sábado, 4 de abril de 2009

PIXOTE, A LEI DO MAIS FRACO


“Hector Babenco sabe como fazer filmes comerciais, com suficiente lastro e que, não só correspondem na bilheteria como também carreiam-lhe boa dose daquele apoio prévio, amplo, incondicional e irrestrito que só determinadas fitas nacionais conseguem ter neste nosso especifico ambiente de produção, promoção, exibição, consumo e criticismo cinematográfico. Apesar da “argentínica nostalgia” de “O Rei da Noite” era evidente (sobretudo no romântico-evocativo tratamento dado à figura de Dorothée-Marie Bouvier) que ele tinha domínio e condições para o êxito. Em “Lúcio Flávio” também, apesar da sombra de “facilidades” e de “oportunidade” excessivas, dadas pela fama do delegado Fleury. E, apesar do abuso intencional de “hokum” e violência, era também inegável o desafio equilibrista daquela seqüência pré-final quando o protagonista sonha que está sendo assassinado pelos companheiros de cela. Agora Babenco se envolve com um tema já trilhado com perigo por Anselmo Duarte e pelo narcisismo de Pelé em “Os Trombadinhas”. Mas, entre um elenco profissional, cujo denominador se pode também questionar, ele, a julgar pelo “trailler”, teve a sorte ou o cálculo exato de contar com um ator infantil que parece irá “pegar” como o menino Fernando Ramos da Silva.”.


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/09/80.

AS INTIMIDADES DE DUAS MULHERES, VERA E HELENA


“ “As intimidades de Analú e Fernanda”, “Sofia e Anita, Deliciosamente Impuras” e agora este “Vera e Helena”...Decididamente o quarto sexo está em ultra-voga no cinema nacional...Não seria, ou seria mesmo aquela voga com a qual durante tanto tempo sonharam e preconizaram e “batalharam” tantos teóricos que começaram em vilegiaturas em Paris e terminaram “levando” as novas gerações, via um chauvinismo e uma “conscientização” que só poderiam mesmo dar no que ora vemos. Acontece porém que em nosso inefável ambiente “cultural”, nem mesmo esses “levantamentos” escapam a derrapagens como dizem que a fita aqui tem, quando uma das “íntimas”, Vera ou Helena, ou seja Rossana ou Lamery, pergunta à outra “o que está pensando que ela é”, no mais puro estilo que faria a “pièce de resistence” das composições caipiras ao tempo do fastígio televisivo de Consuelo Leandro ou dos “les bons vieux temps” de Zezé Macedo nas chanchadas da Atlântida. Em tempo, Rossana andou ficando ótima atriz em papéis “à italiana” e a francesa Renée Casemart tem uma personalidade que merece ser melhor aproveitada.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 07/12/80.

OS DESEJOS DE UMA COLEGIAL DE 16 ANOS ("Sedicianni")

Ely Galleani


“Dezesseis anos! Como as ópticas mudam! Na primeira década do século, era a absurda Mary Pickford camponiamente apavorada com a ameaça de uma perigosa águia, ou então, pobrezinha e embasbacada ante uma vitrine que exibia “O Chapéu de Nova York”. Nos anos 20, a lindíssima Virginia Lee Corbin, heroína de conto de fadas, o máximo em jeune fille, verdadeira Cendrillon, a cujo apaixonado Georges Carpenter o mais que se permitia era tirá-la para a primeira dança ou beijar-lhe a mão. Em 1934 surge Anne Shirley, a “pequena da casa ao lado”, ainda com os problemas da orfandade, empenhada em cuidar do pai viúvo ou dos irmãozinhos desvalidos. Na década de 40, na Argentina, seu puritano cinema fazia o diabo para idealizar os conflitos de sensibilidade e candura de Maria Duval com Su Primer Baile ou de Martha Legrand recebendo de um admirador fictício Los Martes, Orquideas. Hoje, os 16 anos, pelo menos na tradução brasileira de título italiano, são vistos e analisados como esta mesma tradução deixa implícito.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/12/80.

O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (“Das Testament des Dr. Mabuse”)


“O último filme que Fritz Lang fez na Alemanha, pouco antes da ascensão de Hitler ao poder. O tema girava em torno da volta, além túmulo, do arquicriminoso Dr. Mabuse, desta vez procurando dominar o mundo por meio do terrorismo. Mas com a nomeação de Goebbels para ministro da Propaganda, a fita, incoerentemente, foi interditada, sem que o cineasta soubesse e ao mesmo tempo em que o novo ministro o convidava para o cargo de diretor geral de todos os assuntos cinematográficos do país, no novo regime. Nessa mesma noite, ao que se diz, Lang fugia no expresso para Paris. Mas, de qualquer maneira, outro negativo (havia uma versão francesa do próprio Lang, interpretada pelo mesmo impressionante Klein-Rogge como o satânico Mabuse e os franceses Jim Gerald, Thomy Bourdelle, Karl Meixner, Monique Rolland, René Ferté e Ginette Gaubert) pôde ser retirado clandestinamente e foi então o que se utilizou para todo o mundo e o que aqui nos chegou a 3 de agosto de 1936, no extinto Cine Apolo. Lang, só em 58 voltaria à sua terra, onde dirigiu as duas épocas de “O Tigre da Índia” (“Das Indische Grabmal” e “Der Tiger Von Schnapur”) e, no ano seguinte, faria seu derradeiro filme, “Os Mil Olhos do Dr. Mabuse”, outra obra-prima absoluta e que teve umas três ou quatro continuações expressivamente concebidas e escritas mas infelizmente não mais confiadas à realização do Mestre que havia criado a série. Dia 27, porém, depois de passados quase 50 anos, finalmente poderemos conhecer a obra original, sobre cujo valor não resta a menor dúvida.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/06/81.

O BORDEL DOS PRAZERES DA SS NAZISTA (“Casa Privata perla SS”)


“Depois do atentado de julho de 1944, Hitler não confia mais na Wermacht. Daí esta decisão de se recrutar um especializado grupo de prostitutas para testar a fidelidade ao regime dos militares do alto escalão de sua famigerada tropa especial. Em verdade, mais do que qualquer análise do fenômeno nazista ou procura de maiores esclarecimentos sobre a ignorada resistência alemã, finalmente esmagada com o famoso atentado que Pabst tão bem abordou em “Aconteceu em 20 de julho” (“Es Geschah em 20 Juli”), seu antepenúltimo filme (realizado em 1955), uma clara e indisfarçada exploração sensacionalista de seqüências de sexo, crueldade e sangue.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/07/81.

A FILHA DE CALÍGULA


“A mesma e visível intenção tem esta produção “Rua do Triunfo”, a princípio imaginada pelo distribuidor Alexandre Adamiu (da Paris Filmes e Grupo Internacional Cinematográfico) e pelo produtor A. P. Galante para um filme que “capitalizaria” o prestígio engagé do diretor paulistano Francisco Ramalho, mas que afinal acabou sendo encampado pelo também exibidor-importador-distribuidor-produtor Magalhães Lucas (das empresas Sul-Paulista/Ouro e Urânio) numa fita-relâmpago que Galante começou e levou à primeira cópia censurada, ao que se diz em apenas 39 dias – um recorde brasileiro! A tônica inicial era aproveitar a notoriedade de escândalo e, logo a seguir, a absurda e inócua proibição e a tergiversação oficial com o desconversador caso das salas especiais provocados pelo filme ítalo-americano “Calígula”, de Bob Guccione e Tinto Brass. Mas como a empreitada poderia ter seus óbices, ao que parece, o realizador Fraga tentou sair talvez um pouco, e à moda da casa, pela procura da auto-sátira.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/07/81.

A DAMA DAS CAMÉLIAS (“La Vera Storia della Signora delle Camelie” – “La Dame aux Camelias”)


“Afã inútil. Desde 1936, no mínimo, desde o filme com Greta Garbo, já essa preocupação em justificar, em atualizar ou desmistificar a história de a Dama das Camélias. Aqui, tão procurada verdadeira tragédia de Alphonsine Du Plessis, que aliás não são tão poucas assim as pessoas mais ou menos alfabetizadas que desconhecem. Fonte de inspiração, legendas, isso mesmo. O importante é que esta versão de 1981 (italiana ou francesa?) é uma reunião de escolhas e colocação de nomes, figuras, prestígios e talentos que fascina. Quando, um décimo dos cineastas e críticos de nosso ambiente, estarão naturalmente aptos a justamente avaliar e se deixar fascinar por procedimentos afins, que são, aliás, o que fez a grandeza e a mítica de Hollywood, do cinema expressionista alemão e dos melhores momentos de todo o cinema mundial, do movimento internacional de teatro, ópera e tudo o mais? Aqui, a maravilhosa Isabelle Huppert de La Dentellière é a heroína, Volonté é seu desconhecido e miserando pai e o extraordinário Bruno Ganz de “Nosferatu” e “O Amigo Americano”, o conde que a protege e intimida. Na ambientação, Garbuglia; nos figurinos, Piero Tosi. No colorido, o verdadeiro Technicolor. Ainda no elenco, a ballerina Carla Fracci, que foi Mme. Karsavina em “Nijinski”. E coroando tudo, o gosto refinado de Bolognini. Um fascínio, sem dúvida.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/08/81.

A NOITE DAS DEPRAVADAS


“O mais recente filme de Juan Bajon, jovem diretor sino-brasileiro cuja tônica preferida é o acicate cáustico a usos e costumes de uma época e uma ambientação com a que diariamente vemos em nossos ambientes, o mais encontradiço e trivial. Desta vez, temos a trajetória de um rapaz que vem do interior de Minas à nossa Capital para, inevitavelmente , trilhar o caminho de um “gueixa boy”. O papel havia sido escrito especialmente para José Lucas, mas um acidente sofrido pelo ótimo galã obrigou sua substituição por João Francisco Garcia, o também jovem ator e tipo que contracenou com Sandra Bréa em “Os Imorais”, o melhor filme de Geraldo Vietri. A fotografia como das duas fitas anteriores (“O Estrangulador de Mulheres”, “Colegiais e Lições de Sexo”) novamente é de Antonio Ciambra. No elenco, Márcia Fraga, Ana Maria Kreisler, a nissei Misaki Tanaka, o veterano Sergio Hingst, Hilton Have (como um “travesti”) e o cada vez mais importante Arthur Rovedeer.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 20/09/81.

WILLIE E PHIL (“Willie & Phil”)


“Willie & Phil”, de Mazursky, é soberbo e, de longe, o melhor filme de 1980. Assim, em agosto ainda não acabado o ano, se manifestava o crítico Richard Gertner no Motion Picture Herald sobre este novo filme do diretor de “Harry e seu Amigo Tonto” e “Uma Mulher Descasada”, reforçando ainda seu entusiasmo na classificação de “Excelente”. Realmente, Mazursky merece, pois é o diretor dotado de mais visão de conjunto, mais capacidade de realismo, poesia, maturidade e integridade narrativa da Hollywood atual. É certo que seu filme de estréia, “Bob e Carol & Ted e Alice” não nos impressionou, talvez devido ao fraco elenco, mas a humanidade de seu filme sobre o velho e seu gato e a precisão e força de observação humana de “Uma Mulher Descasada” dão-lhe realmente, de longe, um lugar ímpar na atual e tão deteriorada produção de Hollywood. Aqui podemos discordar da homenagem a Truffaut e à desnecessária emulação feita a “Jules et Jim”, podemos não gostar do duo central de atores (sobretudo de Ray Sharkey, que faz o amigo italiano), podemos, mais uma vez, nos horrorizar com a feiúra e a pouca simpatia de Margot Kidder (ainda mais em confronto com Jeanne Moreau, que era quem “justificava” aquele filme francês). Mas não podemos deixar de apreciar o domínio cinemático e o forte teor de estilo que há no trabalho de Mazursky.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/09/81.

MULHER OBJETO


"Empenho à maneira da velha, auto-suficiente e tirânica formulação que a Cinedistri herdou da antiga Cinédia, da Cinelândia Filmes de Alípio & Eurides Ramos, do “espírito” das revistas da praça Tiradentes, dos vícios até hoje remanescentes nos nossos rádio, teatro, circo, “show business”, jornalismo “ameno” e esportivo e todo esse “melting pot” que hoje é o forte da “qualidade telenovelística global”. Segundo o diretor Silvio de Abreu esta é já a segunda ou terceira vez que ele busca a sofisticação que amava nas fitas de Carole Lombard. Mas a tarefa é ingente, pois Carole tinha como estúdio a Paramount, como produtor o Selznick de “E o Vento Levou”, como roteiristas Claude Binyon, Garson Kanin, Charles MacArthur & Bem Hecht, como diretores Lubitsch, William K. Howard, Hawks, Leisen, John Cromwell, Kanin, George Stevens, como antagonista Kay Francis, Dorothy Lamour, Gail Patrick, Alice Brady, Una Merkel, a maravilhosa mexicana Margo, como galãs Gary Cooper, Fredric March, Charles Laughton, William Powell, Robert Montgomery, Fernand Gravey, John Barrymore, Fred MacMurray. E Silvio teve que se haver com o empertigamento de Helena Ramos, o tipo incrível de Nuno Leal Maia, a afetação de Maria Lucia Dahl, o televisivo de Yara Amaral. Há, é certo, gente de cinema como a falecida batalhadora Lola Brah, mais Carlos Koppa, Renée Casemart, os jovens galãs José Lucas e Fabio Villalonga, porém restritos a papéis ínfimos. E a fita, em verdade, seria mais “Homens Objeto”, pois a frustrada (?) protagonista, tal nova “Dama do Lotação”, não faz mais que se imaginar em maratonas sexuais com todos os homens que lhe chegam a vista, até mesmo o bestial encanador interpretado por Orlando de Barros.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/09/81.