sábado, 3 de outubro de 2009

A BOFETADA (“La Gifle”)


“O folheto publicitário diz que o filme o ganhou em 1974. Mas para falar a verdade temos até medo de uma honraria como esse “Louis Delluc”. Os franceses inventaram Brigitte Bardot, tem Jeanne Moreau mas também quanto brilhante falso, quanta teoria perniciosa que eles mesmos nunca quiseram pôr em prática mas jamais hesitaram em impor para desastre externo (haja visto a mania por “revoluções” em que os países dos outros servem de cobaia, haja vista as primeiras, nefastas e farisaicas críticas que “lançaram” nosso “cinema-novismo”). Aqui temos um homem incrível, maravilhoso, terno, sensível, exigente e cômico...que dá conselhos e dá bofetadas...que está sempre arrancando os cabelos e correndo atrás de sua filha...(sic). E esse homem é nada mais, nada menos que o vulgar e medíocre Lino Ventura! A filha é Isabelle Adjani, aqui num papel antes do seu superestimado “Adele H”. Annie Girardot é a primeira esposa, mãe de Isabelle e que agora vive na Austrália com um inglês encantador (sic) e por cujo “exílio” Isabelle, muito à moderna e muito fora de hora, se rebela. Há ainda o namorado cômico, que Isabelle passa para trás em prol de outro, que é “motoqueiro”...Em meio a todo esse tipo de problemas de gente que não tem problema, talvez o único papel humano seja o da antigamente ótima Nicole Courcel, que sofrida e calada mitigou a solidão de Lino e adotou a “enteada”. Enfim, “le douce cinema français” em seu auge. Pode ser e pode não ser...”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/03/78.

UMA NOITE NO ANO 43 ("L'Ironie du Sort")


“Com “Perversidade Satânica” (“Le Dos au Mur”) o “oriundi” Edouard Molinaro, um dos precursores da “Nouvelle Vague”, ao estrear na longa-metragem logo se revelou diretor maduro, seguro, que procurava o clima e sabia como consegui-lo e sem mais recorrer aos deslumbramentos “virtuosísticos” de ângulos e movimentação de câmera que limitavam seus passos anteriores no terreno dos “curtas”. E logo foram se seguindo ou entremeando, numa carreira que ele mesmo fez questão de declarar sem obsessiva preocupação de “autorias”, outras obras valiosas: “Broto Para o Verão”, “Lupin Contra Arsene Lupin”, “A Estranha Morte de Belle”, o episódio de “Os Sete Pecados Capitais”, “Caça ao Homem”, “Meu Tio Benjamin”, “Ela Agora Deseja” (“La mandarine”) e o próximo “Le Telephone Rose” que, tudo indica, deverá dar ótima oportunidade ao inglês Michel Lonsdale, um dos melhores atores do atual cinema francês. Aqui temos uma história que lembra “Les Jeux sont Faites” (assunto de Sartre transformado num filme francês de Jean Delannoy em 1947 e mais outro dos que nunca chegaram até este nosso inefável “paraíso exibidor”) e lembra também o recente “A Porta entre o Ódio e o Medo” (“Les Guichets du Louvre”), de Michel Mitrani. A ver, claro.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
09/04/78.

Cena de "Meu Tio Benjamin":

A GARAGEM ("Garaget")


"O décimo segundo filme do inconformista e corajoso Vilgot Sjoman, de quem aqui só vimos (e com um atraso enorme) o primeiro, “A Amante Sueca” (“Alskarinnan”). Os demais, sobretudo os realmente polêmicos e ousados “Syskonbadd” (“Minha Irmã, Meu Amor”), 67, e o diptico “Eu Sou Curiosa, Amarelo”, 68, e “Eu Curiosa, Azul”, 69 (as cores da bandeira sueca) ninguém sequer pensou em importar para este “segundo paraíso exibidor do mundo”, pois todo mundo sabia que jamais passariam pela censura. Agora, depois desse interregno e esse desconhecimento de uma obra e um autor dos mais importantes do cinema moderno (desconhecimento que não se deve só às causas que todo mundo “interessado” finge acreditar serem as únicas fontes de obscurantismo intelectual e ético em que soçobramos) chega-nos esta simples história de adultério e duplo crime. Que aliás não é simples nem comum como aqui logo diriam de qualquer filme brasileiro não enquadrado no falso regional ou na “festividade” – mas densa, preocupante e significativa. No quarto papel do elenco, a nossa conhecida Christina Schollin de “Querido John” e do bergmaniano “Não há Mais Inocentes”. Provavelmente um dos filmes importantes da temporada. Obrigatório.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
21/05/78.

Cena final de
"Syskonbadd":

FANTASIA


"A décima apresentação deste clássico de Disney, certamente a obra mais ambiciosa da carreira do criador do Camundongo Mickey, esta visualização da música erudita que utiliza composições de Bach, Beethoven, Schubert, Tchaikowsky, Ponchielli, Moussorgsky e os modernos Dukas e Stravinsky. Aqui originalmente lançada a 26 de agosto de 1941 no mais belo e luxuoso cinema que o Brasil já teve (Rosário).
“Fantasia” foi depois já reprisado em 48, 50, 52, 54, em maio de 60, abril de 69, dezembro de 70 e agosto de 72. Fischinger, embora despedido logo no inicio, influencia com o seu insuperável tom de vanguarda e toque de genialidade e concepção animada do “Tocata e Fuga em Ré Menor”, de Bach, Stephen Bosustow, o criador do Mr. Magôo, também colaborou na sequência de “Uma Noite no Monte Calvo” e o “facies” único de Bela Lugosi serviu de modelo ao terrível bruxo de “O Aprendiz de Feiticeiro” e ao demônio-mor do “sabbath” na citada criação de Moussorgsky. E Mickey Mouse, como o aprendiz faz logo compreender por que milagres de carisma ele da noite para o dia se tornou mundialmente popular na década de 30. Uma realização “hors concours”, sempre a ver e/ou aplaudir.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 08/10/78.

O BOM MARIDO


"Com toda a sua segurança e “aplomb” de cineasta formado na “sociologia” e na “cinema-novice” Antonio Calmon andou fazendo as habituais declarações de ufanismo convicto, dizendo que seu filme anterior, “Gente Fina é Outra Coisa”, não era “pornochanchada” e sim uma “comédia de costumes e observação social”. Claro que tal não ocorria e Calmon (que havia começado demonstrando talento, mas não tão devidamente integral em “O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil” e sofreu um baque logo no seguinte “Paranóia”) volta agora com esta fita dirigida para o mesmo especializado produtor de “Gente Fina”...(o comercialmente triunfante Pedro Carlos Rovai). E volta contando, aproveitando, expondo, explorando as previamente planejadas, mercantis e mutuamente consentidas promiscuidades de um casal moderninho (Pereio-Maria Lucia Dahl), disposto a tudo para brilhar e viver à larga no “society” carioca. Outro “Gente Fina...”? Ou uma confirmação das parciais promessas de “Capitão Bandeira”? Ou talvez ainda um “compasso de espera” para a possível “reussite” do penúltimo filme de Calmon: o ainda inédito e já quase encalhado “Revólver de Brinquedo”? Só vendo verificando...”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
08/10/78.

O MONSTRO DE SANTA TEREZA


“Um voto de louvor ao Sr. Odecio, da filial paulista da CIC, que em boa hora resolveu quebrar a praxe e desencalhar este filme. Que foi selecionado e aprovado para co-produção pela Embrafilme em 1974 (gestão Farias, Gustavo Dahl, etc.), terminado no ano seguinte e só em 78 lançado em Brasília e no Rio (agosto do mesmo ano). Mas que aqui estava destinado a ficar na prateleira enquanto que a distribuidora da Embrafilme e os exibidores, em média, ficam-se deixando levar pela lei da inércia (no melhor dos casos) e vão cumprindo datas em salas que deveriam ser obrigatoriamente lançadoras com fitas em segunda, terceira ou mais visões. E os problemas do cinema brasileiro vão-se acumulando, só determinados filmes e realizadores são beneficiados, e a coisa continua por ai. Este baseado em original de Josué Montello, é a obra mais esforçada do diretor Cobbett, o que não quer dizer muito (foi ele o autor dos inomináveis “Jesuino Brilhante, o Cangaceiro” e “Uma Tarde, outra Tarde”) mas sempre é algo a mais. Na história, uma distorção de humor negro e sarcasmo, bem à imaturidade e deslizes de gosto de nossos cineastas e encenadores. Gira sobre um casal de noivos pertencentes à baixa e medíocre burocracia, piorado pelos complexos de Édipo do homem e o desespero extremado da progenitora.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/05/80.


MAURICE PIALAT


“As estréias regulares não primam pela ambição, mas no plano das exibições especiais a nota será dada, amanhã e depois, na “Aliança Francesa”, com a apresentação de duas direções daquele que é considerado, por jovens cineastas e estudiosos paulistanos, a figura mais lúcida e um dos mais legítimos cineastas do atual cinema francês: Maurice Pialat."

L’ENFANCE NUE (“A Infância Nua”); NOUS NE VIEILLIRONS PAS ENSEMBLE (“Nós não Envelheceremos Juntos”)


“Em verdade, oportunidade auspiciosa para conhecermos oficiosa mas conscientemente Maurice Pialat, cineasta ao que parece raro numa época de mistificações como esta. Um talento elogiável é o oposto das “godardices” e oportunismos, na gravidade do estilo e na seriedade e nenhuma concessão à popularidade e facilidades modernosas e pseudo-contestadoras da visão que tem do cinema francês e do cinema
em geral. Seu L’Enfance Nue, parece que a própria “Aliança” já o apresentou há uns três anos, porém poucos viram e, menos ainda, o notaram devidamente. Mas este Nous ne Vieillirons Pas Ensemble aqui é inédito, não só comercialmente como também em especiais, exibições de cine-clubes, embaixadas, etc.(...). Um conjunto de exibições elucidativo e altamente recomendável.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/05/81.

INDIA SONG


“O panorama seria sinistro caso a programação especial não continuasse redimindo o cinema. “Leonor”, de 74, exibido terça no MIS, tem ambientação, mas o filho de Buñuel, Juan, não tem criatividade cinematográfica e o filme, não fosse a presença de Michel Piccoli, dificilmente seria menos que inútil. Mas a extraordinária surpresa, se é que se pode chamar de surpresa, uma obra de domínio e sensibilidade impar, escrita e dirigida por Marguerite Duras, foi “Índia Song”, que o mesmo MIS mostrou quarta. A autora de “Hiroshima”, “Moderato Cantábile”, revela-se uma cineasta com um pulso como poucos diretores homens podem gabar-se. E, ao mesmo tempo, de uma sutileza e características só concebíveis na visão de uma grande e verdadeira mulher. “Índia Song”, um dos filmes mais ousados e desafiadores do cinema, é inacreditavelmente importante. Neste ano, só mesmo Saura com “Elisa, Vida Mia” e o alemão Michael Haneke com “Três Caminhos Levam ao Lago” contribuíram com algo que se lhe compare. A fita foi realizada au féminin, com várias Evas na equipe. Mas, embora sobre a complexa e suicida personagem de Delphine, a diretora tratou Michel Lonsdale de uma maneira tão distante e tão compreensiva que o trabalho do extraordinário ator anglo-francês é qualquer coisa de único: algo assim como os mitos de Emil Jannings em “O Anjo Azul”, o desejo de Albertazzi em “Marienbad”, e a ubiqüidade e a capacidade de comunicação (a palavra em seu anterior e verdadeiro sentido) de Bela Lugosi em “Drácula”.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/07/81.

AS NINFAS INSACIÁVEIS


“O “orientalismo” do chinês John Doo já tem dado margem a alguns acertos: “Ninfas Diabólicas”, o episódio “O Gafanhoto” em “Pornô”. E, às vezes, mesmo quando ele é só ator – caso do episódio do pasteleiro em “Aqui Tarados” ou desse surpreendente, excepcional e obrigatório “Duas Estranhas Mulheres”, ainda em cartaz no circuito Art-Palacio. Agora Doo volta ao seu “penchant”, mas em produção que teve alguns percalços, ao que parece mais de edição. Reportando ao êxito de “Ninfas Diabólicas” aqui são quatro estranhas universitárias (?) (a abusada Zilda, a verista Alvamar, a deliciosa Tânia e a fugidia Nadia), que justiçam um bando de contrabandistas que havia atacado as duas filhas (as menos conhecidas Nice Marinelli e Darli Pereira) do humilde pescador da região. Entre os “bandidos”, Vandi Zaquias, que em “Duas Estranhas Mulheres” confirma a personalidade e talento já deixados entrever em “Devassidão, a Orgia do Sexo”. "

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
06/06/82.

NICÓLLI (?), A PARANÓICA DO SEXO


“O título tresanda a analfabetismo, “avis” nada rara no “pornô-cinema” que se faz da “Boca” para o fim dos entroncamentos ferro-rodoviários que a originaram. Talvez para aproveitar a bilheteria que a atriz Nicole Puzzi obteve no gênero com “Ariella” e “Volúpia ao Prazer”, aqui a personagem (ouviu-se o galo cantar, mas sem saber onde...) foi rotulada de Nicólli (sic), nome que não existe em francês, italiano ou inglês, espanhol ou sequer em português da Bahia. E a dita cuja é uma moça do interior, filha de fazendeiro, que envolve todos os homens que pode só para dar vazão à uma sanha assassina. O astro Flavio Portho deve ter sido chamado a cooperar na direção a fim de garantir a “assessoria técnica”, já que participou de vários filmes e dirigiu um. A picante Tânia Gomide está de chamariz mas tem só uma mera ponta.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/06/82.

DESAPARECIDO, UM GRANDE MISTÉRIO ("Missing")


"De 1933 a 1935, Fritz Lang, fugindo do nazismo, tentando encontrar solução na França, afinal encontrou abrigo e trabalho contínuo e condizente nos Estados Unidos. E afinal, convidado pela própria e “burguesíssima” Metro, ali fez “Fúria”. Houve alguma insinceridade ou algum dolo, algum erro de visão, ou cálculo de oportunismo de sua parte? A história do cinema que o diga. Costa-Gavras, depois de “Z”, “Sessão Especial de Justiça” ou “Estado de Sitio”, desta vez não contando nem com Irene Papas-Renato Salvatori, nem com Michel Lonsdale, nem, outra vez, com Salvatori, como nos três filmes acima. Nem fez uma (até incoerente) incursão pelo anti-stalinismo como aquela, fugaz, de “A Confissão”. E o resultado é este “Missing”, que até ganhou Palma de Ouro e prêmio de ator para Jack Lemmon em Cannes, é este “Missing” que até parece glosa a Agnès Varda (“Le Bonheur”), piada com Emil Jannings ou Raymond Burr (Lemmon) ou arremedo a Rosalind Russell, quando no terreno da “sophisticated comedy” (Sissy Spacek). Será que Costa está cultivando o tipo “divertissement”?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/08/82.

O SONHO NÃO ACABOU


"Uma juventude de Brasília, que mais parece certa juventude de Copacabana-Ipanema-Leblon ou do nosso terceto USP-Rua Augusta-Bixiga, liberadíssima e só muito tardiamente preocupada com teto, dentista e feijão-com-arroz, mas mesmo assim “revoltada” porque o seu tempo (a década de 70) era sombrio e ela vivia querendo esquecer, fazendo do presente o passado, mesmo porque ainda há muito político da antiga dobradinha ou “mood” PSB-PTB insistindo que esse nefando passado sequer existiu. Fita bem feita, em “andante” bem “hippie à brasileira”, alguns toques de poesia e muitos de “doce insolência”, que, aliás, não condizem e até são conflitantes entre si, e com a temática, os personagens e os problemas (ou com os personagens problema?). Revolta “angry”? Ou “estudantadas”, ou “mocices”, como se diria nos tempos de Álvares de Azevedo, Coelho Neto ou Arthur Azevedo?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/08/82.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

OS MENINOS ("Quien Puede Matar a un Niño?")


"Claro, não vamos falar nas infantas de Velasquez. Mas tanto a literatura mediana, como o teatro e o cinema comerciais e mesmo o jornalismo imediatista espanhol (isso para não lembrar seus segmentos hispano-americanos) sempre fizeram sentimentalismo e até extrema demagogia com a criança e seu mundo. Pois é a criança, e seu universo mágico, indiferente ou terrorífico, que vem servindo para que o cinema da Espanha dê uma arrancada tão plena de maturidade artística e tão surpreendentemente ousada no plano humano e político, como vimos em "Cria Cuervos", de Saura e "O Espírito da Colméia", de Erice. E ao que parece agora com este "Quien Puede Matar a un Niño?" uma outra terrificante alegoria à loucura do mundo moderno. Na história um casal estrangeiro - a mulher grávida - fica isolado numa ilha habitada somente por meninos, que como aqueles do filme inglês "A Aldeia dos Amaldiçoados" ou como "Os Pássaros" de Hitchcock estão dominados por estranha e niilista sanha assassina. A fita foi considerada pela crítica francesa como a melhor de 1976. E pelo "Variety" norte-americano como a mais inquietante do cinema espanhol em muitos anos. O diretor, Narciso Ibañez Serrador, era um dos mais conceituados atores da fase mais próspera do cinema argentino. Uma obra a verificar, obrigatoriamente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/02/79.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O GRANDE DESBUM


"Quase uma transcrição da peça de Martins Penna, tal como a encenou Antonio Pedro no teatro carioca e com esse trabalho ganhando o Prêmio Moliere. O encenador dividiu a direção cinematográfica com Braz Chediak, que com ele fez também o roteiro. Parece que estamos diante de teatro filmado, mesmo porque Chediak para a façanha, ao contrário de "Navalha na Carne" não contou com a presença carismática de Glauce Rocha. A peça original "As Desgraças de uma Criança", apesar de seu tom farsesco foi tratada por Penna com a seriedade de 1887. É isso que lhe dá sabor: as sombras sagradas de Labiche ("O Chapéu de Palha da Itália") e Beaumarchais ("O Barbeiro de Sevilha") não podiam deixar de estar presentes. A jovem senhora Rita (Tessy Callado) vai à Missa do Galo e deixa a aia Madalena (Marília Pera) tomando conta de seu bebê. Mas a aia igualmente quer espiar a festa e deixa seu amante Pacífico (o próprio co-encenador Antonio Pedro, também ator e, aliás, bom como tal e como tipo) vigiando a criança. Esta estranha e chora. Pacífico então veste-se de mulher para que ela o tome pela aia e fique calma. Aí chega Manoel Igreja (Ney Latorraca), que supondo que Pedro é Marília tenta seduzí-lo. Complicam-se então os qui-pro-quós, bem na linha dos séculos 18 e 19. Resta saber agora se todo este rosário de implicações e decorrências, no atual impasse em que está o cinema nacional, foi levado a termo da maneira conveniente."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/02/79.

GOLPE DE ESTADO À ITALIANA ("Vogliamo i Colonnelli")

"Apesar de um tanto atrasada e apesar de não sermos fanáticos por Monicelli, sempre ele tem mais obras interessantes em seu ativo que os outros diretores da semana. Por exemplo, os episódios de "As Rainhas" e de "As Bruxas", o humor "cafone" de "La Ragazza con la Pistola", o bom aproveitamento de Anna Magnani em "Risate di Gioia", os prêmios de "Os Companheiros", a "onda" feita em torno de seus dois "Brancaleone". Aqui Monicelli faz uma sátira talvez não maldosa, mas bem observada, aos golpes de estado, ao golpe dos coronéis gregos em particular. Na história, Tognazzi parece ser Grifoni, um deputado que tenta reunir vários oficiais reformados para abocanhar o poder. "Volpe Nera" (Raposa Negra) é a senha, mas o plano fracassa bem "à la buffa"; e à Tognazzi outro remédio não resta senão tentar exportá-lo para outros países, na esperança de que em algum deles funcione melhor. Não é co-produção, mas, no elenco central estão dois elementos do cinema francês: - o antes ótimo François Perier e o sempre quase canastrão Claude Dauphin. Verifiquemos."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/04/79.

CORAÇÃO DE CRISTAL ("Herz aus Glas")


"Depois de tantos filmes realmente políticos, humana e artisticamente empenhados Werner Herzog não precisa provar talento nem sua sinceridade de engajamento. Mas a crítica internacional e mais a nacional, viciadas como estão nesse tipo de máfia para o sossego e a garantia de acesso a honrarias e bem remunerados postos de comando (acrescidos ao vezo de querer sempre participar das cristas da onda, dos blocos do poder e do consenso comum e de ser a celebrada "maioria compacta", enfim) parece que andou lhe cobrando essa prova inútil e até ridícula a propósito desta fita, na qual ele, inspirado no folclore e nas legendas bávaras, faz uma espécie de arqueologia e ao mesmo tempo premonição ou avaliação de um apocalipse que, pelo visto, está próximo. No mínimo, o apocalipse da ética e da cultura que a humanidade criou ou acumulou desde que começou a raciocinar. Claro, o assunto não é para o eterno otimismo festivo, mas preferimos acreditar no cineasta de "Aguirre, a Cólera dos Deuses" e "O Enigma de Kaspar Hauser" e procurar as relações que esta sua fita poderá ter com o grande romantismo alemão e com o mergulho na poesia elemental que lembramos do realmente excepcional "Das Blaue Licht" ("A Luz Azul"), o famoso e aqui comercialmente inédito "filme de montanha" que Leni Riefenstahl dirigiu em 1932. A ver urgentemente e sem os famigerados "parti-pris"."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/04/79.

terça-feira, 14 de julho de 2009

PERIGO NA MONTANHA ENFEITIÇADA ("Return from Witch Mountain")

"Seqüência de "A Montanha Enfeitiçada" ("Escape to With Mountain"), a produção de Disney na qual um menino Tony Malone (Ike Isenmann) e sua irmã Tia (Kim Richards), dotados de poderes paranormais e de misteriosa origem - provavelmente vindos de outro planeta - caíam na alça de mira de um multimilionário (Ray Milland) e seu terrível empregado e acólito (Donald Pleasence) para que o potentado, utilizando os dois órfãos, conseguisse seu louco sonho de dominar o mundo. Claro, nessa primeira aventura os orfãozinhos eram ajudados e salvos pelo bondoso Eddie Albert. Aqui a coisa deverá ser mais séria, isto é os perigos mais tremendos e a salvação mais problemática. Não porque agora o "super vilão" é Christopher Lee, o pretenso êmulo ou sucessor de Bela Lugosi, que em vez personalidade de fato fascinantemente satânica do mítico ator húngaro mais parece uma velha moralista e digestiva "menagère". Mas sim porque sua comparsa é a eterna Bette Davis, sempre imbatível e implacável, se bem que este não seja o tipo de filme que ela ainda mereceria ter à sua livre escolha. Quem sabe ainda Hollywood acorde e resolva aproveitá-la em papéis na linha da Martha de "Quem Tem Medo de Virginia Wolf?" (que, parece, ela fez no teatro e queria repetir no cinema mas a preocupação com a bilheteria do momento fez com que entregassem à ineficácia Elizabeth Taylor). Ou ao papel de Clara em "A Visita da Velha Senhora" que confiaram a uma Ingrid Bergman bela, doce, simpática e ainda jovem demais no filme de Bernhard Wicki. Enfim, pela primeira vez, excluindo é claro os casos das figuras animadas da madrasta de "Branca de Neve" e da Madame Medusa de "Bernardo e Bianca", pela primeira vez numa fita de Disney o principal, o toque melhor deverá ser dado por uma personagem má."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/04/79.

O IMPORTANTE É AMAR ("L'important C'Est D'Aimer")

"Reabre-se finalmente o Cine Gazetinha. E, a julgar pelas referências da crítica francesa, de maneira louvável, com um filme muito elogiado e que deu o prêmio "Cesar", de melhor atriz do cinema da França em 75, a Romy Schneider. Ela aqui interpreta uma atriz fracassada, que sobrevive fazendo papéis aviltantes em filmes pornográficos, até que lhe surge uma possibilidade de reabilitação com bom papel ou peça teatral séria. A heroína agarra-se com todo o desespero à oportunidade, mas os obstáculos materiais, morais e afetivos que lhe surgem pelo caminho exigem esforço sobre-humano. O diretor Andrzej Zulawski nasceu na Polônia em 1940, formou-se pelo IDHEC em 1957 e logo mais já era assistente de seu compatriota e xará Wajda em "Sansão", "Cinzas" e no episódio de "O Amor aos 20 Anos". Na fotografia está o argentino Ricardo Aronovich, de importante atuação no nosso cinema com "Os Cafajestes" e "Os Fuzis". Segundo um crítico de Paris o filme significa "A aparição da inteligência no cinema comercial francês". Para outro é "uma obra-prima". No elenco, além de Romy, que de qualquer maneira com prêmios e elogios ou não, sempre foi maravilhosa, duas curiosidades: - a famosa atriz e modelo "pornô" Claudine Beccarie e o veteraníssimo Sylvain, que na versão silenciosa de "La Passion de Jeanne D'Arc" (realizada por Carl Dreyer, com Renée Falconetti e Antonin Artaud, em 1928, e a mais famosa de todas) fazia o terrível inquisidor reverendo Cauchon."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/05/79.

CHANTAGEM E CONFISSÃO ("Blackmail")

"Como aconteceu na programação de arte do extinto "Marachá-Augusta", já começa a dar seus frutos a ida de Álvaro Moya para a TV Tupi. Um dos sinais, este "Ciclo Hitchcock", que apresentará boa parte dos filmes inéditos da primeira fase inglesa do cineasta. Este filme, aqui comercialmente inédito (como os nove primeiro silenciosos e os oito primeiros sonoros do realizador de "Vertigo"), é de 1929 e a princípio foi "rodado" mudo. Mas veio o som e então a possibilidade de adicionar-lhe ruídos, música e falas. Acontece porém que a estrela, a alemã Anny Ondra, não sabia inglês ou não tinha suficiente dicção e assim foi "dublada" por Joan Barry, o que iria prejudicar-lhe a carreira na Grã-Bretanha. Anos depois ela se casaria com o boxeador Max Schmelling e voltaria a tentar a sorte na Alemanha. Juntamente com "The Lodger", de 26, "Blackmail" constituiu um dos dois maiores êxitos de Hitch nesses seus começos. Segundo referências críticas, o toque hitchcockiano já está bem palpável na narrativa. "Blackmail" vem "dublado", mas vem, ainda que com meio século de atraso e via a pequena tela da TV. Mas antes tarde do que nunca, e antes pouco do que nada. A ele, pois."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/06/79.

ESPOSAMANTE ("Mogliamante")

"Mas numa ótica atual, não há dúvida que a estréia mais satisfatória destes sete dias de cinema é esta nova realização de Marco Vicario, o antigo ator que se iniciou como diretor em excelente plano de exigência cinemática com "As Horas Nuas" (1964) mas logo no ano seguinte se afirmava quase que apenas mais comercialmente com uma aventura policial á italliana como "Sete Homens de Ouro". Aqui Vicario parece ter voltado um tanto ao clima de "As Horas Nuas", de permeio com semelhanças a obras de prestígio de outros colegas seus como Mauro Bolognini ("Ferramonti", "Per le Antidre Scale"), Patroni-Griffi ("Divina Creatura"), Monicelli ("Os Companheiros"). Na história, o desencontro de um casal. A mulher Antonia (Laura Antonelli), sente-se insatisfeita com o desinteresse do marido, Luigi (Mastroianni), negociante de vinhos, anarquista militante e mulherengo inveterado. Uma intriga política obriga Luigi a procurar passar por morto e se refugiar no sótão da casa de um vizinho, Vincenzo (Gastone Moschin). Ignorando que o marido esteja vivo, Antonia se liberta e passa a se redescobrir como mulher e, ao mesmo tempo, a descobrir as outras verdades sobre a existência e a personalidade do marido, até que um imprevisto põe novamente face a face o homem, derrotado, e a esposa, conscia de todo o seu fascínio feminino. A ação se passa no início do século e isso - segundo voz geral - permitiu um primoroso trabalho de reconstituição de época, todo um requinte de produção. Também segundo referências unânimes, o melhor filme de Vicario desde sua promissora estréia em "Le Ore Nude" e um dos melhores do cinema italiano nestas duas últimas temporadas."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/07/79.

HISTÓRIAS QUE NOSSAS BABÁS NÃO CONTAVAM

"A Cinedistri, que começou e cresceu sempre à sombra e ao deleite do fenômeno "chanchada", e "chanchada" preferível e principalmente carioca, só mesmo ela poderia ser a pioneira do gênero que, ao que parece, agora vai criar mais este seu "novo grande esforço de produção" - não uma "pornô-chanchada" como "O Bem Dotado" etc. mas um "pornô-conto-de-fadas" (como aliás já se andou falando em outros países). Aqui é Branca de Neve que entra em causa, aproveitando construção típica existente, não lembramos onde, e provavelmente parte das roupas e adereços de "Independência ou Morte" e do ainda inédito mas anterior "O Caçador de Esmeraldas". E assim temos uma Clara das Neves na pele da mulatinha Adele Fátima e sete anões "tarados" - sete não, porque um é muito doméstico e entra na ação para propiciar um final bem mais de acordo com as intenções da película cujo próprio folheto publicitário classifica de "sátira à brasileira", "repleta do mais requintado e autêntico humor...e que atinge em sua plenitude os padrões de qualidade das maiores produções internacionais" (sic). Uma coisa é verdade: na atual "conjuntura" de nosso inefável cinema, até que a fita tem uma propriedade, dentro de seus propósitos (ou devemos dar uma de "rebelde" universitário ou intelectual de "esquerda festiva" e falar em "proposta", em "espaço cultural", "nível de leitura" e outras gírias "transcendentes" que a cada minuto são inventadas para deslumbrar os "off" situacionismo "dolce vita"?): a mobilização de Meiry Vieira, com o seu tipo de vampiro-1927, de mulher-aranha ou viúva negra, inegavelmente adequada para a rainha perversa que manda matar a pobre enteada, não por inveja da beleza, mas porque ela poderá por-lhe em perigo o trono (isto é, o poder e dinheiro) e o príncipe encantado de quem é amante. Esta sim, uma tacada de mestre!"

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo", de 18/11/79.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

TARA, PRAZERES PROIBIDOS

"O tipo da história imaginada não para qualquer retrato ou tipo de observação ou aprofundamento, mas apenas para causar o impacto (sensacionalista) hoje considerado obrigatório pelos estrategistas da produção, distribuição, exibição e quem sabe algo além...Noiva (Mariclaire Brant) e filha (Patricia Scalvi) de um viúvo (André Lopes) "após algumas desilusões com homens, acabam se encontrando"...Para agravar a situação perigosos marginais, fugindo da polícia, invadem a chácara onde o estranho triângulo estava confinado, submetendo ao imaginável não só as duas moças como também a empregada (Tania Poncio), até que o caseiro (Alexandre Dressler) resolve reagir. E o final - feliz ou regenerador? - torna-se previsível. O diretor Castellini é o mesmo co-roteirista ou colaborador de alguns filmes do produtor Mansur e já estreou na direção com "As Amantes Latinas" (não confundir com o filme de Sidney Magal, também já exibido). No elenco, menção para Patricia Scalvi, que lembra Margaret O'Brien, Shioban McKenna ou Claire Bloom e que, apesar do tipo "mignon", tem o porte e "charme" de alguma específica atriz escossesa."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/12/79.

Patricia Scalvi, que agora é dubladora, falando de sua profissão.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O SEMINARISTA


“Uma surpresa. De certo modo o único filme “não torto”, o filme de emoções e proposições mais diretas e mais normais apresentado no último festival de Gramado. Uma revelação vinda de Geraldo Santos Pereira, que anteriormente com seu irmão Renato havia realizado “Rebelião em Vila Rica”, “Grande Sertão – Veredas” e “A Balada dos Infiéis”. A história deriva de uma obra romântica de Bernardo Guimarães (um Bernardo Guimarães longe, felizmente, dos desvios e exageros de “A Escrava Isaura”) e deu em resultado um filme que exceto algumas pouco graves assimetrias formais, uma abrupta, questionável e mal equacionada, ainda que intensa e bonita sequencia de amor físico no pré-final, tem belíssimos momentos de inspiração: a chuva que, separando materialmente, aproxima em sentimento os dois amantes, a caminhada de Louise Cardoso até a cerca carregando o cesto de roupas, a maravilhosa imagem da cabana sob a tempestade noturna com a palmeira fustigada pelo vento. Este nosso “O Seminarista” de certo modo lembra “Torgus” o estranho e impressivo filme alemão que Hans Kobe dirigiu em 1922. E o drama religioso, vindo do romantismo de Guimarães, na época atual adquire um tom de registro das restrições de um tempo, muito válido para tempos posteriores e para outros cerceamentos e imposições. No elenco, revelações com Eduardo Machado (que lembra o Paulo José do início em “O Padre e a Moça”) e com Louise Cardoso (que lembra também algo da Eliane Lage de “Caiçara”), uma caracterização fidelíssima ao espírito do tempo com Nildo Parente e um ou dois lampejos da maior essencialidade com o excepcional Xandó Batista de “O Predileto”. Um filme brasileiro reconfortante e obrigatório.”


Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 15/05/77.

MULHER PECADO (?)


“Filme da dupla Isabel Sarli-Armando Bó, que aqui esteve proibido pela censura por vários anos, como comprova a presença no elenco do elemento do nossos rádios, TV e teatro, Ciro Bassini, que faleceu em 16 de outubro de 1971. Isabel foi “Miss Argentina”, em 1955 ou 56 competindo com a brasileira Emilia Correia Lima e logo descoberta por Bó para o cinema. Isso com “El Trueno Entre las Hojas” (58), que no entanto aqui passou depois de “Sabalerod” (59). Prosseguiu com “Índia” (60), “Y el Demonio Creó a los Hombres” (60), “Favela” (de 61 e ao que parece o único em real co-produção com ou produção no Brasil), “Lujuria Tropical”, “La Leona”, “La Diosa Impura” (64), “La Mujer Del Zapatero”, “Los Dias Callentes” (65), “La Tentaciona Desnuda” (66), “La Señora Del Intendente”, “La Mujer de Mi Padre” (67/68). Depois vieram “Tentação Nua”, que nada tem a ver com a fita anterior de igual título original e que aqui passou devidamente remontada, enxertada e adaptada como fita brasileira em meados de 70 mas que, com o seu verdadeiro título e produtora (SIFA) argentinos, de “Extasis Tropical”, passou ao mesmo tempo em Nova York. E vieram ademais “Fogo” (“Fuego”), aqui em janeiro de 73; “Mariposa da Noite” (“Una Mariposa en la Noche”), aqui em 13 de dezembro de 1976; “Desejo da Carne” que não podemos saber qual é e nos chegou a 26 de dezembro de 1977. Finalmente, a 11 de dezembro do ano passado “Luxuria Tropical” que veio como sendo o lançamento retardado não de “Lujuria Tropical” mas sim de “La Mujer de Mi Padre”. Alguém pode entender o “imbroglio”? O fato é que a censura e as ligas femininas da Argentina vetaram os filmes do casal e embora eles façam sucesso comercial até na Inglaterra, a solução oficiosa ou passaporte são “rodagens” disfarçadas extras e/ou providenciais no Brasil ou Paraguai.”


Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 29/04/79.

ALCATRAZ, FUGA IMPOSSÍVEL (“Escape from Alcatraz”)


“O diretor Don Siegel é um caso raríssimo. Ao que lembramos assim de momento, o único na história do cinema que quarto de século após sua revelação – “Justiça Tardia” (“The Verdict”), Warner, 46 – após interregnos e filmes de algum ou nenhum interesse, reaparece e se firma com uma obra-prima absoluta, uma “reussite” até deslocada no contexto e na mediocridade estabelecida do ano (ou da década?) de sua realização: “O Estranho que nós Amamos” (“The Beguiled”) – Hollywood, 1971. É verdade que em 56 ele já havia obtido outro, mais pelo tema de “science fiction” – aqui no Brasil, praticamente impossível de ser aferido, pois à época de seu lançamento veio numa das mais típicas e sintomáticas cópias “hechitas en casa” – “Vampiros de Almas”. E, oito anos depois, fazia a refilmagem para a TV de um clássico de Siodmak, “Os Assassinos” (“The Killers”), tão apreciada que acabou adquirida para lançamento mundial nos cinemas de verdade. Agora de novo está Siegel de volta. É verdade que arcando com o peso da sociedade (compulsória desde o êxito da ajuda ou associação com o ator-produtor Clint Eastwood em “O Estranho”...). Mas talento é talento e sempre se poderá esperar algo do cineasta que aqui trata de misteriosa ou hipotética escapada dos únicos três convictos que talvez tenham conseguido fugir da ilha-presídio de Alcatraz, em seus 29 anos de sombrio funcionamento. Hoje, ‘Alcatraz”, fechada em 1963, está aberta à visitação turística desde 1973.”


Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 18/11/79.

A DAMA DO SEXO. É HORA DE SABER QUE SUA MULHER QUER SAIR DA ROTINA (?)


“Eis no que dá a ação quinta-coluna de certo tipo de crítica e teóricos paulistas quando, ao contrário dos cariocas, faz o que faz com São Paulo propiciando piadas como o último aborto na APCA. Com que motivação e com que respeito os financiadores, distribuidores ou exibidores paulistanos vão-se arriscar a programações mais límpidas se o escárneo e o apedrejamento é a regra para qualquer tentativa empenhada? Assim o monopólio do “sério” fica para o regional, o sestroso, o afro-sincrético que se perpetra além fronteiras de Queluz, onde está instalada a glória, o dinheiro fácil, a consagração pré-combinada, a sensação de poderio pela qual todos ficam alucinados. Com os filmes do Rio, jamais cariocas, baianos, mineiros, gaúchos e os Quislings paulistas se atrevem a falsas exigências como as que aqui nos fazem e que aliás lá na Guanabara seriam rebatidas da maneira mais “cangaceira” possível. Explicação mais viável: rivalidades pessoais, imediatismo, nenhuma afinidade, repulsa mesmo pelas fontes luso-cristão-européias que o cinema de São Paulo tem em essência. Manda pois a coerência – adorem uma fita como esta!”


Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 13/01/80.