domingo, 30 de março de 2008

BEIJO NA BOCA

"Chega afinal a versão cinematográfica do caso Lou-Wanderley Quintão. Com outro rótulo, é claro, mas sempre aquele caso de sexo, passionalismo e crime que o senso de “oportunidade” do produtor-diretor Jece Valadão, assim que o mesmo aconteceu, logo pensou em filmar. Mas a produção agora, conjunta, é de Paulo Thiago e Pedro Carlos Rovai. A julgar pelo trailer parece que ambos não poderiam ter agido melhor, em que pesem certas características do ambiente, do cinema e até da linguagem carioca, sempre dando uma idéia errada que acontecimentos dramáticos não combinam com a esteriotipada imagem que muitos adoram criar, com os maneirismos e afetações a ela inerentes. De qualquer maneira, uma salutar incursão no plano de estrelismo positivo, ainda que só a personalíssima, promissora e meritória Cláudia Ohana e a veterana Joana Fomm acima de quaisquer (ou muitas) restrições. A ambientação promete ser boa."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/10/82.



DEZENOVE MULHERES E UM HOMEM

"A primeira fita de David Cardoso sem direção de Jean Garrett, com quem o industrioso “galã” havia obtido seus três últimos próprios e ponderáveis êxitos comerciais: “A Ilha do Desejo”, “Amadas e Violentadas”, “Possuídas pelo Pecado”. Garrett, agora independente, pessoal (e auspicioso) com “Excitação”. David prossegue e talvez tenha exacerbado a fórmula narciso-erótico-comercial de toda a sua filmografia como “astro-produtor”, mas agora acumula também as funções de diretor. Tomara que com o mesmo surpreendente élan e “boa mão” revelados por John Herbert. No elenco os realces deverão ir para Aldine Muller (sempre lembrando o tipo de jovem Margaret Lindsay), talvez para a reaparição de Lisa Negra, para Patrícia Scalvi(que constituiu revelação em “Presídio de Mulheres Violentadas” e parece um misto de Louise Platt, Margaret O’Brien e da escocesa Siobhan MacKenna, a Virgem Maria do último “Rei dos Reis”) e para atores como Miro Carvalho (com seu tipo interiorizado de rapaz índio), para o eficiente Nelson Morrison e para o tipo peculiar e efetivo do diretor Ozualdo Candeias."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12.06.77.


A FOME DO SEXO

"Mais um erotismo de encomenda, cumprido com a habitual diligência por Ody Fraga. Nada contra a encomenda, nem contra a diligência. Mas só com o provável tom e o lado adventício da obra, dois handicaps, que não são, em absoluto, inevitáveis. A história aqui parece a de “Idílio Proibido”, aquela última realização de Konstantin Tkaczenko em que a adulta Suely Fernandes cobiçava e envolvia até a morte um menino de 12 anos. Aryadne de Lima, que parece Capucine misturada a Joan Davis ou Charlotte Greenwood, apanha o marido em flagrante com a melhor amiga. Definitivamente ofendida, vai para Campos do Jordão e, apesar de assediada por um Arthur Rovedeer, cisma com um efebo daqueles típicos, que outro não é senão o frágil galãzinho do famigerado “A Filha de Calígula”. E o pior é que o referido acha que não tem vocação para gigolô e acaba preferindo sua antiga namoradinha (será que Danielle Ferrite?)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/09/82.



A MULATA QUE QUERIA PECAR


"Outro nacional. Mas este da linha declaradamente “vexame”. O título já indica. De novo na co-montagem a já desaparecida Nazareth Ohana. Na história e roteiro o incrível “cômico” Paulo Silvino. E uma narrativa afim. Três casais em crise. A protagonista Bibi (Julciléa), “uma mulata sensacional, quer o desquite porque o marido Celso Faria vive paquerando as suas empregadas e suas amigas” (sic). Um outro casal vive atazanado pela sogra dele, Henriqueta Brieba. E o último par é de dois pombinhos não muito seráficos, mesmo porque o noivo é o bem desinibido (e bom ator e tipo) Antônio Pedro. Ao final, uma “festa” para espantar a “dor de cotovelo” e a qual todo mundo quer que descambe em orgia, sobretudo Julciléa. Pura “pornochanchada”, enfim. Embora pudesse ser outra coisa, caso os responsáveis se interessassem por um “específico fílmico” há mais de 60 anos definido como Cinema."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 02/12/79.


PORNÔ!

"Como “Aqui, Tarados!” e até mesmo “A Noite das Taras”, mais uma produção “hábil” de David Cardoso. Três histórias sumárias, um único autor-roteirista, três ambientes básicos, três diretores e sete figuras no elenco. Na primeira história, lembrando Stephane Audran e Jacqueline Sassard no chabroliano “As Corças”, Patrícia Scalvi e Maristela Moreno se encontram num luxuoso apartamento. Na segunda, David tem fixação por freiras e faz seu “date” Matilde Mastrangi vestir-se antes como tal. E na última, talvez com reminiscências do conto “O Espelho”, de Gastão Crulz, Zélia Diniz é uma cega que por meio de espelhos domina sexualmente e explora como criado Arthur Rovedeer (ótimo ator e tipo, como sempre) até que este descobre a artimanha e destrói todos os espelhos da casa."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 28/06/81.


OS 7 GATINHOS

"Bergman foi profundamente marcado pelo clima “emilybronteano” e rígida e fria infância na casa de seu pai pastor protestante. Buñuel ficou indelevelmente estigmatizado pelo clericalismo de sua educação espanhola. Ambos transformaram isso nas revoltas e indagações sobre Deus em “Juventude”, “Sede de Paixões”, “O Silêncio” e nas blasfêmias de “Un Chien Andalou”, “L’Age d’Or”, “Viridiana”. A ficção de Nélson Rodrigues, verdadeiro epítome concentracionário de todas as taras e calamidades numa única unidade de tempo, espaço e família só pode vir da “Luta Democrática”, do nosso antigo “O Dia”, das manchetes “aglutinadas” de “Notícias Populares”. E com a absoluta exceção de uma das primeiras encenações ziembinskeanas de “Vestido de Noiva”, sempre nos parece absolutamente incongruente e inconvicente. Mas mais que a ficção, o que mais nos intrigaria é a maneira como se está desenrolando esse casamento de interesse ou conveniência entre o cinema-novismo e a dita “maldição” rodrigueana. E fiquemos por aqui..."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 20/04/80.



sexta-feira, 21 de março de 2008

AMOR BANDIDO *

“A formação “vivo o nosso Tempo”, “atuais universidades” ou “escolinhas de cinema” e “cineclubes” de Ana Carolina (33 anos), levou-a, em “Mar de Rosas”, a querer fazer “um ensaio ou uma reflexão sobre o Poder”, mas felizmente sua violência de espanhola de pai e mãe levaram-na, sem saber bem como, a esse grito de angústia imprecisa mas verdadeira que é “Mar de Rosas”. Já Bruno Barreto (agora 22 anos) neste “Amor Bandido”, demonstra uma visão de submundo que se aceitaria somente se vinda da idade e da experiência calejada de um repórter policial como José Louzeiro. E o que pasma é que parece que esta é uma idéia que ele tinha antes mesmo de fazer “A Estrela Sobe”, é seu projeto favorito e adiado há muito tempo. Mas quantos anos ele teria então? E desde que se trata de algo concebido como produto comercial (como todos os filmes seus, mesmo o infanto-adolescente “Tati, a Garota”) e produto de uma hipernacional, com a certeza de todos os respaldos de um poder e de um sistema, e ainda levando-se em conta que não se trata de alguém que cultua o policial ou o terrorífico, o espanto é maior. Se Ana Carolina exorcisou seus demônios interiores e o resultado foi um lancinante e puro grito feminino, que espécie de grito será este de Bruno? Sugawa aos 24 era terrível, mas seu terrível vinha de um ético e de um palpável amor à humanidade. Aqui é um terrível que nem Lovecraft ou Sheridan La Fanu seriam capazes, nem mesmo nos deteriorados Rio e São Paulo de hoje eles poderiam criar maior terror do que aquele que sentimos quando começa a se configurar qual é a atual atividade da personagem interpretado por Paulo Guarnieri. Em todo o caso, cinematograficamente o melhor filme do jovem diretor, embora nessa virtude os recursos de produção e os apoios e garantias de toda a ordem tenham um papel mais que preponderante.”

* Este filme será exibido no Canal Brasil nos dias 23/03, às 23:00hs, e 25/03, às 04:30hs.

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 22/10/78.