domingo, 26 de agosto de 2007

A VIRGEM E O BEM DOTADO

"Erotismo varzeano ou comédia pornô, única opção que a culpabilidade geral, interesses também generalizados, a própria falta de criatividade ou um espírito de revolta impõem ao cinema paulista. Há outras coisas, pornôs também, mas a ninguém interessa remexê-las. E aqui temos novamente o polonês Edward Freund, um dos melhores tipos de nosso cinema e, iluminador-operador, montador, diretor, roteirista, parcial produtor de muitas potencialidades, mais uma vez aceitando o destino. Desta vez, a história de um operário da indústria automobilística que sempre teve sorte com as mulheres. Mas ao apaixonar-se por uma virgem convicta e irredutível, acaba ficando famoso ao inventar uma gasolina à base de água e Sonrisal. A partir daí é que consegue resolver o seu problema. Além de Freund e seus sete fôlegos, gente que poderia render cinematicamente: Genésio de Carvalho, com seu tipo de monge tibetano, a bela italiana Rossana e o galã Villalonga, por exemplo."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/04/81.

PALÁCIO DE VÊNUS

"Uma tarde e uma noitada numa "luxuosa" casa de mulheres, com vários dramas entrecruzados e caracterizados. Com cuidados visuais que lembram as mascaradas de Abel Gance na versão colorida de "La Tour de Nesle", feita em 1954 com Silvana Pampanini, as "reminiscências" de Carlos Hugo Christensen no nacional "Enigma Para Demônios", a fita é a mais bem lograda do diretor Ody Fraga em sua recente fase, com excelente (como sempre) fotografia de Cláudio Portioli, cuidada produção de Manoel Augusto de Cervantes. No elenco, a atenção maior foi para as atrizes, com Lola Brah quase que auto-emulando seu papel e interpretação em "Pensionato de Vigaristas", mas os resultados de espontaneidade e justeza de tipo vão para os atores como Arthur Rovedeer (o jovem e perfeito "tira"), o galã José Lucas (o gigolô do Sul) e Marco Ricciardi (o cliente sôfrego)."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/03/81.

domingo, 19 de agosto de 2007

MARILIA E MARINA

“A estréia na direção do “longa-metragem” de Luis Fernando Goulart, elemento que entretanto já é veterano do “metier”, com 15 anos de atividades cinematográficas e também sete em teatro, tendo participado (como assistente de direção ou encarregado de produção) em cerca de uma dúzia de películas, bem como de vários “curtas” e documentários. Não obstante sua origem, formação e atuação no “Cinema Novo” este seu filme tem, de início, a vantagem de não se submeter à corrente apenas “polêmica”. Não que a contestação social ou o empenho político não sejam válidos em cinema. No exterior frequentemente é. Nos anos 20 e 30 constituiram, por exemplo, a glória de King Vidor. Em 36, na Metro, permitiu ao alemão refugiado Fritz Lang realizar um clássico da contundência de “Fúria”. E tem exemplares da maior nobreza como “Tri”, do iugoslavo Aleksandar Petrovic, como as obras-primas húngaras de Jancso, os filmes poloneses de Wajda ou Kawalerowicz. Mas aqui no Brasil, via de regra exteriorizam uma “moléstia infantil”, quando não são “pose”, imaturidade, maneirismos ou, sobretudo, suposto golpe “comercial”. Portanto, vejamos no que deu esta procura da crônica do dia a dia de duas mocinhas pobres (Kátia D’Angelo, Denise Bandeira) de um bairro carioca que foram criadas pela mãe viúva (Fernanda Montenegro) que só vê para as filhas a tábua de salvação de um casamento rico. As figuras não são tão assim do século passado, pois uma das moças, Marina (Denise) se comporta exatamente como a estupidamente revoltada moça rica de “A Flor da Pele” que a própria atriz interpretaria depois desta fita, mas seria exibida antes. Segundo informes o diretor Goulart – antecedentes rossellinescos à parte – é também um apaixonado do cinema de imagem, de ritmo, introspectivo, atmosférico. Vejamos.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 24/04/77.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

A GUERRA ACABOU ("La Guerre est Finie")

“Resnais depois do impacto de “Hiroshima”, da revolução narrativa de ‘Marienbad”, que lhe criou (e também a outros) um impasse que realmente só anos depois seria resolvido por Carlos Saura (com “Cria Cuervos”, até culminar com “Elisa, Vida Minha”), pelo alemão Michael Hanecke com “Três Caminhos Levam ao Lago”, e pela francesa Marguerite Duras, excepcional no arrojo de linguagem e poesia, com India Song. E, honra nos seja feita, até nosso Jair Correia se saiu com grande garra do referido problema, misturando sonho com realidade, e premonição que escapa de um sonho para materializar-se em outros fatos, outras pessoas e outros pesadelos nesse singular “Duas Estranhas Mulheres”, que por sinal nenhum de nossos circuitos colocou em alguma sala mais viável, da Avenida Paulista para cima. Voltemos, porém, a Resnais: antes deste La Guerre ele havia feito o aqui comercialmente inédito “Muriel” (63) e depois “Eu te amo, Eu te amo” (67), “Stavisky” (73). Mas só voltaria a “preocupar” em “Providence” (77) e, principalmente, “Meu Tio da América” (81). Aqui temos uma indagação humano-política, com o impasse dos veteranos ativistas da revolução espanhola, em face de um aparentemente monolítico perdurar franquista e a uma Espanha de gente que não viveu aquele tempo e que então (voltas de 1966) parecia só preocupada com os dividendos de uma sobrevivência à custa do turismo estrangeiro. O entrecho foi escrito por um real refugiado espanhol, Semprun, quase em idêntica condição ao personagem interpretado por Yves Montand. Mas e agora, com a nova Espanha, a Espanha que até mesmo Franco encaminhou, destinando o poder a esse surpreendente Juan Carlos, a atual Espanha de Saura, só para dar um fácil exemplo, que significação se revestirá o compulsivo e melancólico desajustamento do herói resnaisiano? Contudo, uma nova e grata perspectiva hoje a fita adquire, um valor que a época de seu lançamento paulistano (26 de janeiro de 68, no então ainda não dividido Belas Artes) talvez tenha passado a todos despercebido: a “ponta” do atualmente conhecido e justamente valorizado Michel Piccoli, como um enigmático inspetor de fronteira.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 27/06/82.

domingo, 5 de agosto de 2007

A MULHER SENSUAL, Ex-NOVELA DAS OITO

“De onde o produtor, editor, importador, distribuidor, produtor e argumentista Álvaro Pacheco tirou a idéia para esta fita? E qual o motivo – uma prática que os cariocas quase nunca utilizam – de importar da “notoriedade” do cinema paulista-pornô a ultimamente estrelificada e louvada Helena Ramos? De qualquer maneira, por uma dessas coincidências, a história tem laivos de todos aqueles expedientes utilizados para a promoção, a bilheteria e até a estranha apreciação “feminista” que fizeram o forte de “Mulher Objeto”, com a mesma Helena, mas, ao que lembramos, realizada depois. Pois esta fita aqui, embora já estivesse pronta desde meados do ano passado, mesmo no Rio só foi lançada em março deste ano – aliás, com o título então presumivelmente comercial de “Novela das Oito”, agora mudado, para o lançamento paulista. A ação diz penetrar os escusos e enganosos bastidores e competições do mundo da telenovela, com Helena no papel de uma famosa “estrela” da modalidade e mais uma vez com problemas de irrealização sexual, matrimonial ou não. A julgar pelas fotos expostas nos stands, parece que o diretor Calmon (de cujo gosto visual, o bonito, mas incompreendido e irregular “Revólver de Brinquedo” já nos deu boa amostra), “tratou” a instável atriz e tipo até com ângulos bonitos, sem aquele empertigamento à la “Maria Felix” que é um dos seus maiores óbices. Tomara. Mas no elenco as garantias maiores estão, é claro, com a maravilhosa Monique Lafond, com o natural Flávio São Thiago e o excelente Otávio Augusto.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 29/11/81.

AS SEIS MULHERES DE ADÃO

"Novo exemplo da autosatisfação "estrelística" de David Cardoso. Mas o importante é que o ator (que estará sempre acorrentado ao seu tipo juvenil) este ano obteve três êxitos comerciais ("A Noite das Taras", "Aqui, Tarados!", "Pornô"), nos quais deu provas de uma habilidade que seria maravilhosamente profícua para nosso cinema, caso voltada para outras diretrizes mais empenhadas - e revelou-se hábil e fluente diretor nas duas primeiras - volta a dirigir. E estamos torcendo que, excluindo o granguinholesco e discutível apêndice final (no episódio do pasteleiro chinês em "Aqui, Tarados!") e mesmo desta vez não contando com o carisma de Arthur Roveder (no episódio do marinheiro, em "A Noite das Taras"), ainda assim aqui ele torne a repetir a façanha."


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/11/81.