sexta-feira, 24 de outubro de 2008

CAMA EM SOCIEDADE (CATHERINE ET CIE.)


“Já está longe o tempo (como passa!) em que Michel Boisrond, na qualidade de quase discípulo de René Clair, era o feliz diretor de uma quase adolescente, ascendente e esplendorosa Brigitte Bardot em filmes como “Cette Sacrée Gamine”, “O Príncipe e a Parisiense”, “Voulez-Vous Danser Avec Moi?”, “Amours Célebres”. Aqui ele retorna tendo como trunfo Jane Birkin, que surge na pele de inglesinha (o que ela realmente é) que vai a Paris e lá, a fim de sobreviver, se transforma numa firma, cujo mais capital e triunfo são ela mesma. Não confundir porém com nossas pornochanchadas, nem mesmo com aquelas “pseudo-sociais”, que afinal acabam sendo as piores porque mais mascaradas e mais insidiosas e, sobretudo, com maior voracidade e mais esperteza para auferir a meta suprema – lucro, o vil metal, dinheiro, moeda somante.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12/03/78.


DANIEL, O CAPANGA DE DEUS


“Por que se chama “Daniel, o Capanga de Deus” se é livro todo a base de imagens, personagens e episódios (intencionalmente) desconexos, como um Henry Miller diluído (ou “readers digestizado”?) de “Sexus”, “Nexus” ou “Plexus” e bastante “aprés” “la lettre”? E porque desmistificação do cangaço se as fotos expostas nos cinemas (aliás bonitas mas intelectualizadas demais para um filme que claramente avança pelo prestígio televisivo de Regina Duarte, e em dois papéis, o que deve ter sido bastante difícil para a mística caseira da eterna e campônia “jeune fille” utilizada em “Lance Maior” e “Chão Bruto”) sugerem obra muito para delírios de mitomanias eróticas de “ids” masculinos? Aliás, estas reincidências de especularem sobre os nus ou os não-nus de Regina Duarte é um “problema” que só concerne aos dilemas de “pruderie” das “menageres” que se escravizam à obrigação seriada e dulcurosa das telenovelas. Obrigação que de forma alguma pode condizer com a plasticidade tipo John Korty (o diretor húngaro do estranhíssimo “A Corrente da Vida”) que a citada coleção de fotos faz supor. Audácia criativa? Ou confusionismo intencionalmente nacional? De qualquer maneira, a estréia no longo-metragem de um (conhecido? Controvertido?) ex-realizador de curtas publicitários que poderá criar ou desejar polêmica.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22.01.78.


MANICURES A DOMICILIO

“Comédia erótica e carioca típica de Carlo Mossy. E não podemos incriminar completamente o jovem ator-produtor por não se arriscar ou não empenhar mais, pois quando ele tenta caprichar um pouco (“As Granfinas e o Camelô”) ou mudar de linha (o “sério” e aqui ainda inédito “Ódio”) arca com resultados na bilheteria. Muita coisa está errada – e muito! – no cinema brasileiro e não cabe a ninguém, isoladamente, tentar salvar a pátria.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12.02.78.



QUESTÃO DE TEMPO (A Matter of Time)

"A julgar pelo “trailler” um dos melhores filmes de recente Minnelli (fora, naturalmente, os da fase áurea de “Uma Cabana no Céu”, “Agora Seremos Felizes”, “O Ponteiro da Saudade”, dos trechos de “Ziegfeld Follies”, “O Pirata”) e lembrando muito, como atmosfera, plasticidade e intenções o controvertido (teria sido malogrado mais por causa de Barbra Streisand?) “Num Dia Claro de Verão”. Aqui um pouco da fábula da Gata Borralheira de encontro com uma personagem que tanto pode ser a Estela adulta de “Grandes Esperanças” de Dickens, como a heroína do faulknereano “Uma Rosa Para Emily”, como ainda a velha senhora da “Visita”, de Durrenmatt. A fita foi “rodada” na Europa, melhor falando na Itália, uma Itália imutável, ainda entre o sonho do “Ottocento” e os dias agitados da Via Veneto. Liza Minnelli é a pequena camareira que sonha com o êxito. Ingrid é a velha fada, a grande dama cujo passado é o de um “Kane” ou um “Monsieur Arkadin” de saias. Uma antiga e fabulosa condessa, mas felizmente, sempre Ingrid Bergman. E talvez ótimas oportunidades também para veteranos ou excelências como Charles Boyer, Ferzetti, Nazzari, Anna Proclemer. E, ainda, quem sabe para a linda filha de Ingrid, Isabella Rossellini. A ver, claro."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/05/78.



O REI DA NOITE

“Homenagem nostálgica à velha São Paulo do tempo em que ainda havia garoa, ruas escuras, cabarés segundo o modelo francês e uma vida boêmica (não obstante a população ser oito, dez ou doze vezes menor) parecida às das capitais internacionais, como Paris, Budapest, Madrid, Buenos Aires. Ou quase um filme de caráter biográfico? Ou um “hommage” mais à velha e sempre recordada Buenos Aires dos estertores da milonga e da ascenção de Gardel? De qualquer maneira a história de um conquistador à “vieille maniere”, um tanto estranha, um tanto “traduzidamente” chamado Tertuliano Jatobá da Silva, mais nome de jagunço ou cangaceiro do que de contemporâneo de Valentino, Ricardo Cortez, Adolphe Menjou, Paraguassú, Batista Junior. Tertuliano, ou melhor Tézinho é Paulo José, o Rei da Noite, enquanto que Marília Pêra, muito misto de Barbara Streisand e de Dulcina de Morais, é Pupi, a sensação dos “auberges” de Cristal, dos “Moulin Rouge” das antigas ruas Aurora, Sete de Abril ou Amador Bueno. E a atriz de formação circense, Vic Militello, elogiadíssima pela equipe realizadora, faz a esposa predatória e infiel de Tézinho. Aqui o cenógrafo Laonte Klawa poderá ter encontrado ótima oportunidade. A fita lança um novo diretor paulista, na pessoa do rumeno-argentino Hector Babenco, o mesmo que participou de “O Fabuloso Fitipaldi” e que já trabalhou na Sincro Filmes e, ao que parece, também no cinema publicitário. E no elenco suplementar, duas figuras efetivas do cinema de São Paulo: Francisco Curcio e Carlos Bucka, além da beleza loura de Dorothée Marie Bouvier.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/05/76.



YOJIMBO, O GUARDA-COSTAS (Yojimbo)

"Um Kurosawa da fase do sarcasmo (“Sanjuro”, “A Fortaleza Escondida”, “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre”). Interessante, portanto, agora uma revisão e um confronto com o Kurosawa da fase (ou dos filmes, já que tendências e resultados se alternam e até se antagonizam) mais humanista geralmente influenciada pela grande literatura russa de Tolstoi, Dostowievski: “Ralé”, “Hakuchi, o Idiota”, de certo modo sendo licito aqui também incluir “Viver”, “Akahige, o Barba-Ruiva” e o redentor “Dodeskaden, o Caminho da Vida”, obras baseadas em originais ou de outras fontes. Aqui temos a trajetória irônica de um “samurai” de aluguel, espécie de um “wandering hero” ou um “Shane” do oeste americano às avessas. O ator predileto do cineasta, Toshiro Mifune, naturalmente tem o papel titular, o papel principal. Mas os “essenciais” do elenco são outros: Susumu Fujita, Akira Nishimura, Seisaburo Kawazu, os falecidos Eijro Tono, Daisuke Kato, Kyo Sazauka, mais Takashi Shimura, a kabukeana Isuzu Yamada, a lindíssima Yoko Tsukasa. A fita aqui foi originalmente lançada a 10 de novembro de 1962, na sempre lembrada fase japonesa do Cine Scala, hoje, Belas Artes – Centro."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/06/76.