domingo, 24 de julho de 2011

AS FUGITIVAS INSACIÁVEIS


“O técnico de equipe Antônio Pólo Galante ao passar a produtor, embora tenha tido em seu ativo boa participação em fitas de empenho como “Lance Maior”, “A Guerra dos Pelados”, “A Mulher de Todos”, “As Armas”, “As Gatinhas”, “As Deusas”, “O Último Êxtase”, recentemente ao enveredar por uma política mais ativa de produção mesmo trabalhando nas condições mais habituais do cinema paulista (nenhum apoio mas até perseguição da crítica, nenhuma ajuda na televisão, nenhum “cats paw” do PC ou dos “intelectuais” de escolinhas, clubinhos e outras igrejinhas, sem o apoio interessado e descarado de candidatos a cineastas “geniais”) mesmo não apregoando gato por lebre, mesmo sem desculpas nem mistificações, e sim, declarando abertamente suas intenções puramente comerciais, mesmo assim e com tudo isso tem feito o que ninguém mais tem conseguido: espontaneamente colocado alguns valores de realização e, sobretudo, de elenco em fitas que ele planeja, realiza e exibe com a maior presteza e eficiência possível. Só no ano passado realizou e apresentou cerca de cinco – a metade do que hoje está produzindo qualquer um dos ex-sete grandes estúdios de Hollywood. Pois chega-nos agora mais esta aventura, sem veleidades àquela mistificação, aquela mentira que os astutos rotulam de “compromisso com a nossa realidade”, chega esta obra diretamente violenta, com claros apelos ao sexo, à linearidade. Mas, mais requintada e ousada em certos pontos do que a quase totalidade do “cinema sério” que o “engagement” endeusa, pois vem com a coragem, por exemplo, de colocar no papel de um cáften e alcagüete, um tipo com o nível e a finura, mas há também a perfeita capacidade para convencer de um Pedro Stepanenko, além de dar o primeiro papel masculino a sempre proverbial grandeza cênica de Sérgio Hingst e de colocar nos papéis femininos novas presenças como a da bonita “nissei” Suely Aoki ou uma espécie de Mercedes McCambridge Rua do Triunfo como Zélia Martins. Fotografia, direção e ação tem a garanti-las – lado adventício da própria proposição à parte – a prática de Oswaldo de Oliveira.”

terça-feira, 19 de julho de 2011

EXCITAÇÃO


"Longe da bitola do estrelismo narcísico-comercial de David Cardoso (“A Ilha do Desejo”, “Amadas e Violentadas”, “Possuídas Pelo Pecado”, obras que no entanto facultaram sua revelação e os indícios de uma tendência plástico-formal para situações efeitos sado-eróticos-masoquistas), com “Excitação” o jovem diretor Jean Garrett surpreende até mesmo àqueles destituídos de preconceitos “culturais” que conseguiram aquilatar de suas potencialidades em melhores circunstâncias. Pois elas se impõem neste novo filme, o mais profícuo e caprichado que M. Augusto Cervantes produziu até hoje. Não que inexistam assimetrias, contradições e fortes lapsos de entrecho, com situações e personagens desnecessariamente tomados de empréstimo a muitas obras anteriores (“Suspeita”, “À Meia luz”, “A Teia de Renda Negra”, e até “A Sétima Vitima”, de Val Lewton). Mas é quase a primeira vez que algo saído da Rua do Triunfo revela um gosto e uma capacidade de manipulação, um germe de linguagem para realizações de diverso teor: unidade, plasticidade, imaginação cinemática. Outro tento é a belíssima fotografia colorida de Carlos Reichenbach, toda em tons neutros e esmaecidos (como se fosse concebida para a Kim Novak de “Uma Vez por Semana” ou a Dominique Sanda de “Une Femme Douce”), bem dosada, atmosférica – uma das melhores que nosso cinema apresentou em muito tempo. Sugestiva também a escolha de locais “marinhos” e o emprego das roupas (ponto sempre ridículo nas fitas nacionais do atual e falso “boom” comercial). Inesperadamente efetivo o “modernoso” comentário musical de Beto Strada. E só dignas de elogios as atuações de Kate Hansen com sua entrega e Betty Saddy com seu “charme” carioca, ainda que seja de lamentar as poucas oportunidades a Liana Duval e Abrahão Farc. Não há “engagement”, falta certamente o grande entrecho, mas é flagrante uma capacidade de vir à tona para as exigências visuais expressivas e atmosféricas do cinema. E isso é muito."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/05/77.

domingo, 10 de julho de 2011

O ESPÍRITO DA COLMÉIA ("El Espiritu de la Colmena")

"Segundo Saura o filme que o levou a utilizar a menina Ana Torrent em “Cria Cuervos”, senão mesmo que até o levou a imaginar e realizar essa sua magistral obra que amanhã, além do Olido e Bristol, passará também para a tela do Del Rey, tal o êxito (inesperado para os exibidores) felizmente alcançado nesta nossa nem sempre errada cidade. Como Saura depois em “Cria...”, também “El Espiritu de la Colmena” teve problemas e foi embargado algum tempo pela censura franquista. Mas o importantíssimo é que – sem cinismos e desaforos e sem se aproveitar do próprio poder oficial para fazer “festividade” – ambas as películas foram realizadas em pleno regime de Franco. E, ainda que através da alegoria, do fantástico realismo passível no cotidiano e no trivial, dão-nos um excepcional retrato da verdade e do sofrimento, da alma e dos anseios espanhóis de todo esse longo período de 40 anos de ditadura sofrida por seu povo. E ainda por cima, segundo o atestariam, senão os prêmios obtidos nos festivais de San Sebastian, Chicago, Londres e Nova York e os elogios de toda a imprensa do mundo civilizado, com certeza os testemunhos pessoais de nossos colegas Carlos Motta e Ewald Filho que os viram há três e dois anos em Cannes e Buenos Aires. A ação começa numa tarde de domingo, no ano de 1940 (época em que o impacto e as feridas da Guerra Civil ainda se faziam sentir) quando a uma pequena aldeia chega um velho caminhão com dois projetores na sua ronda mensal de cinema ambulante pelo interior do país. E para uma audiência principalmente de crianças exibem “Frankenstein”, o clássico de terror feito por James Whale em 1931. Duas meninas assistem à sessão e se vêm possuídas de fascinação pela película, mas ambas de maneira diferente. Isabel faz de tudo um jogo de imaginação. Ana, porém, cujo pai cria abelhas e cuja mãe tenta reviver o passado escrevendo cartas sem destino a um amor perdido, Ana, dizíamos, num processo de descoberta básica toma a projeção como uma realidade essencial. E quando, identificando-se com o monstro, imortalizado por Boris Karloff, e divagando pelos campos, encontra um homem misterioso, um fugitivo político, todo um processo de confronto entre bem e mal, uma consciência de vida e morte vêm a tona e uma estrutura original de cine-dramaturgia de realismo mágico e expressão poética configuram um filme cuja apreciação e entendimento se tornam capitais. Obrigatório."