sábado, 30 de junho de 2007

DOSSIÊ BIÁFORA NA ZINGU! DE JULHO

Já está no ar a edição de julho, número 10, da revista Zingu!, trazendo o Dossiê Rubem Biáfora. Matheus Trunk, o editor da revista, teve a brilhante idéia de convidar três grandes figuras do nosso cinema para um debate sobre ele: o cineasta e crítico Alfredo Sternheim, que trabalhou como segundo crítico do “Estado de São Paulo” de 1963 a 67, quando teve Biáfora como editor; o também cineasta Astolfo Araújo, ex-cunhado, amigo e sócio do Biáfora na Data Cinematográfica e o crítico de cinema Edu Janks, que afirma: “Eu aprendi a ler aos sete anos e tenho certa cultura porque leio o Biáfora desde essa idade”. Tive a honra de participar desse encontro histórico, inesquecível, ao lado do Matheus e do fotógrafo Gabriel Carneiro.
Além disso você encontra depoimentos pessoais do grande crítico André Setaro, do Matheus e do editor deste blog, a reprodução de uma entrevista dada por ele para o livro "O Cinema Segundo a Crítica Paulista", quatro textos selecionados por mim e nunca publicados em livro e análises dos filmes "O Quarto" e "A Casa das Tentações", dirigidos por ele.

domingo, 24 de junho de 2007

A NOITE DO DESEJO


"O melhor filme de Fauzi Mansur, uma espécie de "Noite Vazia" passada, não na classe alta e na "Boca do Luxo", mas num ambiente familiar pobre e no submundo da "Boca do Lixo" mesmo. Por isso mesmo foi uma obra perseguida, quase impedida de estrear e depois dessa estréia, só por três semanas ficou em cartaz aqui e no Rio, sendo, desde então, janeiro de 74, interditada até há pouco por nossa cega e descontrolada censura. Realista, empenhada, com um empenho ainda maior que aquele que Mansur havia colocado em suas duas primeiras obras de mais ambição ("Cio, uma Verdadeira História de Amor" e "Sinal Vermelho - As Fêmeas"), a fita ao ser previamente mutilada obrigou o cineasta a fazer um episódio, ou melhor, mais uma história paralela extra. E isso acrescentou-lhe ainda mais valores, já que além dos que já tinha com os personagens vividos por Marlene França, Francisco Curcio, Roberto Bolant, Betina Viany, Carlos Bucka, foi acrescentado o drama de uma interiorana que havia perdido (Selma Egrei), seu ingênuo noivo (Ewerton de Castro) e um implacável e cínico cáften que Pedro Stepanenko encarnou com um brilhantismo digno de uma dobradinha Groucho Marx-Melvyn Douglas e que aqui no Brasil só teve paralelo na maravilhosa criação de Hugo Bidet em "Snuff, Vítimas do Prazer". Stepanenko ganhou o prêmio "Governador do Estado" de melhor ator coadjuvante, ao mesmo tempo que Marlene França o de "melhor atriz" e Fauzi o de melhor direção. Da então recentemente expandida APCA, vieram os trofeus de melhores roteiro e montagem. Um filme nacional obrigatório, mesmo porque sua carreira comercial brasileira, por incrível que pareça, só agora é que vai realmente começar."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 23/08/81.

domingo, 17 de junho de 2007

SEDE DE AMAR: CAPUZES NEGROS


"Em "A Ilha dos Prazeres Proibidos", obra de encomenda, Carlão Reichenbach, não obstante atendendo uma encomenda e não obstante o inútil lado "mad", o prejudicial tom de "contestação marginal" de personagens e fraco fio de intriga, conseguiu dar uma demonstração de força singular, não só continuando (como em "Excitação") a dominar lindamente a iluminação como, principalmente, lembrar um William Witney ou um Ray Nazarro ao fazer vibrar e valorizar o impossível. Pois aqui temos a outra encomenda de que ele se desincumbiu antes até daquela fita mas que nos chega agora. No entrecho de Mauro Chaves pitadas de "Caçada Sádica" e de outros filmes: obscuro empregado (Luís Gustavo) que sem esperanças cobiçava a esposa (Sandra Bréa) de poderoso industrial (Roberto Maya) é raptado por um grupo de encapuzados juntamente com a mulher de seus anseios e vem a ser encerrado, ambos quase desnudos num galpão longínquo e ignorado. Esperemos que Reichenbach repita a façanha."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/03/79.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

A NUDEZ DE ALEXANDRA ("UN ANIMAL DOUE DE DERAISON")


"Com "As Quatro Estações do Amor", "Natercia" e "Le Bel Age", Pierre Kast demonstrou que tinha condições para ser aquilo que todos os francófilos do cinema - aguerrida legião nos anos de antes, durante e logo após a última guerra - viviam apregoando adorar e deveriam ter realmente adorado (embora não tenha sido isso o que aconteceu). Ou seja, Kast nesses filmes, conquanto não deixando de evidenciar influência de Lubitsch e de Antonioni, revelava-se o mais essencialmente e o mais não-emocionalmente francês de todos os diretores franceses. Ele entretanto, parece ignorar essa sua faculdade e via de regra comporta-se como se quizesse emular Tom Payne e Marcel Camus. Aqui trata uma história que se passa no Rio e envolve e mistura dois planos, duas épocas: a atual, a tipo "Copacabana-Leblon-Ipanema" e outra onde se situam figuras e ambientes do Brasil-colônia. O personagem central é um empresário francês (Jean-Claude Brialy), às voltas com as suas concepções de um Brasil entre Chico Buarque de Holanda, a praia, o Canecão, as "elegâncias" da Avenida Nossa Senhora de Copacabana e o tropical, idilico, semidesabitado e jamais poluído paraíso das gravuras de Debret. Aliás, já nas fotos enviadas para publicidade é possível ver o que o talento e o bom gosto, a visão pessoal de Kast conseguiram, transformando em águas-fortes e em bicos-de-pena até mesmo os esteriótipos deficitários de Jece Valadão e Hugo Carvana. Claro que Alexandra Stewart não depende do intelecto e do pulso de Kast. Mas aqui está um filme a verificar e que tem ainda uma outra boa coisa: não foram feitas as infamantes e impossíveis dublagens - os atores brasileiros falam português e os da França, francês, e as legendas providenciam a tradução conforme a fita se exiba lá ou aqui. Até que enfim uma lição começou a servir!"

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/02/77.

sábado, 9 de junho de 2007

CIDADÃO KANE ("CITIZEN KANE")


"Mais uma oportunidade (a televisão e os cine-clubes têm dado exaustivamente, a maior parte delas, a primeira porém com o inconveniente vexatório da dublagem) para o exame ou reexame deste filme, atualmente, talvez, o mais louvado e o mais famoso da História do Cinema. Quando aqui foi originalmente lançado (antigo Cine Bandeirantes, 18 de setembro de 1941), estava-se em plena guerra, não havia a segurança oracular de uma prévia consulta a crítica estrangeira e, assim, aqueles poucos que ousaram compreendê-lo e aplaudi-lo, no mínimo foram taxados de louco, cultura Coca-Cola, imaturos etc. Mas após seu lançamento tardio em Paris, com o derrame de elogios e literatura da crítica francesa, aí então já não havia mais dúvida: tratava-se mesmo de uma obra ímpar, de tudo aquilo que os europeus estavam apreciando. De qualquer maneira, a obra posterior de Welles e exibições especiais anteriores a primeira "reprise" de "Kane" no Cine Picolino (26 de agosto de 1965) suscitaram controvérsias e posições opostas entre muitos dos que, em 41, haviam ousado gostar da película e todos aqueles que já então não mais podiam deixar de apoiar irrestritamente uma película que a crítica mundial corrente (a mesma que sempre fala em "Potemkin", "A Grande Ilusão", "Ladrões de Bicicletas", "Luzes da Cidade" etc.) agora consagrava. Como Resnais, que depois do "boom" inicial de "Hiroshima" e "Marienbad" nunca mais pôde sustentar a mesma mítica (e ao contrário de Antonioni, que agora com "O Passageiro: Profissão Reporter" - que por sinal, desde ontem voltou à exibição, no Cine Biarritz - parece ainda maior do que no tempo da trilogia "La Aventura" - "La Notte" - "L'Eclisse" ou de "Blow-Up"), o fato é que urge uma análise diversa do surgimento de Welles e sua primeira obra, de seu teor de americanidade e do teor de sua forma e de sua revolução visual e sonora. E aqui está, como dissemos, mais uma oportunidade (a fita, aliás, a 8 de julho de 68, teve uma "reprise" meio clandestina no Cine Can Can, além de ter sido reexibida pelo "Cinema de Arte Bijou" em várias outras ocasiões)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" em 29/08/76.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

VIOLÊNCIA E PAIXÃO ("GRUPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO")

"O penúltimo filme de Visconti, o filme que "rodou" quando já estava gravemente enfermo e sentindo o seu fim próximo. Talvez uma obra premonitória e eivada de um clima de desintegração e do inevitável, o mesmo clima que ele tentou, não soube compreender (e portanto recriar) em "Gotterdammerung-La Cadutta degli Dei" ("Os Deuses Malditos"), mas realizou-se mais com "Morte em Veneza". De "Ludwig, a Tragédia de um Rei" não se pode falar autorizadamente porque a fita aqui nos chegou insultuosamente reduzida e mutilada. "Grupo di Famiglia in un Interno" - sugestivo título - coloca um "leit motiv" caro ao diretor (veja-se "Ossessione", "Senso", "Rocco", o roteiro de "La Giornata Balorda", o episódio com Romy Schneider em "Boccaccio 70", "O Leopardo", "Vaghe Stelle dell'Orsa", o episódio de "Le Streghe", "O Estrangeiro"), ou seja o problema da decadência, desvendado num "andante" dorido, passivo, numa auto-imposição de mutismo, de múltiplos conflitos interiorizados. E sobretudo, num alarde de forma, num quase ritual à beleza da reconstituição de época, das imagens, do estilo e do resultado global. Uma ópera, uma Catedral ideais, como Visconti certamente exultaria. E com o cineasta e a exemplo do felicíssimo momento com Pasolini em "Teorema", dando o melhor exemplo desse culto de Visconti à beleza expressiva, como em "Le Streghe" e "Morte em Veneza", mais uma vez tratadíssima por sua direção, Silvana Mangano reaparece mais uma vez transfigurada em grande dama, em figura cinemática inesperadamente bela e sugestiva. Um dos raros grandes lançamentos da temporada, uma película a ser vista, sem dúvida alguma."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/10/76.