terça-feira, 11 de novembro de 2008

AS GRÃNFINAS E O CAMELÔ

“Pseudopornô, comédia erótica (ou pornochanchada mesmo) produzida pela empresa do galã Carlo Mossy, não só para veículo estelar do próprio, mas para “faturar horrores”, que ele não oculta essa intenção. Na história três moças ricas e ociosas fazem uma aposta: quem transformaria um camelô num cavalheiro, no período de um mês? Mossy, o escolhido, é tratado a pão-de-ló mas tem inconvincentes escrúpulos românticos e moralistas. Por outra, a tarefa das meninas só seria necessária se os tempos não fossem esse que aí está. Mas como a fita parece ter sido baseada em “Irene, a Teimosa”, como o cartaz e as fotos coloridas estão surpreendentemente bem feitos e com certo gosto, como Mossy apesar da adesão ao mercantilismo do nosso cinema sempre é um tipo de alguma escola, e como desta vez o grupo de atrizes parece bonito e bem tratado, quem sabe algo menos degradante que o habitual poderá ter acontecido? Tomara, que já não é sem tempo.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/02/77.



O JOGO DA VIDA


“Quarto longa metragem de Maurice Capovilla. Os dois primeiros ele fez porque imaginou e quis: “Bebel, Garota Propaganda” e “O Profeta da Fome”. O terceiro reescreveu e dirigiu a nosso convite, baseado num “livro poético” escolhido pela atriz Amiria Veronese e projeto do qual Ozualdo Candeias havia desistido. Nova história e “script” porém eram seus, ele teve liberdade de fazer o que podia, dados urgência de tempo e algum compromisso com o “motivo” inicial. Mas certamente algo ligado ao cinema de Val Lewton ou ao “Belle de Jour” de Buñuel não se relacionava com a vivência ou a ambientação paulistana que muitos louvaram em “Bebel” e que parece ser o que mais o interessou no conto de João Antonio que agora levou à tela e do qual há referências ótimas e aguardamos o melhor resultado.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/11/77.


O CASO CLÁUDIA

“Desde sua pré-história com “O Crime de Cravinhos” ou as várias versões dos mais de um reais “Crimes da Mala” até “O Assalto ao Trem Pagador”, e de “O Assalto” até o “oportuno” e “utilíssimo” “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia” que uma das “piéces de resistence” ou das “weakness” do cinema nacional vem sendo o aproveitamento de casos policiais ou crimes famosos. “O Caso Cláudia” não poderia escapar à regra, ainda que (como aliás no mundo todo, sobretudo no cinema norte-americano) para evitar aborrecimentos posteriores o mais prático seja sempre utilizar o chamariz da manchete e tratar o problema por analogias, tangentes e advertências. Aqui o caso é mais de Flávia (Kátia D’Angelo) que de Cláudia (a novata Lilian Stavik, em fugaz ponta). Evidentemente este não é o filme sobre o Piauí que o ferrenho mas reflexivo e aberto Miguel Borges (o mesmo do valiosamente visual “Pecado na Sacristia”) continua devendo ao cinema brasileiro, mas parece ser obra em que seu empenho de realizador sempre se faz sentir. Pelas fotos, há que salientar a propriedade da colocação do ator teatral Jonas Bloch no personagem decalcado em Michel Frank. E a seu propósito saem também crítica e reportagem nesta mesma edição de hoje.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/08/79.



PONTAL DA SOLIDÃO

“Um dos filmes mais esperados da moderna produção nacional. Estreando como diretor-autor, Alberto Ruschel situa-se num plano diverso de quase todos os seus colegas atores (Dionísio Azevedo, Jece Valadão, Aurélio Teixeira, Egidio Eccio, David Cardoso, John Herbert, Sergio Hingst) que também passaram à realização, obtendo uma obra certamente alheia a certos cânones, mas sem nunca desdenhar o insólito, o inédito, o poético, o estremamente pessoal, o absolutamente seu. A ação, praticamente um duo. Um velho marujo que vive num lugar isolado. A menina (Débora Duarte) que foge de uma provação pensando em suicídio e coloca-se sob sua proteção. E a volta dos criminosos, que ainda pensam em se vingar de sua vítima. Um filme estranho e bonito, “rodado” em maravilhosos locais do Rio Grande do Sul e que precisa ser devidamente apreciado.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/10/79.



ME DEIXA DE QUATRO

“Nova realização de Fauzi Mansur. Quanto ao ponto de partida, uma espécie de “Uma Virgem para o Príncipe”, mas a ambientação (e as imposições medievais) trocados dos feudos renascentistas para o bairro do Canindé e os costumes e códigos de honra dos descendentes de italianos, trazendo um polígamo e feliz borracheiro (o basco Serafim Gonzales), só que preocupado porque seu sensível filho (Arlindo Barreto) anda em companhias dúbias e ainda não provou seus pendores para o sexo oposto. Tudo faz para resolver o problema, até mesmo recorrer aos bons ofícios da submissa amante (Helena Ramos, mais aceitável porque, como em “Bacalhau”, devolvida ao seu natural que é o ambiente suburbano e sem sofisticação alguma). Mas como peixe n’água deverá estar Rossana Ghessa, que como legítima italiana fica ótima em papéis populares, à Monica Vitti ou Mariângela Melato, conforme já o provou em “Convite ao Prazer” e na “comédia à italiana” em episódios: “As Secretárias que Fazem de Tudo”.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 11/10/81.



COM MULHER...É BEM MELHOR

“O título vem naquela mesma “tradição” que desde a “chanchada” (não a atual “pornô” – referida) faz escola em nosso cinema, seja do Rio, paulista: “Esta é Fina”, “Pra Lá de Boa”, “Sai de Baixo”, “De Pernas pro Ar”, “É Com Este que Eu Vou”, “Não Adianta Chorar”, “A Vida é uma Gargalhada” e outros que tais, que obviamente nada tem a ver com a vida interior ou a transparência do espírito, personagens ou dramas de Virginia Woolf ou Katherine Mansfield. Do diretor Nascimento, em fins de 1976, aqui tivemos uma equivalência, com a produção de “Zé Sexy, Louco, Muito Louco por Mulher”. Se quisessem, ou soubessem, ou pensassem, com mais economia e até mais resultado, inclusive no plano internacional, poderiam ter mobilizado, do elenco, a beleza e juventude da balcânica Novany Novakovsky e, da cenografia, o apessoado de Waldir Siebert e plagiado ou repetido com algum realismo e alguma força de indagação a mais, aquele “Adão e Eva”, filme de só duas pessoas que os mexicanos há um quarto de século realizaram com os pruridos e a castidade da época, com uma ex-miss França, Christiane Martel, e um galã local, Carlos Baena, sem se atreverem a quase nada daquilo que hoje, principalmente aqui no Brasil, é fácil, fácil, à toa, à toa...”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/02/82.



O HOMEM DO PAU BRASIL

“Em vista do que resultou de sua formação, de suas influências da mineirice, carioquice e até mesmo paulistanice, em vista do que ele pode e quer ser, gosta e seus acólitos gostam nele, em vista, também, de seu tipo de cultura e de empenho, em vista do incoercível binômio, que lhe deu origem – o “cinema-novismo” como manifestação de uma sempiterna, sempre igual e nunca renovada classe dominante – não há dúvida que Joaquim Pedro de Andrade é um dos diretores não por demais prolíficos, mas mais bem-sucedidos do cinema nacional. E aqui está seu sexto longa-metragem, uma versão da mítica “Oswald de Andrade”, provavelmente feita com uma inventiva – a “porque me ufano” – à brasileira. E no qual, como uma espécie de mito e da trajetória de Tarsila do Amaral, Dina Sfat deverá ter, em seguida a “Eros” e, juntamente com “Álbum de Família”, seu terceiro “grand portrait” consecutivo num cinema, como o nosso, que muito precisa deles.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/02/82.


MULHERES


"Imperial, utilizando assunto de Pasolini. No conto do diretor de “Il Decameron”, o Amor era também a Morte e consubstanciava-se num efebo de olhos azuis que destruía o protagonista. Aqui este é Imperial e a destruição vem na forma de uma dourada “ninfeta” de 15 anos e que é a principal de um “background” todo feminino, como na fita anterior do mesmo Imperial, intitulada “As Delícias do Sexo”. Não atinamos o que poderá ter resultado desta “transmutação” – só lembramos que em “Delícias”, o mais efetivo e engraçado era a tônica pantagruélica do próprio Imperial como ator."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 02/05/82.


AMOR E TRAIÇÃO ("A Pele do Bicho")

"Um financiamento total da Embrafilme e, por incrível que pareça, justo e merecido. Mas, talvez por isso mesmo, a própria empresa e distribuidora estatal, com toda a sua máquina montada, não conseguiu lançá-lo comercialmente, durante cerca de um ano e só o fez quando mudou título primitivo (“A Pele do Bicho”) para o atual “Amor e Traição”. Baseada na peça “Chapéu de Sebo” do nordestino Francisco Pereira da Silva, a fita parece beneficiar-se do bom nível cinemático do diretor Pedro Camargo e de certa intocada pureza ambiental ainda remanescente em Pernambuco. Vaqueiro (Sílvio Correa Lima) casa com cabocla (Cláudia Ohana) mas a beleza desta desperta a cobiça, tanto do coronel local (Jofre Soares) como do filho deste (Paulo de Oliveira). O golpe é enviar o jovem marido para longas viagens. O flagrante e o crime de honra são inevitáveis e o rapaz é preso. Mas uma pintora carioca (a inefável e convencidíssima Ítala Nandi) descobre nele um “primitivismo sensual” e sua defesa torna-se ainda mais problemática, até o desenlace final. Cláudia, filha da falecida montadora nissei Nazareth Ohana, era a única figura não feia ou artificial de “O Menino do Rio” e poderá tornar-se espécie de Junko Fuji ou Nancy Kwan nacional. A fita foi apreciada por quantos já a viram."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/05/82.



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

AS SAFADAS


"Resultado de uma lei de obrigatoriedade mal formulada. Filme “rodado” simultaneamente em menos de uma semana, em três episódios e com três diretores (preferivelmente também autores fotógrafos, fazendo câmera ou cenografia e montagem), desimcumbindo-se fustigados da tarefa. As três histórias são obrigatoriamente eróticas, e o mais mencionável é a estréia na direção do montador Inácio Araujo. Na história de Carlão Reichenbach, Zilda Mayo é a “Vamp” dos fliperamas, explorada por um cafetão (Koppa, ótimo, e dando até sentido ao cartaz de publicidade). Na de Inácio, dois casais humildes em desencontro, apesar da ligação puramente física de um deles, acabam descobrindo a compreensão numa troca de parceiros. E na de Toninho Meliande, a amarfanhada Vanessa vai casar com moço quarentão, para poder comprar o enxoval, aconselhada por uma expert resolve ceder até certos limites a lubricidade de três ricos e maduros cavalheiros: Hingst, Dias e Pignatari."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/05/82.