domingo, 24 de abril de 2011

O PRÍNCIPE DA CIDADE ("Prince of the city")

“O Príncipe não é príncipe, mas um policial de Nova York que é escalado com outros sete investigadores e recebe da Divisão de Tóxicos de Nova York a incumbência de chegar até os altos figurões que controlam o tráfico de narcóticos na cidade. Mas Daniel Cello (Treat Williams) o herói deste filme talvez muito longo (quase três horas), não é bem isso. Já teve, também três ou cinco pecados de corrupção em sua folha de serviço. Além do mais, para poder exercer seu trabalho, normalmente tem que fornecer drogas aos seus informantes e, também, escamotear certos fatos, manter muitas vezes a boca calada, já que o exercício da honestidade muitas vezes exige que se transgridam leis. Paradoxo? O que sempre uma pessoa observadora vê ou percebe em suas imediações, não torna apropriada a expressão. O fato é que não excluindo o seu “feminino” e amargo “O Grupo”, toda a carreira de Lumet esta marcada por essas histórias da falência, dos descaminhos ou dilemas das pessoas policiais, instituições, a própria justiça: “Doze Homens e uma Sentença”, “Mulher Daquela Espécie”, “Panorama Visto da Ponte”, “Limite de Segurança”, “Sérpico”, “O Homem do Prego”. Nós porém o preferimos quando emaranhado no ambiente pantanoso e clima hemingwayano dos preconceitos e rancores da atrasada vida no Sul do EUA. Como em “Vidas em Fuga” (graças também a Anna Magnani) e em “Brutalidade Desenfreada”, ambos, salvo engano, devidos também a Tennessee Williams.”.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/04/82.

EM BUSCA DO OURO ("The gold rush")

“Uma das obras mais endeusadas de Chaplin, esta, baseada nas trágicas conseqüências (que o filme aliás alude, mesmo porque suas proposições sempre seriam outras) da corrida ao ouro ocorrida no Alaska no último terço do século passado. O assunto deu, entre outras, margem a fita da Metro dirigida em 1928 por Clarence Brown com Dolores del Rio “Ouro” (“The Trail of 98”). Aqui serviu para Charlie Chaplin levar a termo um de seus empreendimentos mais bem sucedidos e mais uma vez colocar o pobre e desamparado homenzinho em meio à hostilidade e maldade do mundo que existia até dez anos atrás, mais ou menos. Ao tempo de seu primitivo lançamento entre nós (o que se deu iniciando uma fase cinematográfica do extinto “Teatro Santana”, a 10 de setembro de 1926) a publicidade informava que Chaplin havia declarado ver “este o filme pelo qual desejo ser lembrado para todo o sempre”. A fita foi logo “reprisada” a 17 de fevereiro de 1930 (no extinto Cine Rosário) e, a 13 de abril de 31 (no antigo República) e depois, já em versão sonorizada, musicada e comentada, e portanto reduzida, visto a supressão das cartelas para legendas – pelo próprio Chaplin, novamente reexibida a 14 de julho de 43 (no Cine Ritz, depois Rivoli) e a 30 de setembro de 1957 (no Art Palácio e circuito). O refinado Henri d’Abbadie D’Arrast, que havia colaborado como consultor assistente, desentendendo-se depois com Chaplin, fez com que seu nome fosse retirado dos “créditos” nessas duas reapresentações sonoras.

No mesmo programa será também “reprisada” outra, e das mais aplaudidas também, fitas curtas do realizador, “Vida de Cachorro” (“A Dog’s Life”), de 19 de abril de 1918, com cerca de 36 minutos e interpretada pelo realizador, mais seu irmão Sidney, o diretor Reisner e Edna Purviance.”.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/01/77.

VENHA TOMAR CAFÉ CONOSCO ("Venga a prendere il caffè da noi")

“Retorna esta ferina e excelente tragicomédia de Lattuada que aqui havia sido originalmente lançada nos Cines Metrópole e Astor a 3 de abril de 1972. O assunto é aquele já antes (“Ape Regina”, etc.) muito bem explorado e analisado pelo cinema italiano com toda a sua fidelidade à observação e a pintura verista de usos e costumes e fraquezas da condição humana: as várias e contraditórias vantagens e ciladas do exercício da virilidade. De novo Ugo Tognazzi é o funcionário público, é o homem normal e medíocre que um dia descobre que essa orgulhosa condição de “maschio” tanto é o caminho para fruir a vida como também pode se transformar no mais letal, no mais fatal dos encargos. Um dos mais representativos filmes de Lattuada, uma “reprise” bem-vinda, uma obra a ver ou rever.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/03/77.

A VINGANÇA DO HOMEM CHAMADO CAVALO ("The return of a man called Horse")

“Apesar do diretor ser Irwin Kershner (o mesmo de “Stakeout on Dope Street”, um filme-B de 1958 que então a crítica “jovem” ou “mais aberta” considerou muito) a recepção a esta sequência de “Um Homem Chamado Cavalo” não foi entusiástica. Menos convincente e mais condescendente para com as implausibilidades da trama, escreve Clyde Jeavons no “Monthly Film Bulletin” de novembro último. Contudo, no elenco, um forte motivo para que se assista ao filme, mesmo tendo que aturar a presença de Richard Harris: a volta de Gale Sondergaard, a militante irredutível, a grande atriz de “Anthony Adverse”, “Emile Zola”, “Sétimo Céu”, “A Carta”, a Mulher Aranha de uma aventura de Basil Rathbone como Sherlock Holmes e de outro daqueles envolventes “thrillers-B” da Universal em meados dos anos 40.”

13/03/77

REDE DE INTRIGAS ("Network")

“Uma espécie de “O Galante Mr. Deeds”, de “A Mulher faz o Homem” (“Mr. Smith goes to Washington”) ou de “Adorável Vagabundo” (“Meet John Doe”) transpostos para o nosso tempo e contra (contra?) a corrida ao dinheiro, às ambições de mando e gosto pelo poder – por estas razões em si nada além – que caracterizam principalmente o “boom” e o círculo vicioso da TV e do atual mundo das “comunicações”. De rosa, o “New Deal” de Capra-Roosevelt torna-se negro, pustulento, amarelo, marrom, tudo, menos branco, menos limpo. Resta agora saber, se como também no nacional “A Flor da Pele”, até que ponto, em arte, tudo o que existe se pode ser transformado em matéria de interesse de epopéia. A fita concorre a dez “Oscars” (filme, diretor, melhor atriz, dois atores centrais coadjuvantes masculino e feminino, etc.). Um dos atores, Peter Finch, concorre postumamente, fazendo um Gary Cooper ou James Stewart exausto e mais preocupado com o seu cargo que com a causa e esta sua derradeira interpretação é patética, conquanto não propriamente explêndida. E, assim, talvez o mais essencial do filme seja justamente o “porco capitalista” a cargo do Ned Beatty, que é o ator coadjuvante que concorre. Um inegável sinal de nossos tempos, repita-se.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 20/03/77.

LADY CARATÊ, EX-MULHER DRAGÃO ("Onna hissatsu ken")

“Um intermediário norte-americano foi ao Japão e lá adquiriu dos estúdios Toei toda a sua produção de filmes de ação para distribuição em caráter mais internacional. Esta que aqui nos chega via Warner, remontada, dublada em inglês com o título idem de “Lady Karate” e como sendo co-produção sino-japonesa, outra não é senão a mesma “Mulher Dragão” que o cine Niterói (há cerca de 15 anos o distribuidor oficial das fitas da Toei no Brasil) aqui já lançou em março de 75. ao que parece, virão agora muitas dessas fitas. E o Niterói delas só terá direito de exibição no original japonês, sem dublagens e sem remontagens e só em seu próprio cinema, nesta Capital. Sintoma das situações de “imbróglio” a que chegou o negócio cinematográfico em toda a parte”.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 20/03/77.

O INQUILINO ("Le Locataire")

“Polanski realizou em sua pátria (a Polônia) e na Inglaterra, dois dos mais significativos e perfeitos filmes de nosso tempo: “A Faca na Água” e “Armadilha do Destino” (“Cul de Sac”). Os também ingleses “Repulsa ao Sexo” e “A Dança dos Vampiros” e os americanos “O Bebê de Rosemary” e “Chinatown” são igualmente obras tidas em grande ou mesmo na mais alta conta pela generalidade da crítica. Pois de Polanski temos agora esta primeira fita realizada na França. É a história de um homenzinho comum (o próprio diretor) que aluga um apartamento num dos prédios de Paris, um apartamento onde a inquilina anterior tentou suicídio atirando-se pela janela e, no hospital, desenganada, deverá morrer a qualquer momento. Críticos ingleses falam em Kafka, em Freud e em Poe. E a estes poderíamos acrescentar o clima de “The Lodger” (o “Jack o Estripador”, de John Brahm com Laird Cregar) e de “O Desconhecido” (“Passing of the Third Floor Back”), o misterioso clássico inglês que Berthold Viertel dirigiu em 1935, com Conrad Veidt. No elenco a talvez superestimada Isabelle Adjani de “Adele H” e o grande veterano Melvyn Douglas. Um dos lançamentos mais atraentes do ano.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/04/77.

AS INCRÍVEIS PERIPÉCIAS DO ÔNIBUS ATÔMICO ("The Big Bus")

“Correria americana e com “problemáticas” atuais. Mas o molde ainda é o do clássico “Grand Hotel”, um “Grand Hotel” sobre rodas. E apesar de comédia, um filme sobre catástrofes (ou vice-versa). O primeiro ônibus atômico em viagem inaugural Nova York-Denver. Toda uma humanidade modernosa a bordo. Mas sabotadores e serviços de companhias petrolíferas colocam bomba a bordo. Lynn Redgrave faz uma figurinista ninfomaníaca, enquanto que Sally Kellerman e Richard Mulligan são um casal que briga furiosamente e depois se ama da mesma forma sem ligar aos presentes. E Stockard Channing é a “mocinha”, filha do inventor do veículo e ex-noiva do seu chofer, Joseph Bologna. Uma mocinha com nome de ator característico (no filme ainda hoje no Metro 2, há outra doce jovem com o contestatório nome de Meredith Baxter Birney; logo mais no nosso tão independente e pessoal cinema veremos alguma “linda e intelectual” atriz atendendo por algo assim como Nogueira Moncorvo Mattosinho, que claro, não podemos ficar atrás em tão magnas inovações.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03.4.77.

VINGANÇA DO ALÉM ("Shadow of the Hawk")

“A surpresa norte-americano-canadense da semana e talvez uma das mais efetivas da temporada, em que pese a opinião do convencional e meio sintomática no “Variety” de 14 de julho passado(“a banal low-budget action meller”). Como nunca se deve temer o que em média as visões deficitárias e pretenciosas costumam catalogar indiscriminadamente de melodrama (quando a produção não é estirada, pomposa, literatoide ou hipocritamente engajada) e como há bons motivos (cinemáticos) para se acreditar no George McCowan de “A Balada de Andy Crocker” (feito para a TV) ou do independente, pouco custoso mas curioso “A Invasão da Rãs” (com Ray Milland), convém assistir a este filme, que talvez estaria melhor programado nas salas Portinari, Centro 2, Marachá-Augusta ou Cinema Um. “Rodado” nas imediações de Vancouver, gira em torno de um velho doutor pele-vermelha, uma espécie de curandeiro, Page (Chief Dan George), que procura preparar o neto(Jan-Michael Vincent) para herdar o seu posto, aprendendo os ritos ancestrais e exorcisando os espíritos malignos, fonte de todas as desgraças que assolam a tribo. O desafio, porém, não fica sem conseqüências. E tudo em meio a uma narrativa que tem como pano de fundo a violenta beleza da paisagem da Columbia Britânica. Para quem apreciou o significado de “A Balada de Andy Crocker”, uma verificação obrigatória.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/05/77.

SETE MULHERES PARA UM HOMEM SÓ

“Marlene Dietrich, depois de “Mulher Satânica” (1935), ou talvez ainda “Anjo” (37), e Greta Garbo, depois de “Duas Vezes Meu” (41), nem mesmo sendo as deusas que eram e mesmo tendo milhões de fãs pelo mundo todo, conseguiram condições para produzir sequer um novo filme como seria o certo – para elas e na sua grande forma (não falamos aqui em “A Mundana” (48) ou “Testemunha de Acusação” (58) pois estes foram apenas “chances” de período de sobrevivência que o talento e a excepcionalidade de Dietrich aproveitaram à quintessência. Se tal tivesse acontecido, sem dúvida alguma, em muita coisa o panorama artístico internacional teria sido outro. Bem! Não aconteceu com elas, nem em Hollywood, nem em Roma, Paris, Londres, nem em Berlim (culpa da ocupação e da vocação perseguidora e suicida do mundo aliado), nem em Estocolmo (culpa cabal, total e imperdoável de Ingmar Bergman). Mas aconteceu no Rio (com o auxilio financeiro e apoio específico do produtor paulista Elias Cury) para Lameri Faria ostentar todo o seu absurdo cinematográfico em mais esta pornochanchada terrível imaginada e perpetrada por seu marido, o também ex-ator Mozael Silveira. A história, como sempre acontece nas produções do gênero e intenções, não é exatamente o que o título sugere mas sim a narrativa claudicante de três ladras que se escondem numa casa que na ausência dos proprietários está sendo sublocada pelos irresponsáveis empregados. Aqueles chegando, a confusão é tanta que até a polícia acaba tendo que ser requisitada.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/05/77.

MONSIEUR ARKADIN, ex-GRILHÕES DO PASSADO ("Mr. Arkadin")

“Num momento particularmente infeliz, em que nada se distingue qualitativamente, pela terceira vez consecutiva a “nota artística” é dada por uma casual “reprise” do Cine Coral. Agora esta obra de um virtuosismo narcísico e barroco que um Orson Welles egresso de Hollywood e ingenuamente deslumbrado com a Europa realizou em oito meses de locações na França, Espanha, Itália e Alemanha, tentando repetir a receita de “Kane”. Um torvo nababo contrata gente para investigar o “dossiê” de misterioso personagem internacional e a figura em questão é ele mesmo. A fita, em distribuição da Warner Bros. aqui, a 24 de março de 1958, na então falta de um cinema de arte (que agora temos, são quase dúzia e nenhum cumpre sua função) foi assustadamente relegada a um programa duplo do extinto Cine Broadway, onde provocou delírios de crocodilo naqueles conservadores ensaístas que primeiro esperaram o pronunciamento da crítica européia para depois se arriscarem a “gostar” de Welles.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 16/06/77.

A PORTA ENTRE O ÓDIO E O MEDO ("Les Guichets du Louvre")

“Filme francês sobre uma batida mortal que em julho de 1942 os nazistas ordenaram contra 13.000 judeus franceses residentes em Paris e que 9.000 policiais burocratas, também franceses, levaram a termo, com a inconsciência e o alheiamento que só aqueles que costumam ser cegos e servis na obediência a ordens cretinas ou monstruosas são capazes. E que, infelizmente, é uma espécie de gente que continua a se reproduzir em massa, em qualquer lugar e para qualquer ocasião e tipos de opressão ou violência. Tratando-se de fita francesa onde tanta monstruosidade de tempo de guerra é praticada, o louvável (ou o inacreditável) é que o diretor Michel Mitrani tenha podido fazer questão de não mostrar nenhum soldado alemão, nenhum nazista, mas só o quinhão de culpa da prata da casa. Auto-escarmento de um tipo que sempre vimos em fitas americanas mas não em obra de outra procedência e muito menos francesas. Um filme a verificar, não obstante nos pareça inútil a colocação do interesse amoroso, romântico para poder esmiuçar e tornar mais pungente o drama.”

JESUINO BRILHANTE, O CANGACEIRO

“Extemporânea excrescência do ciclo “cangaço” que só males trouxe ao nosso cinema. E fita que, não obstante o aumento do número de dias de exibição obrigatória, foi parar no crematório programa triplo de uma salinha “off” como a do Los Angeles. Aliás, tratando do outorgado aumento do número de dias, justamente agora quando a concorrência se faz entre o cinema brasileiro dos tubarões (sejam os das “liasons dangereuses”, sejam os das “chanchada”, da pornografia, dos “interesses paralelos” ou da absoluta falta de rebuços) e cinema brasileiro dos “peixes pequenos” (ou sejam os independentes, os “não alinhados”, os que não podem desrecalcar, gratificar ou coagir certos estrategistas da imprensa e da crítica, distribuição, etc., sejam os das fitas mais artísticas, das produções mais ingênuas ou simplesmente das menos matreiras ou apenas mais comuns, mais normais) o mercado ficou absolutamente fechado. Com a concorrência, antes dita desleal das fitas estrangeiras, quase que todos lutavam e saiam arranhados mas semi-ressarcidos. Agora com a concorrência inegavelmente brutal e desleal dos feudais nacionais, a luta está sendo impossível, como qualquer relação e informes feitos com coragem, imparcialidade, dados e critério pode demonstrar fácil e escandalosamente.”

AS DESQUITADAS EM LUA DE MEL

“O que transforma um filme em “pornô-chanchada”? Nem sempre os atores caricatos ou circenses (porque às vezes interpretes excelentes não conseguem evitar a “debacle”, figuras comprometidas ao serem tratadas com dignidade resultam positivas). Nem sempre, também, o erotismo, o sexo cru ou a sua exacerbação, pois senão o que dizer do Boccaccio ou das literaturas ou obras “audazes” de vários países? Em verdade é a entrega prévia e sem rebuços a um tom subalterno, predatório e condenável, um tom (ou sua falta) que violenta qualquer realidade. E aqui temos mais uma vez ocasião de defrontar com o “problema”. Em primeiro lugar as histórias de Salvá (são duas e até que poderiam ser boas) não tratam do que o título sugere mas sim da reconciliação de duas desquitadas com os respectivos ex-maridos. E tudo fica comprometido pela intenção inicial de já querer fazer o pior, já “apelar”. No elenco, provavelmente o domínio deverá ficar com o verismo de tipo de Otávio Augusto.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/09/77.

A MULHER FIEL ("Une Femme Fidèle")

“Quem assistiu àquela retransmissão de uma entrevista que Sylvia Kristel deu à televisão francesa sob a orientação de um Vadim como sempre imantado pela beleza feminina, já poderia adivinhar como seria o filme que eles iam ou já tinham feito juntos. E aqui está o filme. Uma espécie de combinação Marivaux com Alfred de Musset. Ou seja, o mundo suspicaz de um Marivaux muito mais “Commedia Dell’Arte” do que aquilo que se convencionou chamar “Marivaudage”, mesclado àquele prazer da dor e da punição amoroso do Musset que Michel Deville muito bem captou em “Raphael ou le Débauché”. O ambiente é da evocação e da delicadeza romântica, a fotografia é de Claude Renoir, a produção daquele atual cinema francês que ainda sabe ser cuidado e requintado quando quer (ou quando pode?). E Vadim, com a beleza translúcida, flamengo, diferente quase de “ménagere” de Sylvia (por incrível que isso possa soar aos ouvidos dos que não sabem observar), utilizando sua originalidade em ser uma das poucas figuras de mulher essencialmente holandesas que já passaram por uma tela de cinema, opera algo que merece ser visto.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/10/77.

GARIMPEIRAS DO SEXO

“Um garimpeiro ao parar nas margens de um rio para matar a sua e a sede de seu cavalo, perde algumas pedras de sua sacolinha. E uma “Madame” da localidade, ao sair com suas 15 meninas para apreciar as dádivas da natureza “encontra as pedras e logo põe em campo seus “leões de chácara”...A idéia até que poderia ser divertida (se é que não foi tirada de algum velho filme de Yvonne de Carlo). O tratamento porém é que de maneira alguma poderia ser o mesmo das “auto-sátiras” (“A Irresistível Salomé”, “Era seu Destino”, “Escrava Sedutora”, “Rivais em Fúria”) que a Universal caprichadamente costumava produzir para Yvonne, sofrendo na ocasião a fúria indignada de toda a crítica brasileira que dizia só aceitar arte pura mesmo porque, no caso, em hipótese alguma a fita poderia pertencer ao atual cinema paulista e, em hipótese ainda mais remota, nossos exibidores teriam resolvido programá-la com tanta presteza e tão esperançoso carinho.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/10/77.

Obs.: Não consegui fotos do filme. Foto de Arlete Moreira.

A VIRGEM DA COLINA

“Estamos estranhando que esta fita nacional, distribuída (e talvez parcialmente patrocinada) pela exibidora e distribuidora Haway vá mesmo ser lançada amanhã somente no Cine Marrocos, num “mood” que contraria em absoluto o que a mesma empresa fez com “Bacalhau”, Paranóia”, e “Emmanuelle Tropical”, mas enfim foi a informação que recebemos. E em todo o caso estamos diante de uma história e um tipo de proposição cinematográfica que se não é por retrocesso ou anacronismo, foge completamente ao horrível e adventício tipo de filmes (?) que os nossos exibidores estão adorando: falso pornô ou melhor pura pornografia, nenhum “metier”, mulheres feias e possivelmente “too aged”, sempre de tanga, avançando, sacolejando ou fazendo colidir as respectivas “regiões glúteas”, como gostava de dizer nosso primeiro antecessor Guilherme de Almeida. Aqui temos uma história de magia e erotismo que tem alguma coisa dos contos de Perrault e, talvez bastante, do filme japonês “Aido, a Escrava do Amor”, aliás distribuído há uns seis anos pela própria Haway. No elenco as figuras conhecidas são Jofre Soares e Joel Barcelos, mas mesmo não conhecendo, não “abrangendo” inteira e previamente sempre temos medo da concepção de elenco (“sui generis” no mundo inteiro) que vigora entre os teóricos (?), críticos (?) e realizadores (?) do cinema nacional. Contudo, a verificar.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/11/77.

O GABINETE DO DR. CALIGARI ("Das Kabinett des Dr. Caligari")

“Uma das maiores lendas do cinema e talvez o filme que mais tenha influenciado outros filmes, cineastas, interpretes e demais setores de criação em todo o mundo, este que aqui foi originalmente lançado no extinto Cine Royal a 30 de outubro de 1923 e, depois, a cada década (menos a de 30) sempre reaparecia em cine-clubes e exibições especiais (40, 53, 66, várias vezes nesta), mas nunca em exibição satisfatória comercial. O que ocorrerá agora. O carro chefe do Expressionismo e do pictórico inovador no cinema (embora antecedido por “A Casa sem Portas nem Janelas” e “Homunculus”). Excepcional como ponto de partida, “O Gabinete do Dr. Caligari” é uma manifestação de legenda e de arte, de criação estética incomum sobre o qual se torna absolutamente indispensável uma análise acurada e apaixonada. Mais do que obrigatória.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/11/77.

CISCO PIKE


“Um filme que quase não chegava a este nosso tíbio e nada inteligente mercado cinematográfico. Motivo aparente ou evidente: - coerência, subordinação às verdadeiras normas do cinema sério, do cinema de empenho ou seja, cruel e desencantada visão do mundo, um mundo como ele é em média ou sempre nos epílogos sem máscara. Aqui temos quase uma autopsia do que aconteceu, continua e continuará a acontecer depois do desvanecimento do “sonho” ou da loucura “hippie” surgida nos anos 60. Um cantor, guitarrista e compositor, Cisco Pike (o ótimo Kris Kristoferson, estreando como ator) que vai sentindo que as mudanças do mundo que o fizeram surgir e tornar-se ídolo dos adolescentes ainda sem encargos na vida, também agora o transformam numa “sucata” a caminho do envelhecimento, da obesidade e do “chômage”. Sua pequena (Karen Black) tenta desviá-lo “dessa realidade”. E um corrupto sargento de polícia (o grande Gene Hackman) que antes o havia levado até as grades, agora procura utilizá-lo para dar último e definitivo grande golpe, através da capacidade do ex-ídolo em lidar com o “mercado proibido”. Talvez algo como o cruel e patético “Cidade das Ilusões” de Huston esta fita dirigida pelo estreante Bill L. Norton, um dos raros bem sucedidos alunos de cinema formados pela Universidade da Califórnia. A ver sem dúvida.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/77.

LOLA MONTES


“A trágica história de Lola Montes, a bailarina escocesa que se fazia passar por espanhola e filme cujas complexidades, ousadias ou rebuscamentos narrativos-formais (antecipações marienbadeanas?), ao ser remontado pelos produtores à revelia do seu diretor Max Ophuls causou-lhe, antecipou-lhe ou apressou-lhe a morte. Aqui primitivamente lançado no Cine Marrocos a 28 de julho de 1958, na versão mutilada (e por isso mesmo difícil, quase aflitiva?) volta agora em “reprise” pela “Ouro Filmes”, anunciado como “em versão integral”. Mas como, se esta tinha no mínimo 140 minutos e os anúncios indicam sessões do Paulistano de duas em duas horas?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/77.