domingo, 4 de maio de 2008

CÍRCULO DE DOIS AMANTES ("Circle of two")

“O crítico do Motion Picture Herald não gostou do filme. Mas não iremos deixar passar em branco a oportunidade de apreciar mais uma direção de Jules Dassin. A história gira em torno de um pintor de 60 anos, que se exilou voluntariamente nos arredores de Toronto e há dez anos não conseguia pintar nenhum quadro, até que encontra uma estudante de 16 e que igualmente se apaixona por ele. Richard Burton e a ex-atriz infantil Tatum O’Neal vivem esses papéis. Parece que Dassin teve problemas com os produtores, que remontaram o filme a sua revelia, e não queria assiná-lo. Mas mesmo assim – insista-se – este deve ser visto, mesmo porque o grande diretor revelado pela Metro em 1942 (o “short” “A Lenda do Coração”, inspirado em Poe) o thriller “Algemas para Dois”, as comédias com Susan Peters (“Cuidado com Mamãe”) e Marsha Hunt (“Sua Criada, Obrigada”, “Uma Carta para Eva”) e depois na Europa, o cineasta de Melina Mercouri em “Nunca aos Domingos”, “Promessa ao Amanhecer” e “Phaedra” e “Corações Desesperados” (este, também com Romy Schneider, e escrito por Marguerite Duras) parece que está doente, com problemas cardíacos e voltou à Grécia para ser cuidado por Melina, de cuja saúde, também, há maus boatos.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/09/82.


Homenagem ao diretor falecido no dia 31/03/08.

DIÁRIO DE UM ITALIANO ("Diario di un italiano")

“Tanto a literatura como o cinema italianos que abordam os anos 20 ou 30, em média conseguem um encanto tão específico quanto outras manifestações artísticas do país que tratam do seu período “ottocentista”, ou da primeira década deste século. É só lembrar certos filmes de Visconti (como “Senso” por exemplo) ou o “Cronaca Familiare”, de Zurlini, ou ainda “La Viaccia”, “Senilitá”, “O Belo Antonio”, “A Herança Ferramonti”, a maioria aliás do esteta Bolognini. Seria injusto igualmente não ir mais antes e lembrar também o “Pequeno Mundo Antigo”, de Soldati-40 ou “L’Edera”, de Augusto Genina-50, este baseado em romance de Grazzia Deledda, bem como algumas outras recriações desse tipo de clima feitas por cineastas hoje esquecidos, como Gianni Franciolini ou Flavio Calzavara. Claro, é uma peculiaridade peninsular e portanto natural, espontânea e que dificilmente pode deixar de manifestar-se. E ela está toda aqui neste filme bonito e pleno de sentimento e delicadeza do novato (ou bissexto) Sergio Capogna baseado num conto, “Vanda” de Vasco Pratolini. Gira sobre o romance entre o filho de um socialista assassinado e uma moça judia na Itália de 1938, prestes a se envolver na II guerra. A ação começa em 1920 e se passa toda em Florença. A personagem título é interpretada pela estreante Mara Venier, mas a grande presença, claro, só poderia mesmo ser a veterana e sempre maravilhosa Alida Valli.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 18/05/80.

O IMPÉRIO CONTRA ATACA ("The Empire Strikes Back")

“Não deixa de causar espécie pensar que, com tudo o que já houve de pesquisa, descoberta, cristalizações, esforços, conseqüência artística e luta e coerência profissionais no cinema mundial (de Méliès ao cinema dinamarquês de Asta Nielsen e Waldemar Psilander; dos pioneiros italianos à década de Irving Thalberg na Metro, quando o estúdio passou à frente da indústria do globo e, inclusive, manteve Greta Garbo; da aurora do cinema alemão com o Expressionismo dos anos 10 e 20 até hoje com Werner Herzog; do cinema sueco de Sjostrom e Stiller à explosão polonesa no último pós-guerra; da “avant garde” francesa ao atual cinema italiano, e deste à “nouvelle vague”; do prestígio soviético ao depuramento absoluto dos japoneses) custa a crer que, com isto tudo, o cinema tenha-se desmantelado em toda a parte para que, em termos de viabilidade material, o cetro fique com a fita como “Guerra das Estrelas”! agora temos está continuação, produzida mas não dirigida pelo mesmo George Lucas (que aqui a confiou, não com muita crença, a Irvin Kershner). Aliás, não bem continuação, pois o filme anterior era baseado no quarto episódio de uma história e esta é baseada na nona e, a seguir, segundo o próprio Lucas, virão, com a devida numeração em ordem os episódios anteriores e posteriores. Indústria e técnica material e tremendo derrame de recursos financeiros antes e acima da arte. Para quem gostou...”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 20/07/80.

KUMOKIRI MIZAEMON, O JUSTICEIRO ("Kumokiri Mizaemon")

“Pela ambição a grande espetáculo de “background” samurai, pelos custos que, de uma forma ou outra, tiveram de ser dispendidos, pela longa-metragem, inerente aos filmes épicos (160 minutos), pelo extenso e, em muitos casos, valioso grupo de intérpretes que foi necessário mobilizar, ainda que a atual maré não ande boa para o cinema japonês (como de resto, não o anda para a maioria dos cinemas de outros países, exceção feita, talvez, aos da Alemanha, Itália, Hungria, e Iugoslávia), uma fita de certo empenho e apuro que possivelmente vale a pena examinar. No papel principal o terrível e nada japonês Tatsuya Nakadai, que Kurosawa, na falta de seu ator predileto, Toshiro Mifune, em má hora resolveu convocar, tornando a emenda pior do que o soneto (mesmo porque, Mifune, com a idade anda ficando mais contido e de certo modo já faz parte da mítica kurosaweana). Aqui o catatônico, “poseur” e aparvalhado Nakadai é um ladrão que se pretende tipo Robin Hood e tem como amantes fiéis nada menos que a sensível e suave veterana Shima Iwashita e a belíssima novata Keiko Matsuzaka. Em seu encalço está o “kabukeano” Somegoro Ichikawa, este sim um ator de verdade e dos melhores que o cinema, e os teatro moderno e clássico do Japão há uns 20 anos, contam. Entre as outras verdades e eficiências do elenco estão Joe Shishido (como um massagista cego), o também tão “kabukeano” Koshiro Matsumoto (ator, talvez, até mais clássico e distinguido que Ichikawa), além do sempre marcante e importante Tetsuro Tamba”.

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 19/04/81.

O PREDILETO

“A grande surpresa do cinema paulista nos últimos tempos, esta estréia no longa-metragem, esta primeira obra, esta quase obra-prima de Roberto Palmari, um técnico que durante anos silenciosamente desejou fazer cinema e militou na TV, no cinema publicitario, tendo também – sempre sem alarde – por três anos ido estudar seu “metier” na Itália. De um romance de João Alphonsus saiu um filme com pontos de contato com muito do que de melhor no gênero se fez no cinema internacional, de Von Sternberg (“O Anjo Azul”) a De Sica (“Umberto D”), passando um pouco pelo Bergman de “Morangos Silvestres” ou por alguns clássicos do Expressionismo alemão. Certas imposições ou certas “concepções” do nosso ambiente, certa entrega ao “regional” ou ao “linguajar” às vezes delimitam um pouco a obra, mas o resultado é sempre CINEMA, de ponta a ponta, com uma grande fotografia do igualmente estreante (no longa) Geraldo Gabriel, com grandes papéis dados a Jofre Soares e Othon Bastos, com um bom resultado obtido por Suzana Gonçalves, com uma inesperada Wanda Kosmos, um Abrahão Farc que é humanidade pura e ininterrupta e com um Xandó Batista no maior dia de sua carreira e num dos mais patéticos personagens de toda a história do cinema brasileiro. Grande vencedor (melhor filme, ator, roteiro e fotografia) num festival “perigoso” e quase sempre saudoso dos “dirigismos” dos festivais de Brasília como o festival de Gramado, “O Predileto” é um filme nacional que rompe barreiras, que dá margem a esperanças, que se torna plenamente obrigatório."

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 14/03/76.

O ÚLTIMO TANGO EM ROMA ("Ultimo Tango a Zagarol")

“Para o Monthly Film Bulletin inglês menos uma paródia e mais um pastiche do injustamente celebrado (como todos os que aqui conhecemos) filme de Bertolucci. O “injustamente” vem por nossa conta. Na história, Franco Franchi, além da tremenda demanda de alimentos e sexo que lhe faz a esposa Gina Rovere, ainda é explorado pela mesma como camareiro, porteiro e faxineiro no hotel suspeito de que ela é proprietária. Desesperado procura alugar apartamento só para si, mas ai encontra uma jovem (a estranha Martine Beswick) que só não o violenta porque o “zip” do jeans dele enguiça. Mas não consegue escapar e acaba sendo filmado com a alucinada Martine (que, depois ele descobre, ao invés de modernosa liberada ou ninfomaníaca, é uma mera e profissional prostituta), por uma Jane Fonda da TV italiana, louca por escândalo e Ibope (Franca Valeri). Tentando ainda salvar-se Franco dispara contra Martine, mas a arma falha, e, acuado pelas duas, só pode implorar desesperado: “Manteiga!”. Para o crítico Tom Milne, de qualquer maneira, o filme com Brando e Maria Schneider é muito mais engraçado.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 06/07/80.