quarta-feira, 30 de maio de 2007

DESAFIO À VIDA ("AI TO HONOHO TO")

"Se pode haver ligações, semelhanças ou equivalências estéticas em "motivos" e formas ou veículos artísticos sem origem direta, sem os dos pés da letra como o exige a "mediocridade sensata" (e é claro que pode), eis aqui o filme que mais lembra a poesia e o clima de Rimbaud, em todo o cinema conhecido. Derivado de uma história de Shintaro Ishihara (que pelo jeito não pôde ser levada à tela senão através de simbolismos, dados os "perigos" que ainda oferecia a época que foi "rodado") esta obra, produto da última fase mais fecunda e culminante do cinema japonês, resultou numa das mais fascinantes e perturbadoras de toda a fascinante e perturbadora carreira de Eizo Sugawa. Heroismo e amizade, ausência de perspectivas, paixão e sentimento de culpa, ânsia de vida e complexo de auto-destruição, num dos filmes mais estranhos, significativos e requintadamente cinemáticos destas duas décadas. O elenco, quase todo só de personalidades excepcionais, mal dando tempo ao espectador para atentar na criatividade fora de série de um intérprete para o que ou os que também estão em cena ou logo se lhes seguem. E assim em todos os elementos que o integram, o "decor", a música "árabe" de Sato, o perfeito roteiro de Kaneto Shindo. Até hoje inédito no Rio (e mesmo assim foi recentemente recusado pelos "cinemas de arte" de lá...). "Desafio à Vida" aqui foi originalmente lançado a 29 de dezembro de 1962, no antigo Scala, e, para nós, constitui "reprise" absolutamente vital, obrigatória."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/05/76.

Foto de "O Rio dos Vaga-Lumes" ("Hotaru-Gawa"), 1987, de Sugawa.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

P.S. POST SCRIPTUM

"Às surpresas de "O Olho Mágico do Amor", "Duas Estranhas Mulheres", "Retrato Falado de uma Mulher sem Pudor" vem juntar-se esta outra, mais inesperada ainda, deste filme paulista que, para espanto geral, foi selecionado pelo vicioso júri do Festival de Gramado do ano passado. Mais surpreendente ainda é que, depois de conhecer-se sua qualidade, não tenha ele sido premiado numa competição da qual participavam, senão "Eu Te Amo" (cavalo de batalha, "dumping" prévio, mas obra cuidada e "comunicativa") outros como o "umbigo" de "Cabaré Mineiro" e os "engagements" "O Homem que Virou Suco" e "Até a Última Gota". Este "P.S.", uma história intencionalmente fragmentada e passada num torvo mundo de publicidade, prostituição de luxo, taras, sonhos, frustrações e culpas de todo o tipo, mas narrada com uma firmeza gramatical até inusitada para o cortês e bem intencionado Romain Lesage, o mesmo de "A Beleza do Diabo", feito em 51 com uma estreante Beatriz Toledo Segall, e do "infantil" "Pluft, o Fantasminha", de 62. Lesage: um longo estágio na publicidade e agora esta obra diferente, estranha, com excelente ambientação, fotografia, roupagens e um momento final de antologia numa imobilização de imagem que parece saída de uma hipotética e cruel fita alemã. Auspicioso e (coincidência?), o terceiro e insuspeitado grande filme paulista consecutivo de que participa, de alguma maneira, o antigo diretor de dublagem Hélio Porto."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/05/82.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

EMMANUELLE TROPICAL

"Como aconteceu com o cinema italiano e até o japonês (dentre os que ora lembramos) o cinema nacional não poderia ficar alheio ao êxito internacional do pioneiro e celebrado "porno" francês de Just Jaeckin que lançou a holandesa Sylvia Kristel e criou uma nova espécie de voga ou de psicose cinematográfico-erótica. Como não pudemos ver a obra original, aqui está (sem cortes?) o filme nacional, encomendado pela exibidora-produtora Hawai a José Marréco, o co-diretor de "Fantasticon, os Deuses do Sexo", de "Núpcias Vermelhas" e da última versão do "A Carne", de Julio Ribeiro. Com o proverbial cuidado de imagem em que Marréco sempre se esmera quando é diretor e iluminador e com um tipo de filosofia erótico-existencial-contestatória típica de quase todos os alunos de comunicações das USPs que temos conhecimento, este "Emmanuelle Tropical" é uma fita que junta certos elementos do "Les Liasons Dangereuses" de Vadim, com os extravasamentos ou algumas das "audácias" do filme de Jaeckin. E, se bem não tenha possa ter a dose de europeismo do filme com Gerard Philippe, Jeanne Moreau e Annette Stroyberg, a tornar-lhe plausível o cinismo lúdico dos personagens, tem uma produção razoavelmente rica em recursos materiais e a habitual expontaneidade e "charme" de Monique Lafond, além de uma surpreendente aparição de Matilde Mastrangi. A rafaelina e belíssima Selma Egrei não coube uma oportunidade efetiva."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/09/77.

sábado, 19 de maio de 2007

OS VIOLENTADORES

"Surpreendentemente a primeira recomendação da semana é e só pode ser a do novo filme de Tony Vieira que entra amanhã nos Cines Premier e Avenida e, na quinta, também no circuito Metro. Mais uma aventura de múltiplas inspirações, de inúmeras citações, para não dizer mais. Entra de tudo neste filme que talvez devesse ser um "western" à paulista, mas é um "melting pot" como sempre expedita e habilmente concebido e realizado pelo produtor, produtor autor-diretor-astro e consultor musical Maury de Oliveira Queiróz e que na condição de ator aparece como Tony Vieira e igualmente habilmente montado pelo recentemente premiado (por nossa lembrança aliás) Walter Vanni. Índios (paraguaios, venezuelanos, peruanos) bandidos e albornozes, pequenas indefesas ou pequenas perigosas mas despidas, vilões do tipo mexicano-calabrês, e uns efeitos especiais de trombadas, explosões e desastres que se não foram tão "citações" como parecem já são o suficiente para podermos dizer que nosso cinema acabou de atingir uma perfeição técnica que nunca teve e todos nós sempre invejamos do cinema internacional - no nosso, quase que nem uma jarra ou um simples copo podia ser quebrado sem significar um problema sério de produção. Isso pelo menos é o que indica o agilíssimo, eficientíssimo e quase inacreditável "trailler"."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 07/05/78.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

VÍTIMAS DO PRAZER: "SNUFF"

"Carlos Reichenbach (um episódio de "As Libertinas", depois "Corrida em Busca do Amor" e "Lilian M") adora filmes como "Os Profissionais do Sadismo" ("Femmina Riddens"), a obra-prima estranhamente erótica e marginal do italiano Piero Schivazappa, que aqui passou quase despercebida. Outro diretor paulista, Jean Garret, também deve apreciar tipo e gênero, já que se sai melhor quando nas imediações. Pois Reichenbach é o co-autor, roteirista e dialoguista desta fita que gira em torno de dois malandros (dos EUA, "naturalmente", mas que ao final se revelam de outra procedência) que fazem filmes "pornô" no qual as atrizes seriam assassinadas "ao vivo". Cláudio Cunha dirigiu. E a fita chega-nos agora na triste circunstância de ser possivelmente a derradeira em que atuou Hugo Bidet, talentoso, personalíssimo, uma espécie de Melvyn Douglas legitimamente carioca e cujo desaparecimento recente constitui uma das mais lamentáveis e irreparáveis perdas sofridas pelo cinema brasileiro."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/05/77.

terça-feira, 15 de maio de 2007

ESCOLA PENAL DE MENINAS VIOLENTADAS

Apesar de feitas com rapidez e sem nenhuma máscara ou rebuço intelectual ou de falso empenho, as produções de A. P. Galante muitas vezes dão resultado, em seu devido lugar e contexto. Caso das fitas com Hugo Bidet e Patricia Scalvi, da outra com Sérgio Hingst e Aldine Muller e deste recente "Pensionato de Vigaristas", que apesar de previsões até malévolas conta com uma impressiva e inesperada grande aparição da veterana Lola Brah. Esta aqui foi dirigida por Antonio Meliande (o iluminador favorito de Walter Hugo Khouri, agora estreando na "mise-en-scene") e conta com uma história que pode (ou deve?) ser contrafação de "Flávia, a Monja Muçulmana" de Florinda Bolkan, mas que deverá dar, no mínimo, oportunidades ao tipo "sui generis" de Genésio Carvalho, ao talento de Sérgio Hingst e às sugestões sinistras possíveis em Meyre Vieira como vilã, viúva negra, mulher morcego. A conferir.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/12/77.

sábado, 12 de maio de 2007

O CAÇADOR DE ESMERALDAS

"As vantagens e as limitações dos "super-espetáculos" pré-deliberados, do filme histórico de exaltação ufanista. Sem dúvida, a fita que Oswaldo Massaini não poderia deixar de tentar após "Independência ou Morte". Os cuidados vão desde a escolha de um elenco em que não faltam as figuras de prestígio ou de garantia mítica popular de TV, teatro, rádio, cinema e mesmo publicidade, até a pesquisa histórico-acadêmica que revela que o verdadeiro nome de Fernão Dias era Paes, mas não Leme. Vão, também, das chamativas roupagens solicitadas a Campello Neto até a inclusão de figuras sexy como Nydia de Paula, Esmeralda Barros e Julciléa Telles. Na direção, ao invés do habitual Carlos Coimbra, o igualmente tarimbado e expedito Oswaldo de Oliveira, de quem esta semana temos também a "reprise" de "Os Garotos Virgens de Ipanema" e que, aliás, vem de obter um pouco comentado, mas real acerto como fluência narrativa e como gosto visual em "Bordel - Noites Proibidas" (ainda hoje no Cine Globo). No papel título, Jofre Soares e, como sua jovem esposa, Maria Beteim, Glória Menezes."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/08/80.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

BORDEL - NOITES PROIBIDAS

"Ex-presidiário consegue emprego como garçon de um "cassino" clandestino e resolve dar o grande golpe de sua vida, aproveitando a "simpatia" que lhe demonstra o patrão "gay" e poderoso banqueiro do jogo do bicho (Mário Benvenutti, em papel algo parecido ao que teve em "Os Machões", de Reginaldo Farias). E o "herói" nisso é auxiliado por Margot, uma prostituta que vive de golpes nos frequentadores menos "caixa baixa" da casa. Margot é Rossana Ghessa, que depois de "tour de force" de "Lucíola", descobriu que se podia tornar excelente atriz pondo em ação seu verismo "à italiana". A fita esteve interditada pela nossa censura quase um ano, por causa de uma seqüência "inspirada" em outra, quase totalmente cortada da versão só agora liberada de "Emmanuelle, a Verdadeira". Como o ex-presidiário, Fábio Villalonga, um dos melhores galãs jovens revelados no cinema paulista desta fase. E a estréia, numa ponta, de outro, José Lucas, na mesma linha e possibilidades."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/06/80.

UM GOLPE SEXY

"Uma surpresa. Filme paulista produzido na rua do Triunfo, mas sem os estigmas das obras “essencialmente” engendradas no famigerado local. De uma historiazinha muito “datada”, escrita pela co-produtora Paula Ramos (que é também atriz espontânea mas aqui manteve-se ausente do elenco), da trama ingênua de uma menina que, a fim de fugir aos avanços do padastro, disfarça-se de homem, foge de casa e passa a enfrentar as situações de hábito, o iluminador e diretor húngaro Gyula Kolozsvary, atuando como diretor, apresenta um trabalho elogiável. Há erros, sobretudo o da distribuição de papéis (a falência mais contumaz e desnecessária em nossos cinemas), mas Kolozsvary se sai muito melhor do que seria lícito esperar. No elenco, ainda que também ela recebendo papel inadequado, a decisiva presença é a da bela catarinense Magrit Siebert, que com todo o seu ar de desafiadora e indomável valquiria, faz o impossível papel de filha de um rústico empregado de fazenda."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/02/77