domingo, 3 de fevereiro de 2008

A EXTORSÃO *


"Um dos casos mais pungentes, talvez a ironia mais cruel da história do cinema brasileiro: justamente agora que conhecia finalmente o tão sonhado êxito, que boa parte da crítica mais lúcida, exigente ou responsável do País não se furtava, regozijava-se com o nível de criação alcançado por seus dois últimos trabalhos, o extraordinário, o pungente e belo “Relatório de um Homem Casado” e este “A Extorsão” que o crítico Ely Azeredo no “Jornal do Brasil” colocou em plano de absoluta exceção e que conquistou o prêmio de melhor filme e de melhor atriz coadjuvante para Suzana Faini no “Festival de Lages”, o batalhador Flávio Tambellini desaparece. Desaparece o homem a quem quase todos os que estão fazendo o melhor e mais amparado cinema no Brasil devem esse “simples”, esse “corriqueiro” fato de estarem trabalhando, criando, se realizando. Aqui, como no também citado e nunca suficientemente louvado “Relatório”, Tambellini utilizou-se de uma história de Rubem Fonseca e apresenta o desdobrar em leque, o movimento em espiral, a reação em cadeia de um processo de extorsão, de patologia e decadência, de contingência humana, terrível, confrangedor e quase simbólico. Um filme dos mais necessariamente a serem vistos em todo o cinema atual, um filme que também – a exemplo do que sucedeu com “O Passageiro”, de Antonioni – jamais a C.I.C. e o novo circuito Metro deveriam ter lançado sem a devida publicidade e da maneira apressada como o fizeram. De qualquer maneira, já está em exibição. E isso é suficiente e esclarecedor. A ele, obrigatoriamente. Pois outro, não haverá nunca mais."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/04/76.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 29/02, à 00:00h.

A ILHA DOS PRAZERES PROIBIDOS *

"Carlão Reichenbach (moço de sete instrumentos, inclusive aqueles, fortíssimos, de ser ótimo fotógrafo e câmera), dando conta de uma encomenda comercial erótico-comercial do produtor Galante e da empresa Sul-“Ouro”. Bela e perigosa jornalista é enviada à “Ilha dos Prazeres Extremos” a fim de dar cabo de três pessoas: um rebelde político e um casal de refugiados por motivos não muito claros. Carlão adora o cinema tipo deboche. “Udigrudi” (rótulo de mau gosto) como o fazem Julio Bressane, Candeias, Sganzerla (e esta fita ele a realizou pensando na iconoclastia de “A Mulher de Todos”, dirigida pelo último).
O ator Olindo Dias faz o papel de Luc Mollet, na verdade nome de um crítico “nouvelle vague” que dirigiu um filme talvez afim, chamado “Les Contrabandiers”. A atriz Neide Ribeiro parece vulgarmente bonita na tela, mas suas colegas de elenco, Meyre Vieira e Zilda Mayo precisam urgentemente trocar seus clichês “sexy”, uma para papéis como o que Gloria Holden representou no longínquo (1936) “A Filha de Drácula” e outra mais numa linha cômica entre Charlotte (Pernalonga) Greenwood e Betty Garrett. O argentino Carlos Casan já foi ator de Torre-Nilsson, Fernando Ayala e do francês Charles Deray."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/01/77.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 22/02, às 02:10hs.

MAR DE ROSAS *

"A formação de Ana Carolina foi a de uma típica intelectual local de nossas duas últimas décadas. Décadas nas quais o mal maior não foi própria (ou impropriamente?) as ditaduras, mas a mediocridade generalizada e inarredável e, sobretudo, o “macaqueamento” e o dirigismo cultural (de situação ou de oposição, tanto faz) a transfomar principalmente aqueles que mais se jactavam de respaldados justo na maior cota de massa mais dócil para futuros aplaudidores dos “Big Brothers”. Linda moça, interessando-se pelo “polemismo” vigente e superpassível no cinema, deixou o curso de medicina quase no fim e partiu com afinco para a liça, começando com um curta-metragem não por acaso denominado assim mesmo – “Lavra-Dor”...Mas oito filmes pelo estilo e há uns três ou quatro anos a estréia no “longa”com um documentário de 90 minutos sobre tema que para ela só podia ser extemporâneo: “Getulio Vargas”...Surpreendentemente e ainda que não abjurando (mas amadurecendo?) sua formação e o que seria lícito esperar dela, Ana Carolina consegue fazer seu segundo longa-metragem. Este “Mar de Rosas”, muito em prol da mulher mas não “feminista” na forma negativa da palavra e no qual o absurdo e as repressões (antigamente dizia-se as dificuldades, os desencontros, as misérias, a siséria) da vida e do moderno ser humano estão muito bem retratados e esmiuçados. Desde o “enigmático” crítico e excelente realizador francês Pierre Kast até o diretor paulista Walter Hugo Khouri, mais Ely Azeredo e outros críticos do Rio (só o júri de seleção do festival de Gramado é que achou que o filme não “se enquadrava em seus propósitos” e rejeitou-o no começo deste ano) a acolhida foi imediatamente entusiástica e agradavelmente surpreendida, o filme enviado à França e a nova cineasta bem prestigiada na Europa. Na história, uma mulher (La Benguel, em bem-vinda “reentrée”) não sabe se quer ou não romper com o marido (Carvana). Mas seguida e/ou espicaçada pela filha, sintomaticamente adolescente (Cristina Pereira), mata-o e foge, levando consigo a pouco equilibrada menor. Vem porém a ser seguida (ou perseguida) por um carro negro, dirigido evidentemente por alguém. O marido, que não teria morrido? Ou outro homem, que tanto poderia ser um medíocre/inocente tal o pai da menina como um terrível “porco chauvinista” (Otávio Augusto), exemplar típico do “male animal”? O tema parece que fascina. E fascina também a maneira pela qual Ana Carolina – “escolas de comunicações” e “contestarices” à parte, à distância ou mesmo esquecidas – dá um mergulho na condição da mulher, da família e dos impasses de nossos dias. Que não são lá muito diferente daquilo que sempre existiu – mudou só o “background”, o desgaste ou a degeneração de etiquetas e cortesias, o relaxo ou insânia nas modas e penteados, os inúteis abusos de linguagem, o descaro no se servir velhos tabus sob novos e mistificadores rótulos, mas a luta pela vida continua a mesma. Um filme a ver e analisar com todo o carinho."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/09/78.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 27/02, às 04:30hs.







O OLHO MÁGICO DO AMOR *

"Inacreditável, inesperado. De onde menos se poderia esperar (ou seja, uma exdrúxula aliança ou conluio entre a “Boca do Lixo”, os “ensinamentos fílmicos” da ECA-USP, do cineclubismo com jactâncias de classe dirigente, aliada ao comercialismo dos lamentáveis tycoons locais que só aceitam, ou mesmo impõem, filmes segundo suas visões preguiçosas, incultas e rotineiras do que fossem as únicas exigências da confluência da avenida São João com a Ipiranga) resultou um filme mágico, que é o que de mais feliz, consistente e artístico o cinema brasileiro produziu nos últimos 30 anos. Sem copiar e sem ser propriamente parecido com Belle de Jour, de Buñuel, ou com o genial “Dillinger está Morto”, de Marco Ferreri, é realmente uma simbiose ou equivalência, em termos nossos, dessas duas obras-primas do cinema mundial. Produção barata (o produtor Fragano informa-nos ter custado, com cópias e tudo, apenas seis milhões de cruzeiros), é o tipo de filme que se pode fazer quando existem duas coisas importantíssimas que se chamam talento e circunstâncias favoráveis. Como “Dillinger”, quase não tem história, como Belle de Jour, é uma projeção de anseios ou de uma realidade. Mas realidade que, embora não deliberadamente pervertida, é “apenas” observada com um visível cabedal de cultura e de gosto, de conhecimento estético e humano. Sem pretensão descabida ou maldosa, um apanhado dos mais bem logrados, de uma incoercível tendência para a degradação, para a destruição. Tudo em nome do que impera num mundo circundante, sem perspectivas e sem valores que tenham sido transmitidos como dignos de ideal ou preservação. Perfeito em tudo, da concepção à intriga, roteiro e direção, da produção à execução, com interpretação, cenografia, fotografia, música, montagem como nunca vimos amalgamar-se e funcionar tanto em condições brasileiras, um filme único que revela em sua dupla de diretores, Ícaro Martins, José Antonio Garcia, duas figuras que concretizaram o que parecia impossível: arte cinemática num ambiente e num momento terrível como este entre nós. Um filme com ousadia sexual, como se destinado para o Cine Marabá, Art-São Paulo, Marrocos ou Windsor, mas para ser degustado no Cine Liberty e para o mesmo público dos Cines Astor, Bristol ou Belas Artes, quando este está no melhor estágio de alcance artístico e de sua auto-estima de espectador culto, sensível e exigente. Obrigatório."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/03/82.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 28/02, às 02:00hs.

OS VAGABUNDOS TRAPALHÕES *

"Renato Aragão, porém, não receia a concorrência da Copa. Para ele, a atual maior bilheteria popular e familiar do cinema brasileiro, basta aproximar-se o período de férias e está ótimo. Ele produz mesmo seus dois filmes anuais para a ocasião e não precisa mais nada. O diabo é que, embora tenha tido o acerto de voltar a mobilizar o talento do iugoslavo J. B. Tanko (o maior e mais competente artesão de nosso cinema e quase um mago na manipulação da imagem e do ritmo, da condução geral), Aragão está não só com êxito subindo à cabeça, como também se deixando influenciar por certas falácias, imposições e lugares-comuns politicóides do meio: agora quase que se desculpa dos Ladrões de Bagdá, Cinderelos, Robin Hoods e Ali Babás de que se andou utilizando e invoca sua infância e criação no Ceará, em meio à miséria. Não precisa. Ninguém vai duvidar que ele não seja produto local. Mas podemos temer que esteja calculando demais e se deixando levar por outras miragens, sobretudo a do êxito fácil. Mesmo porque, reportando-se a outros personagens que já interpretou, a este filme não é estranha a influência de um fenômeno e um êxito que não é só de casa – a infância desvalida e massacrada tipo “Pixote”. No elenco, causa espécie a presença de uma atriz de outro escalão como Denise Dumont no segundo papel feminino."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 20/06/82.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 22/02, às 07:00hs.







CANDELABRO ITALIANO ("Rome Adventure")

"Um dos mais bem sucedidos filmes “romântico-turisticos” do tempo em que quase que exclusivamente a Itália (estranho fenômeno dos recalques e injustiças, desconversas e remorsos coletivos surgidos após a II Grande Guerra) estava na Moda, como ambiente de realismo e de sonho, como mítica de “dolce vita” e de cartão postal. Como tal, realmente funcionou para o substrato mais geral. E teve, sobretudo, o mérito de revelar uma linda figura de burguesinha e excelente atriz a franco-americana Suzanne Pleshette – que só não se firmou como “grande estrela” porque o “mood” do cinema mundial já não estava mais tão afeito como antes a valorização dos encantos da feminilidade. A fita aqui foi lançada no Cine Paissandu (a 25 de março de 1963) e depois, entre outras apresentações, já “reprisada” pelo antigo Scala e Astor (a 20 de abril de 1970)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/05/76.

Homenagem à atriz falecida no dia 19 de janeiro.