terça-feira, 1 de julho de 2008

SINBAD, O MARUJO TRAPALHÃO

"Não obstante Renato Aragão não seja um comediante sofisticado, nem o diretor Tanko ainda esteja disposto a arriscar em filmes elogiados e premiados mas pouco vistos (como “Areias Ardentes” e “A Outra Face do Homem”) a verdade é que esta série de comédias que ambos estão apresentando são das coisas mais limpas e menos nocivas que se fazem atualmente entre nós, em matéria de cinema. Aragão está ganhando em espontaneidade e Tanko sempre é o mesmo “expert” no manejo da imagem, um dos maiores com que contamos. Para o público a que se destina, uma realização nacional justificável.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/06/76.


NINA 1940, CRÔNICA DE UM AMOR ("Le petit matin")


"O segundo filme que aqui nos chega do ítalo-francês Jean-Gabriel Albicocco. O primeiro, aliás a obra de estréia, foi “A Garota dos Olhos de Ouro”, com a sua então esposa, a belíssima Marie Laforet e a “charmante” Françoise Prevost. Era uma estranhíssima, uma quase sutil intriga de amor hetero-sexual e de lesbianismo, baseada em original de Balzac, transposta para a época moderna e com imagens belíssimas, assinadas pelo pai do cineasta, o famoso iluminador Quinto Albicocco. Aqui a ação se passa ao tempo da ocupação nazista e narra o conflito que surge em uma família de ricos proprietários de província quando a filha caçula se apaixona por um oficial alemão. O diabo é que este papel provavelmente ficou a cargo do esquisito e ineficiente Mathieu Carriére. Mas nos dois papéis característicos mais importantes estão intérpretes como a veterana Madeleine Robinson e o celebrado Jean Villar. Outra credencial, esta de roteiro: a participação de Pierre Kast, o cineasta que só quando começa a circular e a atuar nas dissolventes rodinhas “intelectuais” do Rio ou “folclóricas” de Salvador é que perde o brilhantismo revelado em fitas como “La Mort – Saison des Amours”, “Merci, Natercia” ou “La Brullure de Mille Soleils”.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/10/76.


AS AVENTURAS AMOROSAS DE UM PADEIRO


“Um elogio à empresa Serrador. Esta semana tirou do ineditismo esse caprichado e inquietante “Revólver de Brinquedo”, de há muito reclamado por esta seção. E amanhã lança este filme que, registrado a 4 de dezembro de 75 pelo INC (depois Concine) e depois de participar do festival de Gramado de 76, em junho daquele ano foi lançado no Rio e até agora estava comercialmente encalhado em São Paulo, tanto que até temíamos que seu prazo de censura vencesse e nosso público jamais o pudesse ver. Marca a estréia no longa-metragem do ator Waldir Onofre, o primeiro diretor negro de nosso cinema. Trata-se quase de uma farsa, num tom cômico então inédito em nossos filmes. Esposa insatisfeita decide estudar; as novas colegas então põem-lhe na cabeça idéias de “liberação” e ela arranja um amante padeiro (Pereio) e depois, o troca por um crioulo (Haroldo de Oliveira). O português, então, despeitado denuncia ao marido e um flagrante é preparado. Mas ninguém conta com o que na época poderia passar como uma idéia inovadora do amante. Parece que a atriz Maria do Rosário enxergou em seu papel aso para a causa “Women’s Lib” e calcou a mão. A verificar.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/02/80.

A CLASSE OPERÁRIA VAI PARA O PARAÍSO ("La classe operaia va in paradiso")


“Filme que Elio Petri realizou logo em seguida ao seu êxito com “Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita” e Gian Maria Volonté, também sempre esplêndido ator, logo depois daquele e quase junto com outro triunfo do cinema de discussão política – “O Caso Mattei”, de Francesco Rosi. É a história de um operário e líder sindical, cujo pensamento e ação direta são encarados em seu ambiente – patrões e colegas – de várias formas, conforme mudam as circunstâncias. O herói, Massa, também tem interferência de outras ordens em seus momentos, tanto de coragem como de vacilação, até que um acidente em serviço – a perda de um dedo – faz com que tudo, em alguma coisa se aclare e noutras, fique mais complicado – exatamente como acontece na vida real. A fita aqui foi originalmente lançada a 19 de março de 1973, nos cines Metrópole, Paissandú-Império, Belas Artes – Portinari e Vila Rica. É obra importante e bem-vinda, mas achamos um pouco exagerado o circuito (cinco salas) que a empresa Haway lhe destinou no centro.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 11/05/80.

EMMANUELLE, A VERDADEIRA (“Emmanuelle”)


"O famosíssimo filme do ex-fotógrafo, elemento de televisão e cinema publicitário que lançou ou mais contribuiu para firmar a voga erótica, ou simplesmente pornográfica, no cinema atual (os experimentos de Mekas, Andy Warhol, etc., ficaram no experimentalismo e nas “caves” ou auditórios limitados ou “especializados”). E o filme que lançou a holandesa Sylvia Kristel no estrelato internacional. Na história, derivada de livro de autora que se mantém no mistério ou incógnita, Sylvia é a esposa de um diplomata que lhe concede direitos iguais em matéria de liberdade extra-conjugal. E ela, chegando à Tailândia, vê-se totalmente “envolvida” por essa liberdade. Em todos os pontos de vista. A fita motivou mais duas continuações e uma infinidade de imitações e até apropriações indébitas de personagem (ou melhor, de só seu nome) mas esta é realmente a original, a verdadeira. Só esperamos que seja melhor do que o que já conhecemos do referido e discutível “surto”, talvez até esperando mesmo que esteja para o gênero como “Quem é Polly Magoo?” “Qui Etes Vous Polly Magoo?”, do americano William Klein, esteve para a sofisticação e insólito em matéria de filme sobre manequins, publicidade e Moda. Será esperar muito? E o estado das cópias?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 11/05/80.






O HOMEM DE FERRO ("Czlowiek z Zelaza")


“Wajda já teve seus pecados. O celebrado “Cinzas e Diamantes” (“Popiol I Diament”), que revelou o simples, cordial, inteligente e simpaticíssimo (em pessoa) mas muito “Actor’s Studio” (em cena) Zbigniev Cybulski, em verdade era muito obra para aquele vagamente sonhador tipo de stalinismo que hoje (só hoje?) cobra um preço feroz da humanidade e faz o mundo passar um século de verdadeira regressão e essencial tortura. É fato que, depois, em 1961, com “Sansão, a Força contra o Ódio”, a melhor fita que o cinema produziu até hoje sobre o sofrimento judeu, Wajda já se redimiria das ilusões de seu virtuosístico e superestimado filme de 1958. Mas nesta fase que começa em 74 ou 73, com os aqui já vistos “A Terra Prometida” e “O Homem de Mármore”, o cinema deste realizador torna-se menos de regozijo ingênuo e mais premonitório, mais antecipador, mais sensível à situação insuportável que a balela soviética criaria para a sua heróica terra e seu indomável povo. Em agosto de 1980, um venal é enviado aos estaleiros de Gdansk para recolher “material informativo” que permita desacreditar os líderes da greve que está sendo levada a efeito. A fita por pouco não poderia ser exibida entre nós. É que sua cópia chegou antes que o governo títere e Quisling de Jaruzelski mandasse interditar sua exportação. Nela, numa seqüência, como padrinho de um casamento, aparecem o próprio Lech Walesa e a lutadora Anna Walentynowicz. E constitui, como é natural, não uma quase certa promessa de bom cinema, mas também uma atração indiscutível, um dos grandes eventos da temporada. Obrigatória.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/04/82.