sábado, 3 de outubro de 2009

A BOFETADA (“La Gifle”)


“O folheto publicitário diz que o filme o ganhou em 1974. Mas para falar a verdade temos até medo de uma honraria como esse “Louis Delluc”. Os franceses inventaram Brigitte Bardot, tem Jeanne Moreau mas também quanto brilhante falso, quanta teoria perniciosa que eles mesmos nunca quiseram pôr em prática mas jamais hesitaram em impor para desastre externo (haja visto a mania por “revoluções” em que os países dos outros servem de cobaia, haja vista as primeiras, nefastas e farisaicas críticas que “lançaram” nosso “cinema-novismo”). Aqui temos um homem incrível, maravilhoso, terno, sensível, exigente e cômico...que dá conselhos e dá bofetadas...que está sempre arrancando os cabelos e correndo atrás de sua filha...(sic). E esse homem é nada mais, nada menos que o vulgar e medíocre Lino Ventura! A filha é Isabelle Adjani, aqui num papel antes do seu superestimado “Adele H”. Annie Girardot é a primeira esposa, mãe de Isabelle e que agora vive na Austrália com um inglês encantador (sic) e por cujo “exílio” Isabelle, muito à moderna e muito fora de hora, se rebela. Há ainda o namorado cômico, que Isabelle passa para trás em prol de outro, que é “motoqueiro”...Em meio a todo esse tipo de problemas de gente que não tem problema, talvez o único papel humano seja o da antigamente ótima Nicole Courcel, que sofrida e calada mitigou a solidão de Lino e adotou a “enteada”. Enfim, “le douce cinema français” em seu auge. Pode ser e pode não ser...”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/03/78.

UMA NOITE NO ANO 43 ("L'Ironie du Sort")


“Com “Perversidade Satânica” (“Le Dos au Mur”) o “oriundi” Edouard Molinaro, um dos precursores da “Nouvelle Vague”, ao estrear na longa-metragem logo se revelou diretor maduro, seguro, que procurava o clima e sabia como consegui-lo e sem mais recorrer aos deslumbramentos “virtuosísticos” de ângulos e movimentação de câmera que limitavam seus passos anteriores no terreno dos “curtas”. E logo foram se seguindo ou entremeando, numa carreira que ele mesmo fez questão de declarar sem obsessiva preocupação de “autorias”, outras obras valiosas: “Broto Para o Verão”, “Lupin Contra Arsene Lupin”, “A Estranha Morte de Belle”, o episódio de “Os Sete Pecados Capitais”, “Caça ao Homem”, “Meu Tio Benjamin”, “Ela Agora Deseja” (“La mandarine”) e o próximo “Le Telephone Rose” que, tudo indica, deverá dar ótima oportunidade ao inglês Michel Lonsdale, um dos melhores atores do atual cinema francês. Aqui temos uma história que lembra “Les Jeux sont Faites” (assunto de Sartre transformado num filme francês de Jean Delannoy em 1947 e mais outro dos que nunca chegaram até este nosso inefável “paraíso exibidor”) e lembra também o recente “A Porta entre o Ódio e o Medo” (“Les Guichets du Louvre”), de Michel Mitrani. A ver, claro.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
09/04/78.

Cena de "Meu Tio Benjamin":

A GARAGEM ("Garaget")


"O décimo segundo filme do inconformista e corajoso Vilgot Sjoman, de quem aqui só vimos (e com um atraso enorme) o primeiro, “A Amante Sueca” (“Alskarinnan”). Os demais, sobretudo os realmente polêmicos e ousados “Syskonbadd” (“Minha Irmã, Meu Amor”), 67, e o diptico “Eu Sou Curiosa, Amarelo”, 68, e “Eu Curiosa, Azul”, 69 (as cores da bandeira sueca) ninguém sequer pensou em importar para este “segundo paraíso exibidor do mundo”, pois todo mundo sabia que jamais passariam pela censura. Agora, depois desse interregno e esse desconhecimento de uma obra e um autor dos mais importantes do cinema moderno (desconhecimento que não se deve só às causas que todo mundo “interessado” finge acreditar serem as únicas fontes de obscurantismo intelectual e ético em que soçobramos) chega-nos esta simples história de adultério e duplo crime. Que aliás não é simples nem comum como aqui logo diriam de qualquer filme brasileiro não enquadrado no falso regional ou na “festividade” – mas densa, preocupante e significativa. No quarto papel do elenco, a nossa conhecida Christina Schollin de “Querido John” e do bergmaniano “Não há Mais Inocentes”. Provavelmente um dos filmes importantes da temporada. Obrigatório.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
21/05/78.

Cena final de
"Syskonbadd":

FANTASIA


"A décima apresentação deste clássico de Disney, certamente a obra mais ambiciosa da carreira do criador do Camundongo Mickey, esta visualização da música erudita que utiliza composições de Bach, Beethoven, Schubert, Tchaikowsky, Ponchielli, Moussorgsky e os modernos Dukas e Stravinsky. Aqui originalmente lançada a 26 de agosto de 1941 no mais belo e luxuoso cinema que o Brasil já teve (Rosário).
“Fantasia” foi depois já reprisado em 48, 50, 52, 54, em maio de 60, abril de 69, dezembro de 70 e agosto de 72. Fischinger, embora despedido logo no inicio, influencia com o seu insuperável tom de vanguarda e toque de genialidade e concepção animada do “Tocata e Fuga em Ré Menor”, de Bach, Stephen Bosustow, o criador do Mr. Magôo, também colaborou na sequência de “Uma Noite no Monte Calvo” e o “facies” único de Bela Lugosi serviu de modelo ao terrível bruxo de “O Aprendiz de Feiticeiro” e ao demônio-mor do “sabbath” na citada criação de Moussorgsky. E Mickey Mouse, como o aprendiz faz logo compreender por que milagres de carisma ele da noite para o dia se tornou mundialmente popular na década de 30. Uma realização “hors concours”, sempre a ver e/ou aplaudir.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 08/10/78.

O BOM MARIDO


"Com toda a sua segurança e “aplomb” de cineasta formado na “sociologia” e na “cinema-novice” Antonio Calmon andou fazendo as habituais declarações de ufanismo convicto, dizendo que seu filme anterior, “Gente Fina é Outra Coisa”, não era “pornochanchada” e sim uma “comédia de costumes e observação social”. Claro que tal não ocorria e Calmon (que havia começado demonstrando talento, mas não tão devidamente integral em “O Capitão Bandeira contra o Dr. Moura Brasil” e sofreu um baque logo no seguinte “Paranóia”) volta agora com esta fita dirigida para o mesmo especializado produtor de “Gente Fina”...(o comercialmente triunfante Pedro Carlos Rovai). E volta contando, aproveitando, expondo, explorando as previamente planejadas, mercantis e mutuamente consentidas promiscuidades de um casal moderninho (Pereio-Maria Lucia Dahl), disposto a tudo para brilhar e viver à larga no “society” carioca. Outro “Gente Fina...”? Ou uma confirmação das parciais promessas de “Capitão Bandeira”? Ou talvez ainda um “compasso de espera” para a possível “reussite” do penúltimo filme de Calmon: o ainda inédito e já quase encalhado “Revólver de Brinquedo”? Só vendo verificando...”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
08/10/78.

O MONSTRO DE SANTA TEREZA


“Um voto de louvor ao Sr. Odecio, da filial paulista da CIC, que em boa hora resolveu quebrar a praxe e desencalhar este filme. Que foi selecionado e aprovado para co-produção pela Embrafilme em 1974 (gestão Farias, Gustavo Dahl, etc.), terminado no ano seguinte e só em 78 lançado em Brasília e no Rio (agosto do mesmo ano). Mas que aqui estava destinado a ficar na prateleira enquanto que a distribuidora da Embrafilme e os exibidores, em média, ficam-se deixando levar pela lei da inércia (no melhor dos casos) e vão cumprindo datas em salas que deveriam ser obrigatoriamente lançadoras com fitas em segunda, terceira ou mais visões. E os problemas do cinema brasileiro vão-se acumulando, só determinados filmes e realizadores são beneficiados, e a coisa continua por ai. Este baseado em original de Josué Montello, é a obra mais esforçada do diretor Cobbett, o que não quer dizer muito (foi ele o autor dos inomináveis “Jesuino Brilhante, o Cangaceiro” e “Uma Tarde, outra Tarde”) mas sempre é algo a mais. Na história, uma distorção de humor negro e sarcasmo, bem à imaturidade e deslizes de gosto de nossos cineastas e encenadores. Gira sobre um casal de noivos pertencentes à baixa e medíocre burocracia, piorado pelos complexos de Édipo do homem e o desespero extremado da progenitora.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/05/80.


MAURICE PIALAT


“As estréias regulares não primam pela ambição, mas no plano das exibições especiais a nota será dada, amanhã e depois, na “Aliança Francesa”, com a apresentação de duas direções daquele que é considerado, por jovens cineastas e estudiosos paulistanos, a figura mais lúcida e um dos mais legítimos cineastas do atual cinema francês: Maurice Pialat."

L’ENFANCE NUE (“A Infância Nua”); NOUS NE VIEILLIRONS PAS ENSEMBLE (“Nós não Envelheceremos Juntos”)


“Em verdade, oportunidade auspiciosa para conhecermos oficiosa mas conscientemente Maurice Pialat, cineasta ao que parece raro numa época de mistificações como esta. Um talento elogiável é o oposto das “godardices” e oportunismos, na gravidade do estilo e na seriedade e nenhuma concessão à popularidade e facilidades modernosas e pseudo-contestadoras da visão que tem do cinema francês e do cinema
em geral. Seu L’Enfance Nue, parece que a própria “Aliança” já o apresentou há uns três anos, porém poucos viram e, menos ainda, o notaram devidamente. Mas este Nous ne Vieillirons Pas Ensemble aqui é inédito, não só comercialmente como também em especiais, exibições de cine-clubes, embaixadas, etc.(...). Um conjunto de exibições elucidativo e altamente recomendável.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/05/81.

INDIA SONG


“O panorama seria sinistro caso a programação especial não continuasse redimindo o cinema. “Leonor”, de 74, exibido terça no MIS, tem ambientação, mas o filho de Buñuel, Juan, não tem criatividade cinematográfica e o filme, não fosse a presença de Michel Piccoli, dificilmente seria menos que inútil. Mas a extraordinária surpresa, se é que se pode chamar de surpresa, uma obra de domínio e sensibilidade impar, escrita e dirigida por Marguerite Duras, foi “Índia Song”, que o mesmo MIS mostrou quarta. A autora de “Hiroshima”, “Moderato Cantábile”, revela-se uma cineasta com um pulso como poucos diretores homens podem gabar-se. E, ao mesmo tempo, de uma sutileza e características só concebíveis na visão de uma grande e verdadeira mulher. “Índia Song”, um dos filmes mais ousados e desafiadores do cinema, é inacreditavelmente importante. Neste ano, só mesmo Saura com “Elisa, Vida Mia” e o alemão Michael Haneke com “Três Caminhos Levam ao Lago” contribuíram com algo que se lhe compare. A fita foi realizada au féminin, com várias Evas na equipe. Mas, embora sobre a complexa e suicida personagem de Delphine, a diretora tratou Michel Lonsdale de uma maneira tão distante e tão compreensiva que o trabalho do extraordinário ator anglo-francês é qualquer coisa de único: algo assim como os mitos de Emil Jannings em “O Anjo Azul”, o desejo de Albertazzi em “Marienbad”, e a ubiqüidade e a capacidade de comunicação (a palavra em seu anterior e verdadeiro sentido) de Bela Lugosi em “Drácula”.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/07/81.

AS NINFAS INSACIÁVEIS


“O “orientalismo” do chinês John Doo já tem dado margem a alguns acertos: “Ninfas Diabólicas”, o episódio “O Gafanhoto” em “Pornô”. E, às vezes, mesmo quando ele é só ator – caso do episódio do pasteleiro em “Aqui Tarados” ou desse surpreendente, excepcional e obrigatório “Duas Estranhas Mulheres”, ainda em cartaz no circuito Art-Palacio. Agora Doo volta ao seu “penchant”, mas em produção que teve alguns percalços, ao que parece mais de edição. Reportando ao êxito de “Ninfas Diabólicas” aqui são quatro estranhas universitárias (?) (a abusada Zilda, a verista Alvamar, a deliciosa Tânia e a fugidia Nadia), que justiçam um bando de contrabandistas que havia atacado as duas filhas (as menos conhecidas Nice Marinelli e Darli Pereira) do humilde pescador da região. Entre os “bandidos”, Vandi Zaquias, que em “Duas Estranhas Mulheres” confirma a personalidade e talento já deixados entrever em “Devassidão, a Orgia do Sexo”. "

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de
06/06/82.

NICÓLLI (?), A PARANÓICA DO SEXO


“O título tresanda a analfabetismo, “avis” nada rara no “pornô-cinema” que se faz da “Boca” para o fim dos entroncamentos ferro-rodoviários que a originaram. Talvez para aproveitar a bilheteria que a atriz Nicole Puzzi obteve no gênero com “Ariella” e “Volúpia ao Prazer”, aqui a personagem (ouviu-se o galo cantar, mas sem saber onde...) foi rotulada de Nicólli (sic), nome que não existe em francês, italiano ou inglês, espanhol ou sequer em português da Bahia. E a dita cuja é uma moça do interior, filha de fazendeiro, que envolve todos os homens que pode só para dar vazão à uma sanha assassina. O astro Flavio Portho deve ter sido chamado a cooperar na direção a fim de garantir a “assessoria técnica”, já que participou de vários filmes e dirigiu um. A picante Tânia Gomide está de chamariz mas tem só uma mera ponta.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/06/82.

DESAPARECIDO, UM GRANDE MISTÉRIO ("Missing")


"De 1933 a 1935, Fritz Lang, fugindo do nazismo, tentando encontrar solução na França, afinal encontrou abrigo e trabalho contínuo e condizente nos Estados Unidos. E afinal, convidado pela própria e “burguesíssima” Metro, ali fez “Fúria”. Houve alguma insinceridade ou algum dolo, algum erro de visão, ou cálculo de oportunismo de sua parte? A história do cinema que o diga. Costa-Gavras, depois de “Z”, “Sessão Especial de Justiça” ou “Estado de Sitio”, desta vez não contando nem com Irene Papas-Renato Salvatori, nem com Michel Lonsdale, nem, outra vez, com Salvatori, como nos três filmes acima. Nem fez uma (até incoerente) incursão pelo anti-stalinismo como aquela, fugaz, de “A Confissão”. E o resultado é este “Missing”, que até ganhou Palma de Ouro e prêmio de ator para Jack Lemmon em Cannes, é este “Missing” que até parece glosa a Agnès Varda (“Le Bonheur”), piada com Emil Jannings ou Raymond Burr (Lemmon) ou arremedo a Rosalind Russell, quando no terreno da “sophisticated comedy” (Sissy Spacek). Será que Costa está cultivando o tipo “divertissement”?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/08/82.

O SONHO NÃO ACABOU


"Uma juventude de Brasília, que mais parece certa juventude de Copacabana-Ipanema-Leblon ou do nosso terceto USP-Rua Augusta-Bixiga, liberadíssima e só muito tardiamente preocupada com teto, dentista e feijão-com-arroz, mas mesmo assim “revoltada” porque o seu tempo (a década de 70) era sombrio e ela vivia querendo esquecer, fazendo do presente o passado, mesmo porque ainda há muito político da antiga dobradinha ou “mood” PSB-PTB insistindo que esse nefando passado sequer existiu. Fita bem feita, em “andante” bem “hippie à brasileira”, alguns toques de poesia e muitos de “doce insolência”, que, aliás, não condizem e até são conflitantes entre si, e com a temática, os personagens e os problemas (ou com os personagens problema?). Revolta “angry”? Ou “estudantadas”, ou “mocices”, como se diria nos tempos de Álvares de Azevedo, Coelho Neto ou Arthur Azevedo?”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 01/08/82.