segunda-feira, 3 de setembro de 2007

KARINA, OBJETO DE PRAZER *

"Possivelmente um Jean Garrett cinematicamente efetivo – isto é, naquele gosto, procura de significação e domínio visual de certos momentos de “A Ilha do Desejo” (principalmente o das sevicias que praticava o chinês sádico e gigantesco), “Excitação” (a suave beleza fotográfica), “A Força dos Sentidos” (o tom de sobrenatural que ia envolvendo a festinha na casa de praia) e “A Mulher que inventou o Amor” (todo o cuidado para mostrar a transformação de Aldine Muller de moça suburbana a objeto de trato). Na história, porém – sempre o ponto menos evoluído e mais popularesco dos filmes da rua do Triunfo – o lugar comum ou a ingenuidade sensacionalista de sempre. Aqui, utilizando o condimento “machista” (filha de pescador, comprada por marginal de beira do cais que a usa até como objeto de empréstimo) ou a momentosidade tipo liberação-feminina (a brutalidade lúbrica dos dois homens leva as duas heroínas ao homicidio e ao lesbianismo). Um dos vilões é o veterano e sempre dominante Luigi Picchi. Mas, a julgar pelas fotos em branco e preto dos stands, é o capricho visual com que Garrett tratou Angelina Muniz que deverá constituir a nota do filme.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 12/09/82.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, no dia 12, à meia-noite.

VIOLÊNCIA NA CARNE *

“Nem Robert E. Sherwood quando escreveu sua peça “A Floresta Petrificada” (levada ao cinema em 36, com Leslie Howard, Bette Davis e Humphrey Bogart), nem William Wyler quando dirigiu em 55 “Horas de Desespero”, com o mesmo Bogart, Fredric Marsh e Martha Scott, imaginariam o quanto esses seus dois filmes iriam, mais ou menos, inspirar inúmeras fitas da atual fase de erotismo e violência sem raízes do nosso cinema. E aqui está mais esta produção, que aliás contém ingredientes de outros dois trabalhos anteriores do diretor Sternheim: “Paixão na Praia” e “O Anjo Loiro” (a encenação teatral). Agora marginais invadem residência afastada na praia onde duas “amigas intimas” esperam os demais colegas de elenco para um ensaio. Estes, desavisadamente, chegam e os criminosos vão dando asas à sua brutalidade e a seus instintos. No elenco, intérpretes já confirmados como Roque Rodrigues, Cláudio D’Oliani, o galã José Lucas, as possibilidades fugidias de tipo de Nádia Destro, bem como um novato, André Luis de Morais.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 13/09/81.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, nos dias 11, à meia-noite, e 17, às 02:15.

SEU FLORINDO E SUAS DUAS MULHERES *

“Paródia a “Dona Flor e seus dois Maridos” (íamos escrevendo “paródia ao êxito de...” e, isso embora não seja verdade, certamente seria muito mais efetivamente sardônico e elucidativo). De qualquer maneira, o único tipo de filme (“chanchada”) com os quais o diretor-ator Mozael Silveira e a atriz Lameri Faria, segundo soubemos, consegue manter o recorde de, sem recursos da “Embrafilme” (reservados a outros tipos de “elites”, mordaças ou fruições “pompadourescas”), obter financiamento natural e certo para uma média de 3 a 4 produções anuais (financiamento claro e direto, exibições garantidas, facilidades em espécie). Se fosse Fritz Lang que quisesse aqui fazer o filme com Jeanne Moreau que declarou em certa entrevista estar sonhando ou fosse o agora brasileiro Arne Sucksdorff que, em Mato Grosso mesmo, planejasse realizar um filme sobre a vida de uma família de índios em seu “habitat” natural, tal seria considerado absolutamente utópico e sem pé na chamada “nossa realidade”.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 18/06/78.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, no dia 20, à meia-noite.

O ENIGMA DE KASPAR HAUSER ("Jeder für sich und Gott gegen alle")

"Um dos mais celebrados filmes de nosso tempo. E, com toda a probabilidade com inteira justiça, pois devida ao mesmo diretor e autor de outro dos poucos filmes real, essencial e artisticamente políticos surgidos nesses mesmos e tão mistificados período e gênero: o aqui ainda comercialmente inédito “Aguirre, a Ira de Deus”, que aliás logo mais também nos será apresentado pela mesma importadora. O que há a lamentar que as cópias vindas e liberadas para nós sejam as dubladas em inglês e não as originais, fazendo-nos perder (no caso) toda a propriedade, toda a verdade, a força e a beleza da língua alemã. A história é simples e verídica: um fato misterioso ocorrido no século passado (1828) quando um rapaz de 16 anos surge mudo, idiotizado, imundo, sozinho e perdido nas ruas de Nurenberg, sem nunca ter tido contacto com qualquer ser humano. Recolhido, questionado (seria um príncipe raptado, seria o filho de Napoleão, seria um impostor ou um débil mental?) e educado ele adquire uma noção do que é o homem e o mundo, a “linguagem” e a “inteligência” dos homens, mas cinco anos depois é assassinado sem que o enigma possa ter tido solução. História simples, encontradiça ao longo dos tempos, mas terrível e com a qual, na tradição permanente e terrivelmente transcendente do cinema alemão de desde “A Casa sem Portas nem Janelas”, de desde “O Gabinete do Doutor Caligari” (que está para voltar em circuito comercial) Werner Herzog consegue um impacto talvez maior que “Aguirre”, para escarmento do em média medíocre cinema que se faz hoje em quase toda a parte. Mais do que obrigatório. Impossível de ser perdido.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 13/11/77.

domingo, 2 de setembro de 2007

RELAÇÕES HUMANAS ("ROGOPAG")

“Porque o nosso ambiente cinematográfico é muito superior, muito mais civilizado do que os de Londres, Paris, Roma, Nova York, Berlim ou Estocolmo, foram necessários nada menos de 14 anos para que uma de nossas distribuidoras nacionais (no caso a Roma Filmes) se arriscasse a trazer este filme de quatro histórias e quatro diretores famosos, além de um bom número de fotógrafos e intérpretes de não menor prestígio. No episódio de Rossellini, Rosanna Schiaffino, contrariando seu tipo procaz, é uma secretária de ilibados princípios vitorianos. Godard coloca Alexandra Stewart e Jean-Marc Bory às voltas com aquele pavor que os tartufos dos anos 60 viviam apregoando que nem por um minuto sequer deixavam de ter, pensando nas conseqüências de uma superexplosãe uma superexplosao oavor que os tartufos dos anos 60 viviam apregoando que nem por um minuto sequer deixavam de ter, pensando o atômica. Gregoretti envolve o casal Ugo Tognazzi – Lisa Gastoni em meio ao absurdo do “boom” econômico. Mas é o episódio de Pasolini (onde aparece Orson Welles e no qual Laura Betti, a criada de “Teorema”, realmente tem um momento da mais alta especificidade interpretativa como a desdenhosa atriz incumbida do papel da Virgem Maria) de longe o melhor e mais envolvente, extraindo as mais parabólicas ilações a propósito do calvário de um faminto “extra” que faz o Bom Ladrão numa película sobre a Paixão e que acaba morrendo de indigestão (havia aproveitado a oportunidade para se fartar de requeijão), ainda suspenso na cruz e ante a indiferença de toda a equipe de filmagem.”

Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 28/11/76.