terça-feira, 31 de julho de 2007

LA SIGNORA SENZA CAMELIE

“Se ainda preciso fosse, eis uma prova de como o nosso é um dos mais falhos mercados exibidores do mundo: este antológico filme de Antonioni, o segundo longa-metragem de um dos maiores diretores do cinema. Aliás de Antonioni aqui também não vimos seu filme seguinte (um episódio em “Amore in Cittá”) como vergonhosamente também jamais vimos “I Tre Volti”, com a princesa Soraya, nem o não proibido, mas também não liberado “Zabriskie Point”, nem muito menos o elogiadíssimo documentário sobre a China. Aqui, e dez anos antes de Louis Malle fazer o paradigmático “Vie Privée” de Brigitte Bardot, o cineasta de “La Notte” ousadamente criou uma história para mostrar o que poderia haver de excuso por trás da ascensão de um ídolo do cinema e para o papel título convidou Gina Lollobrigida. Menos por inteligência do que por outra coisa, a então aduladíssima Lollo recusou o papel. Mas Lucia Bosé, na época muito jovem e lindíssima, aceitou-o. E assim foi criada esta fita sarcástica, cruel, friamente humana, impiedosa até. Que de há muito pertence à História do Cinema e que, de maneira alguma, um amante ou estudioso de cinema poderá perder.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/08/76.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

SORRISOS DE UMA NOITE DE VERÃO, Ex-SORRISOS DE UMA NOITE DE AMOR ("Sommarnattens Leende")

"Bergman, hoje admirado, respeitado, hoje praticamente mito e tabu no mundo inteiro, quando conseguiu enviar esta fita a Cannes-56 e foi medrosa e desconversadamente agraciado com um vago prêmio do humor poético (talvez nem prêmio, apenas avara menção) já havia escrito cinco filmes – entre os quais os aqui conhecidos “Tortura de um Desejo” (Hets), 44, e “A Mulher e a Tentação” (Eva) 48, já havia dirigido 15 outros, dos quais também aqui já conhecíamos “Sede de Paixões”, “Juventude”, “Mônica e o Desejo”, “Noites de Circo”, “Quando as Mulheres Esperam”, “Uma Lição de Amor”.
As quatro primeiras obras-primas absolutas, sendo que o impacto “Noites de Circo” no I Festival de Cinema de São Paulo – março de 54 – já situava o cineasta entre os maiores de toda a história do cinema, como tivemos ocasião de afirmar por ocasião de sua menosprezada programação numa mera “matinée” da mostra paulista. A verdade é que o episódio sofisticado (o do elevador) em “Quando as Mulheres...” e mais o toque de comédia de “Lição” agradavam muito mais a nossa como sempre acadêmica e estratificada crítica. E ninguém queria nada com o mundo das tremendas humilhações, do peso do Destino e infernal dilaceramento psíquico que constituíam a tônica do artista. E foi preciso que ele levasse o humor de “Quando” e “Lição” ao extremo, que enveredasse pelo “marivaudage” e se aproximasse do literário e do picante de uma farândula francesa como “As Regras do Jogo”, de Renoir, para tanto na França como aqui, ou até mesmo em Buenos Aires e Montevidéu, reconhecessem o óbvio: uma singularidade cinemática como poucas vezes a Sétima Arte havia revelado. Com “Sorrisos”, Bergman deixou de ser o “superado expressionista de 25 anos atrás”, deixou de ser o que “gostava de se e de mazocar, deixou de ser imatura mania dos que gostavam de ratos brancos, etc.”. Ele porém, ainda que desviando pouco (ou muito) de uma linha de implacável observação humana e indagação filosófica, de escravo da transcendência (que só voltaria a culminar talvez em “Morangos Silvestres”, certamente em “Gritos e Sussurros”) obteve finalmente o “passe livre”, o beneplácito da maioria compacta que sempre tem estrangulado não só o cinema como todas as artes e, o que é pior, a plena realização humana. Aqui temos uma ciranda amorosa, ação que se consubstancia através dos desencontros da inocência da malícia. Uma “Tensão em Shanghai”, não maravilhosamente melodramática como no clássico de Josef von Sternberg, mas através da candura versus picardia, do erotismo perdendo para o real amor, do jogo franco ante a astúcia e dissimulação. Um advogado viúvo (Gunnar) que se vai casar com uma menina (Ulla) que tem a idade de seu filho (Bjelvestam), este que se apaixona pela futura madrasta; a atriz (Eva Dahlbeck) que resolve reconquistar o advogado, do qual teve sem lhe contar um filho; o amante da atriz, um conde conquistador (Kulle), uma criadinha complacente (Harriet), um jardineiro (Fride) sempre disposto a viver a vida, a mãe da atriz (Naima Wistrand) “coccotte” retirada desde um de seus ex-amantes deu-lhe um castelo a fim de que ela não escrevesse suas memórias. A fita aqui foi originalmente lançada pela Condor Filmes e com o título “Sorrisos de uma Noite de Amor” a 4 de fevereiro de 1959 no Cine Normandie e depois reexibida entre outras vezes no “Cinema de Arte Bijou”, em setembro de 1966.".

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/06/79.



quarta-feira, 25 de julho de 2007

O JOVEM DRÁCULA ("DRACULA IN BRIANZA")

“A voga Lando Buzzanca está, talvez, já passando. Contudo, mesmo acusado – indevidamente – de “chanchadeiro”, a maior parte de suas fitas tem apresentado qualidades de um humor que pode ser sal grosso ou popularesco mas sempre é baseado na graça, no engenho, na crítica ferinamente natural, na boa observação humanística, bem italiana. E não estamos nos referindo só aquele excelente “O Deputado Erótico” (“Al Onorevole Piacevano le Donne”), que a nossa censura fez muito por mal proibir. E aqui está Buzzanca, desta vez indo a uma fonte que não podia deixar passar: o vampirismo, Drácula, etc. Agora ele é um rico industrial siciliano, casado com esposa indiferente e abusivamente explorado pela parentela. Indo à Romênia a negócios, acaba seduzido por um descendente do Conde Drácula e volta à Itália transformado num vampiro que se reconhece em verdade muito menos vampiro e muito menos demoníaco que todos os sádicos e sanguessugas que infestam a vida moderna. O diretor é Lucio Fulci, muito mais civilizado e empenhado em pessoa do que nos filmes que fazia com a dupla Franco Franchi-Ciccio Ingrassia (que por sinal também está no elenco) mas mesmo assim apto a cumprir com normalidade sua tarefa.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/10/76.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

O VAMPIRO DE COPACABANA

“Um filme bastante além do que a primeira vista pode sugerir o seu título – “O Vampiro de Copacabana”. Em verdade, mais do que um adventício “horror à brasileira” é uma narrativa que procura outra densidade ao analisar o desgaste, a revolta, as lutas e desilusões, os desencontros do dia a dia de um obscuro chefe de família (André Valli), que, como catarse, acaba inconscientemente liberando todos os egos ocultos, transformando-se num triste e amargo conquistador de mulheres ainda mais tristes e infelizes do que ele, num Mr. Hyde de esquinas sem perspectivas, num vampiro, num falso monstro que se torna ainda mais frustrado que sua inocente e também maltratada esposa (Ângela Valério). Um filme carioca de nível incomparavelmente acima das habituais “chanchadas” paulistas e guanabarinas a que o circuito Olido se tem e nos tem obrigado nos últimos tempos – não sabemos como isso foi acontecer, talvez uma substituição às pressas para a planejada mas gorada segunda semana da “pornochanchada” em cartaz. De qualquer maneira, um filme do mesmo Xavier de Oliveira do esplêndido e (aqui em São Paulo) louvado e laureado “André, a Cara e a Coragem”. No elenco de apoio, gente muitas vezes apreciável como Rossana Ghessa, Otávio Augusto, Miriam Pires, além do indiscutível valor de Ângela Valério, provavelmente e com muita justiça, uma das intérpretes favoritas do cineasta. A ver, obrigatoriamente.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 25/09/77.


quarta-feira, 18 de julho de 2007

GOYA ("GOYA - ODER DER ARGE WEG DER ERKENNTNIS")

"A Vida de Goya, uma árdua jornada para o conhecimento", segundo o romance do mesmo Feuchtwanger de "O Judeu Suss" e em produção da Alemanha Oriental. Uma raridade para nós, pois até hoje, ao que lembramos, não tivemos mais de três filmes dessa procedência. Co-produzida pela DEFA da Berlim do outro lado do muro e pela "Lenfilm" de Leningrado, a fita naturalmente procura interpretar a vida de Goya do ponto de vista marxista-leninista. Stalinista, para falar mais claro. Mas dada a procedência, o fato não deixa de ser mais natural e honesto do que acontece sobretudo por aqui, onde o que se faz é stalinismo puro, mas nada nem ninguém pertence a grei - são tudo e todos democratas da mais pura estirpe de Thomas Jefferson ou Thomas Payne ou uma lucidez dialética que faria Rosa Luxemburgo estourar de despeito. O menos que pode acontecer é uma confusão enorme, um desaprendizado terrível na cabeça do espectador mais desavisado. Neste "GOYA" não. O filme vem com a bandeira desfraldada e, apesar dos perigos de super-produção histórica e pomposa, aparenta flagrantes cuidados de encenação e traz um elenco formado por artistas de sete países, onde merecem menção o lituano Donatas Banionis (o excelente interprete de "Solaris") no papel do realmente revolucionário pintor espanhol e o polonês Mieczyslaw Voit (o memorável exorcista de "Madre Joana dos Anjos" e o eremita de "Faraó"). A ver."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/07/76.

domingo, 15 de julho de 2007

A VOLTA DE CARMEN ("KARUMEN KOKYO NI KAERU")

"Um clássico do cinema japonês, sua primeira realização a cores, obra muito comentada e elogiada mas que, não obstante todas essas qualificações, só agora, com 26 anos de atraso, chega até este melancólico mercado cinematográfico brasileiro. E mesmo assim porque a fita foi recentemente “reprisada” para comemorar o 55º aniversário dos estúdios Shochiku. Atualmente o cinema colorido tornou-se rotina, desleixo, incompetência e (ao contrário dos tempos em que pontificavam as pesquisas de Mamoulian e logo a revelação dos “westerns” e “capa-e-espadas” da Columbia e da Universal e dos “musicais” da Metro) até faz que com se fique desejando um gradual e substancial retorno às possibilidades criativas especificas do branco-e-preto. Entre 1945 e 55, cor em cinema era sinônimo de real procura plástica, dramática e rítmica e impossível esquecer não só o deslumbramento que foi aqui em São Paulo a primeira exibição de um filme colorido japonês – “Tudo por Amor”, de Shigueo Tanaka – como principalmente da enxurrada de obras-primas de Uchida, Makino, Ohsone, Naruse, Tazaka Tomotaka, Sugawa e tantos outros, que se seguiram. Kinoshita é o diretor de “Sublime Dedicação”, “A Lenda do Narayama”, “Murmúrios do Rio Fuefuki”, todas fitas de grande aceitação, sobretudo nos círculos “engagés”. E depois desta, repetiu personagem (Carmen, a cantora e dançarina), e atriz (Hideko Takamine) noutra fita que aqui, em 57, mais ou menos, igualmente movimentou os partidários: “A Grande Paixão de Carmen”. Neste “A Volta de Carmen” tudo acontece porque uma “estrela” volta à cidade natal. Além de Hideko, a fita traz outros atores prestigiosos ou essenciais do período: Chuji Sano, Chishu Ryu, o falecido Keiji Sada. Uma apresentação nipônica de antecedentes hoje em dia raríssimos e que precisa ser examinada."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/12/76.




sexta-feira, 13 de julho de 2007

RARIDADE DA DINAMARCA

"TAENK PA ET TAL ("Pense num Número") - Dinamarca, 1968. Direção: Palle Kjaelrulff-Schmidt. Somente terça-feira, 15, às 20 horas, no Museu da Imagem e do Som.

Filme de um diretor cujo primeiro e elogiado filme, "Week-End à Escandinava" (Week-end) surgido em 1962 e considerado uma semiconseqüência da nouvelle vague francesa e de um mais atualizado realismo, marcou todo um período do cinema de lá. Aqui foi exibido há alguns anos no Cine Coral, distribuido pela "Franco-Brasileira". Talvez não muito requintado, como forma (ou era a cópia em contratipo?), mas indubitavelmente com a natural franqueza nórdica em seu assunto, que focalizava as primeiras trocas de casais abordadas no cinema. Com seu roteirista habitual (Klaus Rifbjerg), Kjaelrulff-Schmidt fez outros filmes, mas não ficou numa só temática (abordou até a ocupação nazista em Once There Was a War, 66; e com mais obras elogiadas como Two, 64; A Story of Barbara, 67; e The Green Forrest, 68, foi elemento que também exerceu sua influência sob todo um grupo novo seguinte de jovens cineastas). Este Think of a Number, 68, é seu último celulóide pois logo após ele passou a se dedicar a peças para a televisão. A história é de suspense e gira sobre o assalto a um banco. No elenco, uma importação vizinha e uma credencial garantida com a sueca Bibi Andersson. A ver, naturalmente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/12/81.

domingo, 8 de julho de 2007

QUANDO O SEXO É PECADO ("LE FARÒ DA PADRE")

"Antes da eclosão do "neo-realismo" ("Giacomo, l'Idealista", com a bela Marina Berti; "La Freccia nel Fianco", com a também bela e ainda mais sensível Mariella Lotti) e logo no início daquele movimento ("O Bandido", levando às culminâncias a violenta e verista atração de Anna Magnani; o d'annunzianismo de "Il Delito di Giovanni Episcopo") e, mais tarde, já em plena voga da "nouvelle vague" francesa (enfrentando gravemente o cerco em "I Dolce Inganni", com Catherine Spaak e "Guendalina", com Jacqueline Sassard) Alberto Lattuada sempre foi o que se chama um verdadeiro diretor de cinema. E agora, segundo referências, volta à sua melhor maneira com este surpreendente "Le Farò da Padre". A história gira em torno da ambição e falta de escrúpulos de um advogado (Luigi Proietti), que numa espécie de "golpe do baú" torna-se amante de uma condessa rica e igualmente cínica (Irene Papas) e a fim de melhor lograr seu plano lança vistas à filha adolescente (Teresa Ann Savoy) da amante, menina problema, quase de fixações infantis, mas também consciente de seu perigoso poder de sedução e para a qual ele promete "ser um pai", ao avocar a futura gerência de seus bens. É então que aparece o "mas" sempre inevitável em certo tipo de cálculos e de planos, deixando a descoberto a torpeza mas igualmente o vulnerável, quando e em quem menos se espera. Ao que tudo indica, um filme para as listas dos melhores do ano."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/10/76.

domingo, 1 de julho de 2007

A LENDA DE UBIRAJARA

"Segundo filme de André Luiz Oliveira, autor do elogiado e premiado "Meteorango Kid, Herói Intergalático", aqui ainda inédito. Este "Ubirajara" que também obteve um prêmio especial no último festival de Brasília e um prêmio (cenografia ou música, não lembramos ao certo, no Festival de Lajes, Santa Catarina) é uma adaptação livre do romance de Alencar. Naturalmente com a convicção arrogante e ufanista de que o sol gira em torno da Terra, típica da escola cinemanovista. O melhor, porém, é que em meio a óbices e possibilidades, em meio, também, a um resultado anti-público no sentido do espetáculo corrente (e sem falar na imperdoável sobreimpressão das vistas de Brasília) a fita tem virtudes na antiga e permanente tradição internacional do verdadeiro cinema documentário. Da qual podemos dar como exemplo o "A Maldição das Selvas" ("En Handful Ris") que, em 1938, o húngaro Paul Fejos rodou no Sião para a produtora sueca Svenska Filmindustri. Ou, até mesmo, como o excepcional "A Fera e a Flecha", que para a mesma Svenska, na Índia foi "rodada" pelo sueco Arne Sucksdorff (hoje brasileiro e que com toda a justiça e urgência deveria ser convidado pela "Embrafilmes" para produzir alguma similar obra-prima em Mato Grosso, onde reside há mais de seis anos). Voltando porém, a "Ubirajara", reparem na beleza da língua carajá como é ouvida no filme e reparem como corresponde a toda tradição romântica de "leit motiv" a cena da índia penteando os longos cabelos, tal a Iara consagrada pela legenda."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/03/1976.