecimento, este "Emmanuelle Tropical" é uma fita que junta certos elementos do "Les Liasons Dangereuses" de Vadim, com os extravasamentos ou algumas das "audácias" do filme de Jaeckin. E, se bem não tenha possa ter a dose de europeismo do filme com Gerard Philippe, Jeanne Moreau e Annette Stroyberg, a tornar-lhe plausível o cinismo lúdico dos personagens, tem uma produção razoavelmente rica em recursos materiais e a habitual expontaneidade e "charme" de Monique Lafond, além de uma surpreendente aparição de Matilde Mastrangi. A rafaelina e belíssima Selma Egrei não coube uma oportunidade efetiva."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/09/77.

sábado, 19 de maio de 2007

OS VIOLENTADORES

"Surpreendentemente a primeira recomendação da semana é e só pode ser a do novo filme de Tony Vieira que entra amanhã nos Cines Premier e Avenida e, na quinta, também no circuito Metro. Mais uma aventura de múltiplas inspirações, de inúmeras citações, para não dizer mais. Entra de tudo neste filme que talvez devesse ser um "western" à paulista, mas é um "melting pot" como sempre expedita e habilmente concebido e realizado pelo produtor, produtor autor-diretor-astro e consultor musical Maury de Oliveira Queiróz e que na condição de ator aparece como Tony Vieira e igualmente habilmente montado pelo recentemente premiado (por nossa lembrança aliás) Walter Vanni. Índios (paraguaios, venezuelanos, peruanos) bandidos e albornozes, pequenas indefesas ou pequenas perigosas mas despidas, vilões do tipo mexicano-calabrês, e uns efeitos especiais de trombadas, explosões e desastres que se não foram tão "citações" como parecem já são o suficiente para podermos dizer que nosso cinema acabou de atingir uma perfeição técnica que nunca teve e todos nós sempre invejamos do cinema internacional - no nosso, quase que nem uma jarra ou um simples copo podia ser quebrado sem significar um problema sério de produção. Isso pelo menos é o que indica o agilíssimo, eficientíssimo e quase inacreditável "trailler"."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 07/05/78.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

VÍTIMAS DO PRAZER: "SNUFF"

"Carlos Reichenbach (um episódio de "As Libertinas", depois "Corrida em Busca do Amor" e "Lilian M") adora filmes como "Os Profissionais do Sadismo" ("Femmina Riddens"), a obra-prima estranhamente erótica e marginal do italiano Piero Schivazappa, que aqui passou quase despercebida. Outro diretor paulista, Jean Garret, também deve apreciar tipo e gênero, já que se sai melhor quando nas imediações. Pois Reichenbach é o co-autor, roteirista e dialoguista desta fita que gira em torno de dois malandros (dos EUA, "naturalmente", mas que ao final se revelam de outra procedência) que fazem filmes "pornô" no qual as atrizes seriam assassinadas "ao vivo". Cláudio Cunha dirigiu. E a fita chega-nos agora na triste circunstância de ser possivelmente a derradeira em que atuou Hugo Bidet, talentoso, personalíssimo, uma espécie de Melvyn Douglas legitimamente carioca e cujo desaparecimento recente constitui uma das mais lamentáveis e irreparáveis perdas sofridas pelo cinema brasileiro."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/05/77.

terça-feira, 15 de maio de 2007

ESCOLA PENAL DE MENINAS VIOLENTADAS

Apesar de feitas com rapidez e sem nenhuma máscara ou rebuço intelectual ou de falso empenho, as produções de A. P. Galante muitas vezes dão resultado, em seu devido lugar e contexto. Caso das fitas com Hugo Bidet e Patricia Scalvi, da outra com Sérgio Hingst e Aldine Muller e deste recente "Pensionato de Vigaristas", que apesar de previsões até malévolas conta com uma impressiva e inesperada grande aparição da veterana Lola Brah. Esta aqui foi dirigida por Antonio Meliande (o iluminador favorito de Walter Hugo Khouri, agora estreando na "mise-en-scene") e conta com uma história que pode (ou deve?) ser contrafação de "Flávia, a Monja Muçulmana" de Florinda Bolkan, mas que deverá dar, no mínimo, oportunidades ao tipo "sui generis" de Genésio Carvalho, ao talento de Sérgio Hingst e às sugestões sinistras possíveis em Meyre Vieira como vilã, viúva negra, mulher morcego. A conferir.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/12/77.

sábado, 12 de maio de 2007

O CAÇADOR DE ESMERALDAS

"As vantagens e as limitações dos "super-espetáculos" pré-deliberados, do filme histórico de exaltação ufanista. Sem dúvida, a fita que Oswaldo Massaini não poderia deixar de tentar após "Independência ou Morte". Os cuidados vão desde a escolha de um elenco em que não faltam as figuras de prestígio ou de garantia mítica popular de TV, teatro, rádio, cinema e mesmo publicidade, até a pesquisa histórico-acadêmica que revela que o verdadeiro nome de Fernão Dias era Paes, mas não Leme. Vão, também, das chamativas roupagens solicitadas a Campello Neto até a inclusão de figuras sexy como Nydia de Paula, Esmeralda Barros e Julciléa Telles. Na direção, ao invés do habitual Carlos Coimbra, o igualmente tarimbado e expedito Oswaldo de Oliveira, de quem esta semana temos também a "reprise" de "Os Garotos Virgens de Ipanema" e que, aliás, vem de obter um pouco comentado, mas real acerto como fluência narrativa e como gosto visual em "Bordel - Noites Proibidas" (ainda hoje no Cine Globo). No papel título, Jofre Soares e, como sua jovem esposa, Maria Beteim, Glória Menezes."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/08/80.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

BORDEL - NOITES PROIBIDAS

"Ex-presidiário consegue emprego como garçon de um "cassino" clandestino e resolve dar o grande golpe de sua vida, aproveitando a "simpatia" que lhe demonstra o patrão "gay" e poderoso banqueiro do jogo do bicho (Mário Benvenutti, em papel algo parecido ao que teve em "Os Machões", de Reginaldo Farias). E o "herói" nisso é auxiliado por Margot, uma prostituta que vive de golpes nos frequentadores menos "caixa baixa" da casa. Margot é Rossana Ghessa, que depois de "tour de force" de "Lucíola", descobriu que se podia tornar excelente atriz pondo em ação seu verismo "à italiana". A fita esteve interditada pela nossa censura quase um ano, por causa de uma seqüência "inspirada" em outra, quase totalmente cortada da versão só agora liberada de "Emmanuelle, a Verdadeira". Como o ex-presidiário, Fábio Villalonga, um dos melhores galãs jovens revelados no cinema paulista desta fase. E a estréia, numa ponta, de outro, José Lucas, na mesma linha e possibilidades."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/06/80.

UM GOLPE SEXY

"Uma surpresa. Filme paulista produzido na rua do Triunfo, mas sem os estigmas das obras “essencialmente” engendradas no famigerado local. De uma historiazinha muito “datada”, escrita pela co-produtora Paula Ramos (que é também atriz espontânea mas aqui manteve-se ausente do elenco), da trama ingênua de uma menina que, a fim de fugir aos avanços do padastro, disfarça-se de homem, foge de casa e passa a enfrentar as situações de hábito, o iluminador e diretor húngaro Gyula Kolozsvary, atuando como diretor, apresenta um trabalho elogiável. Há erros, sobretudo o da distribuição de papéis (a falência mais contumaz e desnecessária em nossos cinemas), mas Kolozsvary se sai muito melhor do que seria lícito esperar. No elenco, ainda que também ela recebendo papel inadequado, a decisiva presença é a da bela catarinense Magrit Siebert, que com todo o seu ar de desafiadora e indomável valquiria, faz o impossível papel de filha de um rústico empregado de fazenda."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/02/77