domingo, 1 de junho de 2008

DELITO DE AMOR ("Delitto d’Amore")

“História de amor entre um operário de Milão (infelizmente Giuliano Gemma) e uma sua colega de fábrica, Carmella (a espontânea Stefania Sandrelli), moça vinda do Sul e sufocada pelos preconceitos, pelas típicas obrigações de honra e dignidade da gente de sua região. Apesar dos percalços e da vigilância do irmão da moça, o amor vence e ambos se casam. Mas como em “Amor até a Eternidade” do japonês Eisuke Takizawa ou como “Love Story” americano com Ryan O’Neal e Ali McGraw, o Destino, a doença ou a miséria cobram o seu tributo, num desfecho que seria melodramático caso o autor Pirro e o co-roteirista e diretor Comencini não lhe dessem um adendo que o leva para um estranho tipo de contestação ou fatalismo, à maneira de Giovanni Verga ou de Grazia Deledda. A fita não foi muito bem recebida pela crítica italiana engajada, menos ainda pelo ainda mais metido e engajado (ainda que cada vez mais outro) júri de Cannes. Acontece porém que depois a engajadíssima equipe da revista “Écran” resolveu redescobrir e apoiar Luigi Comencini, o mesmo de quem a última fita aqui vista foi “Quando o Amor é Cruel” (“L’Incompresso”), ainda na inicial “fase de arte” do “Marachá-Augusta” e colocou este “Delitto d’Amore” em grande gala. Menos por isso do que pelas virtudes e delicadeza de “L’Incompresso”, mais um filme italiano a analisar com atenção.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/10/76.

O SENHOR DOS ANÉIS ("The Lord of the Rings")

“Mais uma vez o nosso inefável ambiente cinematográfico e “cultural” reitera-se o paraíso dos conhecimentos incompletos e das perspectivas deformadas. Quase todos os grandes centros viram, mas aqui ninguém se atreveu sequer a pensar em “Fritz, the Cat”, o celebrado primeiro desenho animado erótico a ser entregue ao público corrente. Mas chega-nos agora este “O Senhor dos Anéis”, cujo diretor é precisamente o mesmo do mesmo não proibido nem liberado “Fritz”. Desta vez, porém, a história tem outro tom, lembrando um misto da saga dos Niebelungos e o disneyano “A Espada era a Lei” do tempo do rei Arthur, o mago Merlin e a Espada Milagrosa. A ação começa no centro da Terra, lugar habitado por magos, feiticeiros, anões e outras figuras fantásticas e gira principalmente em torno do anel cuja posse daria todos os poderes a seu dono, inclusive o da invisibilidade. Parece que a inovação deste desenho foi ter sido primeiro filmado com atores e depois, sobre o movimento real dos mesmos, desenhadas as figuras animadas, captando-lhes movimentos e expressões. Críticos houve que fizeram restrições – algumas fortes – mas a curiosidade e o inusitado da experiência merecem verificação.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/01/80.

EMMANUELLE, PRIVILÉGIO DE POUCOS (“René la Canne”)

"Parece que ouvimos ou lemos em algum lugar que a censura ou um seu chamado “Conselho Superior” não mais iria permitir que se fizesse sensacionalismo ou deturpações na tradução nacional dos títulos de filmes estrangeiros. Mas temos visto, lido e ouvido tanta coisa...Aqui, por exemplo, Sylvia Kristel está no elenco mas seu papel é o terceiro e ela na história é uma holandesa que se chama Krista. Os personagens centrais, aliás, são os masculinos vividos por Gerard Depardieu e por esse Michel Piccoli que levando-se em conta o que vem criando de próprio e a carreira que vem tendo nos cinemas francês e italiano, podemos quase com certeza considerar o ator número um do cinema atual. O personagem de Depardieu, René Bordier, chamado La Canne, realmente existiu e foi um alegre vigarista que agiu na França ocupada de 1942. O corretíssimo Piccoli aqui faz o “flic”, o “tira” que quase inverte seu papel com o malandro. Krista, apesar de sua educação burguesa, não exita em participar das tramas ilícitas dos dois inimigos amistosos. O diretor Girod, o mesmo que estreou com “O Trio Infernal” (e era mesmo, tendo Piccoli entre Romy Schneider e Andréa Ferreol) procurou um clima inusitado de aventura, perigo e cinismo que poderá ter feito desta a fita mais interessante da semana.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/03/80.

A DEUSA NEGRA ("Black Goddess”)

"Misteriosa – ou nem tanto? co-produção com a Nigéria, dirigida, entretanto, por um elemento digno e respeitável como Ola Balogum. O diabo é que a influência do “cinema novismo”, ou da ânsia de folclore turístico, que são um dos muitos estigmas do cinema brasileiro, podem ter atrapalhado o cineasta africano, que tem tanto direito de fazer cinema entre nós como o tem o italiano Michelangelo Antonioni (que aliás queria e em 1969 até nos falou disso) ou o sueco Arne Sucksdorff, que aliás já vive há mais de dez anos aqui (em Mato Grosso, para sermos mais precisos), com filho nascido lá e que continua ignorado por toda a “genialidade” do uísque e do “gangsterismo” que pulula em nosso inefável ambiente cinematográfico – “cultural”, subserviente a Moscou e a quanto “bezerro de ouro” apareça na praça. Na história, um africano (Jorge Coutinho) vem ao Brasil visitar parentes e, logo, à procura de suas raízes – aqui? – vai consultar uma “mãe-de-santo” e vive então uma história de metempsicoses e avanços e recuos no tempo e no espaço, com troca, revivescência, reencarnações ou mutações psíquicas ou sociais de personagens, algo assim como “Magus, o Falso Deus”, de Guy Green ou mesmo o paulista e “maldito” “O Longo Caminho da Morte”, de Julio Calasso. A fita aqui esteve anunciada para a sexta-feira anterior, mas só anteontem é que foi lançada.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
01/06/80.

A FORÇA DOS SENTIDOS

"A mesma complexidade de fabulação ou narrativa tem esta fita. Mas no caso os óbices não vêm do Rio, da exploração pseudo-africana ou dos vícios que, não muito estranhamente, combinam Cinelândia, praças Tiradentes e Mauá e canal do Mangue com o surfe ipanemal e a “elite” que freqüenta os “Antonio’s”. Os óbices desta vez são muito paulistas e lembram o nível intelectual, ético e político do pessepismo, de permeio com a pornogrossura, a rarefação, a “voga” pornô e a “vontade de stalinismo” da rua do Triunfo. Escritor de novelas fantásticas (hoje, e em nossos arredores?) descobre praia idêntica à imaginada em um seu romance e lá encontra estranha moça surda-muda que se transmuta em todas as mulheres que ele ali vai possuindo, com uma destreza que só o gênero e a “boca” explicam. A moça é Aldine Muller, que estranhamente ficaria melhor em papéis mais “fraternais” e recatados. Também no elenco, a austro-carioca Ana Maria Kreisler e a japonesinha Misaki Tanaka. O diretor Garrett vem de três ou quatro grandes êxitos comerciais no estilo e seria bom se voltasse à sua melhor forma de “Excitação”.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/06/80.

LUZ DEL FUEGO


““A Embrafilme não produz, não financia, nem se associa a pornochanchadas” – essa é uma saída muito hábil, como todas que sempre se arranjam neste país, onde quase nunca o cinema deixou de ser a falta de auto-estima e de planificação séria e conseqüente. Aqui em São Paulo, como sempre o desbragado populismo (a la antigo Partido Social Progessista) até que é mais bobo e mais inócuo, porque não tem (ou não pode ter) sequer a esperteza de usar celofane, literatura ou rosselinismos como “Eu Te Amo”, “A Dama do Lotação”, “Dona Flor”, “Sete Gatinhos”, “Iracema, Uma Transa Amazônica”, e por aí. Ademais, sexo ou erotismo puro não excluem a observação humana, a qualidade artística, o valor estético (e muita obra metida a social ou combativa pode ser, na realidade, bem mais pornográfica porque pervertedora). Só que é preciso haver quem faça por um motivo de criação e estilo e não para “faturar” ou só tapear. A que tipo pertencerá esta carreira mais “Praça Tiradentes” do que precursora de contestação feminista de “Luz del Fuego”, que David Neves realizou com todo o aval da “Embra” e “inteligentzia” carioca? E será que o papel era mesmo para a magrinha Lucélia Santos ou mais para a pesadona Mara Prado, aliás paulistas ambas?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/04/82.