quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

ISTO TAMBÉM ERA HOLLYWOOD ("That's Entertainment, Part 2")


"Oito estréias e duas “reprises” na semana. Cinco das estréias são americanas: “Isto Também era Hollywood”, “Maratona da Morte”, “A Última Loucura de Mel Brooks”, “A Violentada”, “Pelos Meus Direitos”. E as demais são “Polícia Contra Bandoleiros” (japonesa), “Zé Sexy Louco, Muito Louco por Mulher” (nacional) e “A Mariposa da Noite” (argentina). As “reprises” são “Caçada Sádica” (dos EUA) e “O Gladiador Invencível” (italiana).

Há uma fita de John Schlesinger com Laurence Olivier, há a estréia de Margaux Hemingway, há a “última loucura” de Mel Brooks. Mas o mais importante, o mais fascinante é a segunda parte de “That’s Entertainment”. Que traz Judy Garland, ainda menina e logo insubstituível cantora, “show woman”, atriz romântica, satírica, dramática. Que traz Ethel Waters no negro musical “Uma Cabana no Céu”, se bem que não traga os geniais Rex Ingram e Duke Ellington. Que não traz Frances Langford cantando aquele sensacional “Broadway Rhythm” em “Melodia da Broadway de 1936”, mas traz o fundamental e (no Brasil) perseguido produtor Arthur Freed cantando algumas notas de sua composição “Wedding of the Painted Doll”. Que não traz a sensualidade e a força telúrica espanhola do bailado “Niña”, com Gene Kelly, nem as expressionísticas seqüências da hipnose e enforcamento em “O Pirata”, nem ainda a imaginária ópera “Czaritza”, com música de Tschaikowski para Jeannette MacDonald & Nelson Eddy em “Primavera”. Mas traz Greta Garbo, sem John Barrymore, querendo ficar só em “Grand Hotel” e querendo ficar a sós com Melvyn Douglas em “Ninotchka”. Que traz Astaire & Ginger Rogers dançando em “Ciúme, Sinal de Amor”, traz William Powell & Myrna Loy, a maravilhosa Katharine Hepburn de “The Philadelphia Story”, “bits” de Laurel & Hardy, dos Marx & Margaret Dumont, Margaret O’Brien, Kathryn Grayson. E Mickey Rooney, Chevalier, Ann Sothern, Vivien Leigh, Clark Gable, Constance Bennett e tanta gente, e tantos trechos de filmes mais.


ISTO TAMBÉM ERA HOLLYWOOD


Seqüência a “Era uma Vez em Hollywood”, a coletânea de êxito mundial sobre os melhores (no julgamento de seu realizador Jack Haley Jr.) momentos da longa série de musicais (cerca de 200) que os estúdios da Metro produziram entre 1929 e 1958. Mais uma oportunidade para que aqui a crítica repita o medievalismo cometido quando da explosão estilística e renovadora do gênero entre 1943 e 1948 (de “Uma Cabana no Céu” a “O Pirata”). E repita também a falta de malícia ao se deixar apanhar encarando (exatamente como os “big boss” do estúdio teriam achado “produtivo”) apenas como distração, e não como uma antologia, um ensaio onde a criação artística, a seriedade e a montagem cinemática deveriam ter parte preponderante, a película anterior, aparecida em 1973.

No caso atual não houve o agrado esperado. Da crítica estrangeira atenta, conhecedora e responsável, claro. Mas não, como supõe Richard Gertner no “Motion Picture Herald” de 19 de maio último, porque “That’s nº 1” já havia esgotado o estoque, o “creme de la creme” dos “metro-musicais” de todos esses 30 anos. Mas sim porque essa era uma tarefa para ser realizada em conjunto por diretores exponenciais do gênero como Mamoulian, Lubitsch, Minnelli, em cooperação com um cineasta social, sociológico e humano como King Vidor, com talvez o Louis Malle que fez da mítica de Brigitte Bardot um documentário dramático e estético como “Vie Privée”, em colaboração com o Resnais que avançou e recuou no Tempo, na Memória e nas emoções dramáticas, visuais, musicais e de movimento em “Hiroshima” e “Marienbad” e com a perspectiva, também, de um crítico capaz de fazer de suas críticas atos de criação, de admiração, de unção e de humanismo como o inglês Tom Milne ao se debruçar sobre um filme de 44 anos atrás como “O Último Vôo”, a primeira direção americana de William Dieterle.

As omissões, a frieza, a diretriz comercial aqui estão, com certeza. E estará ainda uma apreciação geral, mais dispersiva, frívola e superficial que a que “adorou” “Era uma Vez...” Mas não importa. Porque, muito mais do que a oportunidade que poderiam dar os esforços de uma centena de cine-clubes em 30 anos, haverá a possibilidade, em trechos ao acaso, ao sabor da bilheteria, ao azar da falta de uma verdadeira edição, de uma criteriosa seleção, de uma maravilhosa criação, de se ver ou entrever o que de outra forma seria impossível.

Desde raridades como Jean Harlow em “Mademoiselle Dinamite”, como Bing Crosby cantando “Temptation” para Fifi D’Orsay em “Delírio de Hollywood”, como Judy Garland e Gene Kelly dando uma demonstração única de “Commedia Dell Arte” com o “Be a Clown” de “The Pirate”, como Fred Astaire cantando e dançando o extraordinário “Steppin Out with My Baby” em “Desfile de Páscoa”, até Greta Garbo que, segundo testemunha nosso companheiro Carlos Motta, emudeceu a sessão inaugural do último festival de Cannes quando apareceu dançando “La Chica Chaca”, no seu, à época, tão injustiçado canto de cisne “Two Faced Woman”."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/12/76.