domingo, 2 de dezembro de 2007

A FLAUTA MÁGICA ("Trollflöjten")


"Segundo a maioria, de certo modo a mesma maioria que Bergman teve deliberadamente ignorando-o ou contra si quando da absoluta revelação e florescência criadora de “Sede de Paixões”, “Juventude”, “Mônica”, “Noites de Circo”, e, em certos casos, até “O Silêncio” e “Gritos e Sussurros”, a primeira real transposição ou aproveitamento de uma ópera em cinema. Bergman é um deus Jano: tanto tem sua face de Dr. Jekyll (os filmes citados, mais “Fangelse”, “Morangos Silvestres”, “Persona”) como também pode se tornar um terrível Mr. Hyde (“A Fonte da Donzela”, “Sorrisos de uma Noite de Amor”, “Vergonha”, “O Sétimo Selo”, “A Hora do Lobo”, “Sasom I en Spegel”, “O Rosto”). Um criador genial, com uma riqueza e uma prodigalidade como talvez jamais tenha havido outro e, ao mesmo tempo, um potentado restrito, fechado sobre si mesmo, que mesmo não pretextando uma irredutível personalidade e linha criadora, deixa que o Tempo vá passando irremediavelmente sobre, por exemplo, cabedais ou milagres da Suécia e do cinema mundial como Greta Garbo, Ingrid Bergman, Viveca Lindfors, deixa morrer esquecido e amargurado um ator único como Ake Gromberg (o intérprete de “Noites de Circo”), mas insiste em Gunnar Bjornstrand e Max Von Sydow, repete situações e temas (no mínimo “facilitados” pela existência de Strindberg) e torna a convocar uma e outra mesma grande atriz, sem que isso acrescente para ele, para elas ou para o público e a arte do cinema. Mas foi Bergman quem criou “Sede de Paixões” (ainda que sob influxos da alma angustiada de Strindberg) e criou “Gritos e Sussurros”, de certo modo o mais essencial filme contestatário de todo este imoral após guerra. E “A Flauta Mágica”, além de música de Mozart é um filme seu."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/76.

Nenhum comentário: