domingo, 10 de agosto de 2008

HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL


A TEIA DOS CORRUPTOS (“Kokuso sezu”)

“Combinação de mistério e intriga com corrupção política, ambição, chantagem e outros ingredientes propícios para que o “engagé” Hiromichi Horikawa, antigo discípulo de Kurosawa, dê vazão às suas ferrenhas convicções sobre o que seja proselitismo, crítica social. O mal não é propriamente o engajamento, mas sobretudo a tendência ao “virtuosismo”, aos formalismos e ao exagero, bem como a falta de vibração cinemática do diretor. Na história, político inescrupuloso às vésperas da eleição recorre a ministro do partido contrário, prometendo-lhe virar bandeira em troca de apoio econômico. O ministro entrega vultosa quantia, mas o emissário do político, sabendo que não pode ser processado por roubo, uma vez que o dinheiro está ligado à corrupção e a manobras ilegais, desaparece disposto a realizar seus sonhos e ambições pessoais. Como se depreende, apesar de Horikawa, a impressão é de que a história é muito nossa conhecida. E não só no ambiente da política...No elenco, o grande veterano Fumio Watanabe e, como o enganado ministro, Eitaro Ozawa.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/04/76.

ANATOMIA DO MEDO (“Ikimono no Kiroku”)

“Importante realização japonesa de 1955, posterior a “Hakuchi, o Idiota” (que o “Cinema Um” do Rio já trouxe e exibiu mas parece não estar querendo lançar em São Paulo) mas posterior a “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre” (que particularmente importamos e entregamos à Toho mas que agora é o “Cinema Um” do Rio parece não estar interessado) e anterior à “Ralé”, o outro clássico inédito de Kurosawa que juntamente com este solicitamos à Toho que trouxesse para o nosso público. De qualquer maneira um dos filmes mais controvertidos e famosos da fase mais prestigiada de Akira Kurosawa. Na história, um idoso industrial japonês, apavorado ante nova catástrofe atômica resolve (a conselho de um fazendeiro patrício que vive aqui em São Paulo), vender todos os seus bens e se refugiar no Brasil. A ganância de sua família porém, insurge-se contra ele e toma medidas drásticas para o que considera sua loucura. Toshiro Mifune, claro, interpreta o protagonista, secundado por ótimos interpretes do cinema japonês de então: Takashi Shimura, Minoru Chiaki, Eijiro Tono, bem como a característica Eiko Miyoshi, Noriko Sengoku, Kyoko Kagawa e Akemi Negishi, esta a “mulher fatal” de “A Saga de Anahatan”, o derradeiro (e aqui ainda inédito) filme de Josef Von Sternberg. Sem dúvida, um dos grandes lançamentos deste ano e, no entanto, obra que nenhum outro “cinema de arte” daqui de São Paulo estava interessado em exibir.”
Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 28/02/77 .

DERSU UZALA

“Justamente quando deixou de fazer apelações a um sarcasmo e a “utilidades” convenientes à “festiva” (não bem o que anda confessando Yves Montand), pendendo, como era natural e inevitável, para um humanismo bem à Gorki, à peculiaridades legítimas e anímicas de uma silenciosa vivência oriental, Kurosawa caiu em desgraça e isso não deve ter sido só conseqüência do menor êxito comercial do inesperado “Dodes’kaden”. Como soe ocorrer, o isolamento foi tão cruel, a decepção e o estupor foram tão fortes que o cineasta até chegou à tentativa de suicídio. A possibilidade de recuperação veio com esta fita, que os estúdios soviéticos aceitaram co-produzir e que, no dizer da maioria, surge envolta em uma profunda beleza graças ao retrato que faz de um homem solitário e solidário a solidão que ele pressente no mundo. De certo modo, o drama real da existência do guia asiático “Dersu Uzala” tem muitos pontos de contactos com o de outra personagem antológica do cinema japonês, o pescador e vigia de Hokkaido que passou toda sua vida num farol do norte gelado de seu país – papel do grande Hisaya Morishige em “O Homem do Horizonte” o filme também clássico de Seiji Hisamatsu. “Dersu Uzala”, personagem russo que realmente existiu, levado à tela ganhou o “Oscar” de melhor filme de 1976 e agora dará, talvez, novo alento à carreira do cineasta de “Ralé”, “Viver”, “Rashomon” e tantas obras elogiadas e premiadas internacionalmente. A ver, sem dúvida alguma.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 02/10/77.


DELÍRIO NOTURNO – POSSUÍDA PELO DEMÔNIO (“Keokeimu – Yoba”)

“Masaichi Nagata, era diretor-geral da Daiei, foi o produtor pessoal de “RashoMon” e o artífice maior dos êxitos que aquele estúdio habitualmente obtinha em Cannes, Veneza e Berlim na época que o filme de Kurosawa chamou a atenção do mundo para o cinema que se fazia no Japão. Ironicamente, a Daiei, que era a Metro de lá, além de nunca ter conseguido sala própria nem distribuição corrente, nem mesmo aqui em São Paulo, fechou as suas portas. E esta fita, produzida principalmente por Nagata, é um esforço dele no sentido de tentar reviver os dias de prestigio de seu estúdio. Como filme pode ter sido motivado pelo êxito comercial de “O Exorcista”, mas a história pertence ao mesmo autor do conto original de “Rasho Mon” Ryunosuke Akutagawa, que se suicidou lá pelos anos 30. A protagonista feminina é a mesma, Machiko Kyo, bem como o iluminador Kazuo Miyagawa. A história gira em torno de uma mulher (Machiko) que começa a se deixar envolver pela mania de demônios e bruxedos. O diretor é o engajadíssimo Tadashi Imai de “Até que o Destino nos Uma”, “Torre de Liz”, “Arroz”, “A Trágica Lee Line”, “Juramento de Obediência”, este, aliás, o único dos seus filmes mais elogiados que não contou, no roteiro, com a colaboração da escritora Yoko Mizuki. Ainda no elenco outros atores do último áureo período do cinema nipônico: Kiyshi Kodama, Shinjiro Ebara, Taketoshi Naito, a característica Tanie Kitabayashi, e sobretudo o antológico Rentaro Mikuni. Provavelmente o lançamento mais caracterizado da semana.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 11/03/79.

O IMPÉRIO DA PAIXÃO (“Ai no Borei”)

“O igualmente hiper-elogiado e famosíssimo filme japonês (também maiormente financiado por franceses) com o qual o diretor Nagisa Oshima prossegue na linha exacerbada e audaciosamente erótica e passional de “O Império dos Sentidos”, obra de impacto mundial surgido em 1976 e que naturalmente não chegou a este tíbio e mesquinho mercado cinematográfico. Dois amantes, ele jovem, ela madura, matam o marido importuno afim de mais alucinadamente fruírem seu amor ilícito. Uma história de paixão, sexo, crime e expiação que lembra “Os Contos da Lua Vaga”, de Mizoguchi, “Kwaidan”, de Kobayashi e outras obras-primas do cinema e da literatura nipônica. Audaz, maldito, absolutamente a ver.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/08/79.

O SEGREDO DO CASTELO DE EDO (“Ooku Marohu Monogatari”)

“Já que não podemos rever o clássico “As Cinco Mágicas” (a cópia deve ter deteriorado), nada mais oportuno do que a reapreciação deste também bonito e expressivo filme de Sadao Nakajima, o diretor japonês que se antecipou à moderna voga erótica, mestre inconteste do gênero e, incrivelmente, sem oportunidade de cultuá-lo no atual cinema de seu país. No castelo de Edo, em princípios de 1700, reinado de Ienori Tokugawa, o dramático relato do recrutamento das filhas de samurais e comerciantes para o harém do shogun. Espesinhamento moral e sentimental, medo, rivalidades, cobiça, inveja, luxúria, intrigas, crime. E, entre o intenso e requintado tratamento de direção, encenação, etc., estrelas lindas, de lábios de cereja e pele de pétalas de rosa, como Yoshimo Sakuma, Junko Fuji e atrizes do “kabuki” como Isuzu Yamada e do melhor teatro japonês moderno, como Kyoko Kishida. A fita aqui foi originalmente lançada a 7 de abril de 1968, no mesmo Cine Niterói que a fez recensurar e, previamente, a “reprisou” pouco tempo atrás, para o público da colônia.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 28/09/80.


O RETRATO DE CHIEKO (“Chieko Sho”)

“A cópia provavelmente já esteja avermelhada, insatisfatória (é ainda daquelas, originais, que chegavam do Japão especialmente para o público da colônia). Mas quantas assim – “Zabriskie Point”, “Morangos e Sangue”, “Procura-se um Super Macho” – tivemos e estamos tendo em nosso inefável ambiente pós-ditadura do cinema-novismo, Embra-concine, e caterva? E como se trata de uma raridade (um filme japonês aqui lançado pelo mesmo cinema a 25 de janeiro de 1969, depois de concorrer em Berlim-67 e no mesmo ano ter sido um dos cinco finalistas na disputa ao “Oscar” de melhor película estrangeira) vamos dar-lhe maior atenção que a outros da mesma procedência e que, sem iguais antecedentes, vêm sendo recensurados e reapresentados nos remanescentes cinemas do bairro da Liberdade. O diretor Noboru Nakamura era um dos mais cativantes intimistas do cinema nipônico, era o sucessor de Ozu e Ohba na Shochiku. E entre seus intérpretes centrais, a sensitiva beleza de Shima Iwashita e a força de presença de Tetsuro Tamba, Eiji Okada, Takamaru Sasaki, Tadashi Kato, mais a música do grande Masaru Sato e o incrível apoio ‘técnico-artístico” do estúdio a época.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/11/80.

MIYAMOTO MUSASHI, DUELO NA ILHA DE GANRYU (“Miyamoto Musashi – Ganryujima no Ketto”)

"A quinta e última do cíclico que Tomu Uchida realizou para os estúdios Toei de 1961 e que já possibilitou obras do impacto e da expressão artística de “Miyamoto Musashi”, “Duelo de Hannyzaka” e “Duelo de Ichichoji”. Todas, aliás, evoluindo no singular clima de demonismo que é a grande constante, e característica fundamental do estilo do cineasta, um dos maiores que o cinema japonês e o internacional já revelaram em qualquer tempo. A narrativa desta vez prende-se à rivalidade e à obsessão de sangue e de vitória final que domina Musashi (Kinnosuke Nakamura) e o também legendário Kojiro Sasaki (Ken Takakura), espadachim que era considerado o maior da época de ambos. O filme, aqui originalmente lançado no antigo Cine Niterói em 1º de janeiro de 1966, claro, não pode sofrer comparação com nenhuma das rotineiras estréias que estamos tendo. Mas a cópia colorida e há 15 anos guardada é um problema que, se a técnica, a ganância ou a irresponsabilidade atuais não resolverem, toda a produção colorida do cinema irá perder-se irremediavelmente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/07/81.

É TRISTE SER HOMEM, 23ª. ÉPOCA (“Otoko Wa Tsurayo – Tonderu Torajiro”)

"Pobre Yoji Yamada. Tem qualidades de diretor-autor, capacidade de observação humana, de criação de clima, conforme já demonstrou, por exemplo, em “Quando a Primavera Chega Tarde” (“Kazoku”). É o diretor mais bem sucedido comercialmente do atual cinema japonês. E nesse mesmo cinema, antes de produção farta, agora parcimoniosa, é talvez o cineasta que mais trabalha. Tem, porém, de pagar um preço: ater-se quase que exclusivamente aos filmes desta série “Tora San”, o eternamente simplório e casadouro caixeiro-viajante interpretado por Kiyoshi Atsumi. Aqui, o personagem enfrenta o mais inusitado de seus habituais desenganos amorosos, pois começando a se interessar por uma mocinha (Kaori Momoi) acaba na verdade enamorado da mãe da mesma. E esta outra não é senão a veterana Michiyo Kogure, que anda aparecendo maltratada ultimamente, mas tempo já houve que era a mais sedutora mulher de um cinema como o japonês da fase áurea, ao qual, o menos que faltava eram atrizes e figuras femininas das mais belas e envolventes."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/11/81.

ACONTECEU NO FIM DE TOKUGAWA (“Eejanaika”)

"Na última fase áurea do cinema japonês, o “engagé” e então jovem Shohei Imamura era o rei dos estúdios Nikkatsu, autor, entre outras, de obras de antologia como “Meu Irmão Nianchan”, “Todos Porcos”, “A Mulher Inseto”, “O Segredo de uma Esposa”. Agressivo, cru, desmistificador e contundente, Imamura fazia jus ao prestígio. Este é o filme que dele nos aparece após a falência de seu estúdio (hoje reativado para a produção “pornô”). Gira em torno de um lavrador que durante um passeio de barco naufraga e, recolhido por um navio americano, acaba ficando seis anos nos EUA. Ao voltar, não encontra a esposa, que durante a época de crise fora vendida pela família (dela) a uma companhia de artistas ambulantes. Acha-a e quer voltar com ela à America, mas a mulher tem medo e se recusa. Ele, então, torna-se um venal, trabalhando para o clã reinante dos Tokugawa (a época é 1866) e, ao mesmo tempo, para os inimigos do regime, o que o levará à tragédia final. Terá Imamura voltado aos seus melhores dias? A verificar."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/82.