quinta-feira, 16 de julho de 2009

OS MENINOS ("Quien Puede Matar a un Niño?")


"Claro, não vamos falar nas infantas de Velasquez. Mas tanto a literatura mediana, como o teatro e o cinema comerciais e mesmo o jornalismo imediatista espanhol (isso para não lembrar seus segmentos hispano-americanos) sempre fizeram sentimentalismo e até extrema demagogia com a criança e seu mundo. Pois é a criança, e seu universo mágico, indiferente ou terrorífico, que vem servindo para que o cinema da Espanha dê uma arrancada tão plena de maturidade artística e tão surpreendentemente ousada no plano humano e político, como vimos em "Cria Cuervos", de Saura e "O Espírito da Colméia", de Erice. E ao que parece agora com este "Quien Puede Matar a un Niño?" uma outra terrificante alegoria à loucura do mundo moderno. Na história um casal estrangeiro - a mulher grávida - fica isolado numa ilha habitada somente por meninos, que como aqueles do filme inglês "A Aldeia dos Amaldiçoados" ou como "Os Pássaros" de Hitchcock estão dominados por estranha e niilista sanha assassina. A fita foi considerada pela crítica francesa como a melhor de 1976. E pelo "Variety" norte-americano como a mais inquietante do cinema espanhol em muitos anos. O diretor, Narciso Ibañez Serrador, era um dos mais conceituados atores da fase mais próspera do cinema argentino. Uma obra a verificar, obrigatoriamente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/02/79.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O GRANDE DESBUM


"Quase uma transcrição da peça de Martins Penna, tal como a encenou Antonio Pedro no teatro carioca e com esse trabalho ganhando o Prêmio Moliere. O encenador dividiu a direção cinematográfica com Braz Chediak, que com ele fez também o roteiro. Parece que estamos diante de teatro filmado, mesmo porque Chediak para a façanha, ao contrário de "Navalha na Carne" não contou com a presença carismática de Glauce Rocha. A peça original "As Desgraças de uma Criança", apesar de seu tom farsesco foi tratada por Penna com a seriedade de 1887. É isso que lhe dá sabor: as sombras sagradas de Labiche ("O Chapéu de Palha da Itália") e Beaumarchais ("O Barbeiro de Sevilha") não podiam deixar de estar presentes. A jovem senhora Rita (Tessy Callado) vai à Missa do Galo e deixa a aia Madalena (Marília Pera) tomando conta de seu bebê. Mas a aia igualmente quer espiar a festa e deixa seu amante Pacífico (o próprio co-encenador Antonio Pedro, também ator e, aliás, bom como tal e como tipo) vigiando a criança. Esta estranha e chora. Pacífico então veste-se de mulher para que ela o tome pela aia e fique calma. Aí chega Manoel Igreja (Ney Latorraca), que supondo que Pedro é Marília tenta seduzí-lo. Complicam-se então os qui-pro-quós, bem na linha dos séculos 18 e 19. Resta saber agora se todo este rosário de implicações e decorrências, no atual impasse em que está o cinema nacional, foi levado a termo da maneira conveniente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/02/79.

GOLPE DE ESTADO À ITALIANA ("Vogliamo i Colonnelli")

"Apesar de um tanto atrasada e apesar de não sermos fanáticos por Monicelli, sempre ele tem mais obras interessantes em seu ativo que os outros diretores da semana. Por exemplo, os episódios de "As Rainhas" e de "As Bruxas", o humor "cafone" de "La Ragazza con la Pistola", o bom aproveitamento de Anna Magnani em "Risate di Gioia", os prêmios de "Os Companheiros", a "onda" feita em torno de seus dois "Brancaleone". Aqui Monicelli faz uma sátira talvez não maldosa, mas bem observada, aos golpes de estado, ao golpe dos coronéis gregos em particular. Na história, Tognazzi parece ser Grifoni, um deputado que tenta reunir vários oficiais reformados para abocanhar o poder. "Volpe Nera" (Raposa Negra) é a senha, mas o plano fracassa bem "à la buffa"; e à Tognazzi outro remédio não resta senão tentar exportá-lo para outros países, na esperança de que em algum deles funcione melhor. Não é co-produção, mas, no elenco central estão dois elementos do cinema francês: - o antes ótimo François Perier e o sempre quase canastrão Claude Dauphin. Verifiquemos."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/04/79.

CORAÇÃO DE CRISTAL ("Herz aus Glas")


"Depois de tantos filmes realmente políticos, humana e artisticamente empenhados Werner Herzog não precisa provar talento nem sua sinceridade de engajamento. Mas a crítica internacional e mais a nacional, viciadas como estão nesse tipo de máfia para o sossego e a garantia de acesso a honrarias e bem remunerados postos de comando (acrescidos ao vezo de querer sempre participar das cristas da onda, dos blocos do poder e do consenso comum e de ser a celebrada "maioria compacta", enfim) parece que andou lhe cobrando essa prova inútil e até ridícula a propósito desta fita, na qual ele, inspirado no folclore e nas legendas bávaras, faz uma espécie de arqueologia e ao mesmo tempo premonição ou avaliação de um apocalipse que, pelo visto, está próximo. No mínimo, o apocalipse da ética e da cultura que a humanidade criou ou acumulou desde que começou a raciocinar. Claro, o assunto não é para o eterno otimismo festivo, mas preferimos acreditar no cineasta de "Aguirre, a Cólera dos Deuses" e "O Enigma de Kaspar Hauser" e procurar as relações que esta sua fita poderá ter com o grande romantismo alemão e com o mergulho na poesia elemental que lembramos do realmente excepcional "Das Blaue Licht" ("A Luz Azul"), o famoso e aqui comercialmente inédito "filme de montanha" que Leni Riefenstahl dirigiu em 1932. A ver urgentemente e sem os famigerados "parti-pris"."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/04/79.

terça-feira, 14 de julho de 2009

PERIGO NA MONTANHA ENFEITIÇADA ("Return from Witch Mountain")

"Seqüência de "A Montanha Enfeitiçada" ("Escape to With Mountain"), a produção de Disney na qual um menino Tony Malone (Ike Isenmann) e sua irmã Tia (Kim Richards), dotados de poderes paranormais e de misteriosa origem - provavelmente vindos de outro planeta - caíam na alça de mira de um multimilionário (Ray Milland) e seu terrível empregado e acólito (Donald Pleasence) para que o potentado, utilizando os dois órfãos, conseguisse seu louco sonho de dominar o mundo. Claro, nessa primeira aventura os orfãozinhos eram ajudados e salvos pelo bondoso Eddie Albert. Aqui a coisa deverá ser mais séria, isto é os perigos mais tremendos e a salvação mais problemática. Não porque agora o "super vilão" é Christopher Lee, o pretenso êmulo ou sucessor de Bela Lugosi, que em vez personalidade de fato fascinantemente satânica do mítico ator húngaro mais parece uma velha moralista e digestiva "menagère". Mas sim porque sua comparsa é a eterna Bette Davis, sempre imbatível e implacável, se bem que este não seja o tipo de filme que ela ainda mereceria ter à sua livre escolha. Quem sabe ainda Hollywood acorde e resolva aproveitá-la em papéis na linha da Martha de "Quem Tem Medo de Virginia Wolf?" (que, parece, ela fez no teatro e queria repetir no cinema mas a preocupação com a bilheteria do momento fez com que entregassem à ineficácia Elizabeth Taylor). Ou ao papel de Clara em "A Visita da Velha Senhora" que confiaram a uma Ingrid Bergman bela, doce, simpática e ainda jovem demais no filme de Bernhard Wicki. Enfim, pela primeira vez, excluindo é claro os casos das figuras animadas da madrasta de "Branca de Neve" e da Madame Medusa de "Bernardo e Bianca", pela primeira vez numa fita de Disney o principal, o toque melhor deverá ser dado por uma personagem má."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/04/79.

O IMPORTANTE É AMAR ("L'important C'Est D'Aimer")

"Reabre-se finalmente o Cine Gazetinha. E, a julgar pelas referências da crítica francesa, de maneira louvável, com um filme muito elogiado e que deu o prêmio "Cesar", de melhor atriz do cinema da França em 75, a Romy Schneider. Ela aqui interpreta uma atriz fracassada, que sobrevive fazendo papéis aviltantes em filmes pornográficos, até que lhe surge uma possibilidade de reabilitação com bom papel ou peça teatral séria. A heroína agarra-se com todo o desespero à oportunidade, mas os obstáculos materiais, morais e afetivos que lhe surgem pelo caminho exigem esforço sobre-humano. O diretor Andrzej Zulawski nasceu na Polônia em 1940, formou-se pelo IDHEC em 1957 e logo mais já era assistente de seu compatriota e xará Wajda em "Sansão", "Cinzas" e no episódio de "O Amor aos 20 Anos". Na fotografia está o argentino Ricardo Aronovich, de importante atuação no nosso cinema com "Os Cafajestes" e "Os Fuzis". Segundo um crítico de Paris o filme significa "A aparição da inteligência no cinema comercial francês". Para outro é "uma obra-prima". No elenco, além de Romy, que de qualquer maneira com prêmios e elogios ou não, sempre foi maravilhosa, duas curiosidades: - a famosa atriz e modelo "pornô" Claudine Beccarie e o veteraníssimo Sylvain, que na versão silenciosa de "La Passion de Jeanne D'Arc" (realizada por Carl Dreyer, com Renée Falconetti e Antonin Artaud, em 1928, e a mais famosa de todas) fazia o terrível inquisidor reverendo Cauchon."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/05/79.

CHANTAGEM E CONFISSÃO ("Blackmail")

"Como aconteceu na programação de arte do extinto "Marachá-Augusta", já começa a dar seus frutos a ida de Álvaro Moya para a TV Tupi. Um dos sinais, este "Ciclo Hitchcock", que apresentará boa parte dos filmes inéditos da primeira fase inglesa do cineasta. Este filme, aqui comercialmente inédito (como os nove primeiro silenciosos e os oito primeiros sonoros do realizador de "Vertigo"), é de 1929 e a princípio foi "rodado" mudo. Mas veio o som e então a possibilidade de adicionar-lhe ruídos, música e falas. Acontece porém que a estrela, a alemã Anny Ondra, não sabia inglês ou não tinha suficiente dicção e assim foi "dublada" por Joan Barry, o que iria prejudicar-lhe a carreira na Grã-Bretanha. Anos depois ela se casaria com o boxeador Max Schmelling e voltaria a tentar a sorte na Alemanha. Juntamente com "The Lodger", de 26, "Blackmail" constituiu um dos dois maiores êxitos de Hitch nesses seus começos. Segundo referências críticas, o toque hitchcockiano já está bem palpável na narrativa. "Blackmail" vem "dublado", mas vem, ainda que com meio século de atraso e via a pequena tela da TV. Mas antes tarde do que nunca, e antes pouco do que nada. A ele, pois."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/06/79.

ESPOSAMANTE ("Mogliamante")

"Mas numa ótica atual, não há dúvida que a estréia mais satisfatória destes sete dias de cinema é esta nova realização de Marco Vicario, o antigo ator que se iniciou como diretor em excelente plano de exigência cinemática com "As Horas Nuas" (1964) mas logo no ano seguinte se afirmava quase que apenas mais comercialmente com uma aventura policial á italliana como "Sete Homens de Ouro". Aqui Vicario parece ter voltado um tanto ao clima de "As Horas Nuas", de permeio com semelhanças a obras de prestígio de outros colegas seus como Mauro Bolognini ("Ferramonti", "Per le Antidre Scale"), Patroni-Griffi ("Divina Creatura"), Monicelli ("Os Companheiros"). Na história, o desencontro de um casal. A mulher Antonia (Laura Antonelli), sente-se insatisfeita com o desinteresse do marido, Luigi (Mastroianni), negociante de vinhos, anarquista militante e mulherengo inveterado. Uma intriga política obriga Luigi a procurar passar por morto e se refugiar no sótão da casa de um vizinho, Vincenzo (Gastone Moschin). Ignorando que o marido esteja vivo, Antonia se liberta e passa a se redescobrir como mulher e, ao mesmo tempo, a descobrir as outras verdades sobre a existência e a personalidade do marido, até que um imprevisto põe novamente face a face o homem, derrotado, e a esposa, conscia de todo o seu fascínio feminino. A ação se passa no início do século e isso - segundo voz geral - permitiu um primoroso trabalho de reconstituição de época, todo um requinte de produção. Também segundo referências unânimes, o melhor filme de Vicario desde sua promissora estréia em "Le Ore Nude" e um dos melhores do cinema italiano nestas duas últimas temporadas."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/07/79.

HISTÓRIAS QUE NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM

"A Cinedistri, que começou e cresceu sempre à sombra e ao deleite do fenômeno "chanchada", e "chanchada" preferível e principalmente carioca, só mesmo ela poderia ser a pioneira do gênero que, ao que parece, agora vai criar mais este seu "novo grande esforço de produção" - não uma "pornô-chanchada" como "O Bem Dotado" etc. mas um "pornô-conto-de-fadas" (como aliás já se andou falando em outros países). Aqui é Branca de Neve que entra em causa, aproveitando construção típica existente, não lembramos onde, e provavelmente parte das roupas e adereços de "Independência ou Morte" e do ainda inédito mas anterior "O Caçador de Esmeraldas". E assim temos uma Clara das Neves na pele da mulatinha Adele Fátima e sete anões "tarados" - sete não, porque um é muito doméstico e entra na ação para propiciar um final bem mais de acordo com as intenções da película cujo próprio folheto publicitário classifica de "sátira à brasileira", "repleta do mais requintado e autêntico humor...e que atinge em sua plenitude os padrões de qualidade das maiores produções internacionais" (sic). Uma coisa é verdade: na atual "conjuntura" de nosso inefável cinema, até que a fita tem uma propriedade, dentro de seus propósitos (ou devemos dar uma de "rebelde" universitário ou intelectual de "esquerda festiva" e falar em "proposta", em "espaço cultural", "nível de leitura" e outras gírias "transcendentes" que a cada minuto são inventadas para deslumbrar os "off" situacionismo "dolce vita"?): a mobilização de Meiry Vieira, com o seu tipo de vampiro-1927, de mulher-aranha ou viúva negra, inegavelmente adequada para a rainha perversa que manda matar a pobre enteada, não por inveja da beleza, mas porque ela poderá por-lhe em perigo o trono (isto é, o poder e dinheiro) e o príncipe encantado de quem é amante. Esta sim, uma tacada de mestre!"

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo", de 18/11/79.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

TARA, PRAZERES PROIBIDOS

"O tipo da história imaginada não para qualquer retrato ou tipo de observação ou aprofundamento, mas apenas para causar o impacto (sensacionalista) hoje considerado obrigatório pelos estrategistas da produção, distribuição, exibição e quem sabe algo além...Noiva (Mariclaire Brant) e filha (Patricia Scalvi) de um viúvo (André Lopes) "após algumas desilusões com homens, acabam se encontrando"...Para agravar a situação perigosos marginais, fugindo da polícia, invadem a chácara onde o estranho triângulo estava confinado, submetendo ao imaginável não só as duas moças como também a empregada (Tania Poncio), até que o caseiro (Alexandre Dressler) resolve reagir. E o final - feliz ou regenerador? - torna-se previsível. O diretor Castellini é o mesmo co-roteirista ou colaborador de alguns filmes do produtor Mansur e já estreou na direção com "As Amantes Latinas" (não confundir com o filme de Sidney Magal, também já exibido). No elenco, menção para Patricia Scalvi, que lembra Margaret O'Brien, Shioban McKenna ou Claire Bloom e que, apesar do tipo "mignon", tem o porte e "charme" de alguma específica atriz escossesa."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/12/79.

Patricia Scalvi, que agora é dubladora, falando de sua profissão.