domingo, 2 de janeiro de 2011

NEM OS BRUXOS ESCAPAM

“Outra surpresa, impressionante, o resultado e a segurança de mais esta estréia de outro publicitário e realizador de documentários e “jingles” de TV: o gaúcho Valdi Ercolani. Também com estudos e prática de seu ramo na Europa (cinco anos entre Madrid, Paris e Londres) utilizando a colaboração (no roteiro) da teatróloga Isabel Camara e lançando mão de uma intriga parecida com a do penúltimo filme de Humphrey Bogart - “Veneno de Cobra” (“We’re no Angels”) e que gira em torno de um rapto à brasileira e de um desfecho que, embora apressado, é também um achado eficaz, desencantado e saboroso, Valdi Ercolani desde já coloca-se na primeira linha dos modernos cineastas do Brasil. No festival de Lajes a sua fita foi a que mais cativou o público e ele de lá saiu com um merecidíssimo prêmio especial que englobou todas as atividades que nela exerceu (produtor, diretor, autor, co-roteirista), além de ser candidata finalista a quase todas as categorias, das quais acabou conquistando ademais os dois prêmios de interpretação masculina, para a composição de Nildo Parente e para o verdadeiramente fora-de-série trabalho de Luis Linhares, que surge numa linha entre o “charme” e a classe de um William Powell e o procurado gênero “chofer de caminhão” do Ozualdo Candeias ator. Outro filme nosso que ninguém pode perder.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/03/76.

CINE METRO

“Quase sem prévio aviso, quase sem margem para as gratas expectativas dos bons tempos do cinema, inaugurou-se (ou reinaugurou-se) quinta-feira última o atual Cine Metro, agora utilizando os balcões para bipartir-se em duas novas salas. Ao contrario da sensação, do verdadeiro marco na vida da cidade a entrega aos paulistanos do primitivo Metro constituiu a 15 de março de 1938, agora, não foi com a perspectiva de próximas aparições de Garbo, Crawford, Shearer, Loy, Rainer, Rosalind Russell ou Jeanette MacDonald, de Laurel e Hardy, dos três Marx, de Gable, Robert Taylor, Mickey Rooney, Robert Montgomery, não foi prometendo novas estrelas como Judy Garland e Vivien Leigh, não foi com o aval de cineastas do porte ou da sensibilidade de Brown, Borzage, Fitzmaurice, John M. Stahl, Z. Leonard. Não foi sequer na sala menor, com um esperadíssimo novo festival Greta Garbo, nem, também, com algumas “reprise” fora-de-série, como seriam as de “Greed”, “Aleluia”, “Fúria”, ou “O Pirata”. Contudo a velha sala – remodelada que foi – agora só poderá estar melhor do que aquilo a que começaram a reduzi-la desde meados de 1953, quando o fatídico embuste da “tela panorâmica” começou a deformar e deteriorar a sugestiva construção moderna de 38, com seus toques egípcios ou assírios e com aquele pano de boca, algo à Opera de Paris, que, excepção feita ao do também destruído insubstituido Cine Rosário, era quase o único aqui em São Paulo que com seus reposteiros de materiais graves e nobres predispunham à hoje mais do que nunca necessária reverencia pelo provavelmente sagrado, digno ou reconfortante espetáculo a que o público se candidatava. Enfim, sinais dos tempos, mesmo porque, tanto o antigo Cine Metro como a outrora respeitável MGM, verdadeiramente já não existam mais.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 04/04/76.

A VIDA ÍNTIMA DE TRÊS AMANTES ("Projection Privée")

“Novo filme de François Leterrier, o desconhecido, o “não profissional”, que Robert Bresson lançou como ator em “Um Condenado à Morte Escapou” e que, depois, passando à direção com “Les Mauvaises Coups” (“Golpes da Vida”), filme que trazia nos primeiros papéis o trio Simone Signoret-Marcello Pagliero-Alexandra Stewart revelou-se um introspectivo, um intimista excepcional, diríamos até que superando seu descobridor. Dele aqui quase ou mesmo nada mais vimos. E é possível também que Leterrier pouco mais tenha depois feito. Mas agora temos película sua em cartaz. E ótima oportunidade para verificar se continua o mesmo diretor envolvente de “Les Mauvaises Coups”. Na história, um diretor e roteirista de cinema e seus casos com três mulheres, que foram, numa “ronde” acronológica, alternada e embaralhada, suas esposas e suas amantes. De permeio, um crime, misterioso como convém a todo o crime que se preza. No elenco, atrizes de primeira linha do cinema francês: Barbara Laage, Bulle Ogier, Jane Birkin e, sobretudo, a franco-espanhola Françoise Fabian, com todo um “charme” e fascínio que parece aumentar com a idade.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/04/76.

NINGUÉM SEGURA ESSAS MULHERES

“Aproveitando o aparente lado “New Deal”, e mito Frank Capra de suas atividades na TV, Silvio Santos, fazendo cinema, tinha indiscutíveis possibilidades de render cifrões como Roberto Carlos e de se aproximar da essencialidade tipológica de Erasmo Carlos. Infelizmente, porém, ele resolveu ser só produtor, não ator e aproveitar no título apenas um dos “slogans” de seus tele-programas, comparecendo com um filme de quatro histórias, quatro diretores e outros interpretes. No episodio dirigido por Jece Valadão este teve o louvável espírito esportivo de colocar o barítono Paulo Fortes, que já havia “roubado” completamente dois de seus filmes anteriores: “O Enterro da Cafetina” e “A Filha de Madame Betina”. E no episódio dirigido por Miziara, o fotógrafo Meliande aconselhou a categoria cênica de Sergio Hingst. Com o devido respeito a firma produtora deu-lhes (bem como à veterana do teatro Elza Gomes) participação especial nos letreiros. Mas a Cinedistri, que pelo visto não respeita o mérito da Opera, grande presença cinemática ou longa carreira nos palcos, escondeu-lhes os nomes como se fossem simples coadjuvantes, repetindo, aliás, a façanha cometida contra o mesmo Hingst e Flora Geni em “O Dia que o Santo Pecou”. Um detalhe, apenas um detalhe. Sem importância para a distribuidora. Sintomático, porém.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/05/76.

A REENCARNAÇÃO DE PETER PROUD ("The Reincarnation of Peter Proud")

“Um rapaz (Michael Sarrazin) costuma ter um sonho terrível: é outro homem, mais velho, está nadando nu no lago e acaba sempre assassinado a remadas por sua esposa que chega num bote e assim se vinga de suas infidelidades. O sonho o intriga, leva-o a um psiquiatra e depois o convence de que ele foi assassinado numa outra encarnação. Sua amante, cética, o leva ao local dos acontecimentos onde Sarrazin tem a surpresa de encontrar a mesma mulher do sonho e também a filha do morto (que realmente existiu). O protagonista se apaixona pela moça (Jennifer O’Neill, a elogiada beleza de “Foi uma Vez um Verão”). Seria incesto? O certo é que tudo caminha para um desfecho tipo “Les Jeux sont Faits”, de Sartre, ou “Reapeat Performance” (“O Destino se Repete”), de Alfred Werker. A fita embaralha espiritismo, noções de parapsicologia com convenções de “thriller” e do cinema comercial, mas parece ter sido planejada com cuidados hoje em dia não muito correntes e, ademais, sempre é lícito esperar um desenvolvimento mais fluente por parte do diretor J. Lee Thompson.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/06/76.

O PEDESTRE ("Der Fussgänger")

“O terceiro filme dirigido pelo irmão de Maria Schell. E infelizmente mais um filme sobre um tipo “caça às bruxas” de que ninguém fala e que tem uma “utilidade” estratégica enorme. Mais um filme sobre um “plot” que é sempre o mesmo; mais uma desconversa sobre o “crime coletivo”, sobre o “complexo de culpa” do povo alemão. Simbolismo? Real preocupação para que não se repitam os horrores de 1933 ou de 1939 a 1945? Mas se eles já existiam antes, embora sob formas e latitudes, cinismos e intensidades diferentes, e continuaram e continuam existindo até hoje? E ademais, é claro que todos os que tinham índole e pensamento totalitário, inumano e oportunista, logo se passaram para outra bandeira, mais eficiente e mais perigosa e monstruosa, porque disfarçada, insidiosa e até mais velhaca, pois em “plena paz”, pelo menos há 30 anos está retardando, enganando e pervertendo a consciência do mundo, de maneira ainda mais irremediável. Todos, todos, porque salvo algum insano ou muito estúpido formalista, nenhuma dessas patologias, ou dessas mediocridades poderia se admitir fora de qualquer rolo compressor vitorioso e óbvio, de nenhuma “voga”, de nenhuma crista da onda, de nenhuma sensação eufórica de maioria e poder. Em todo o caso, vamos dar algum credito, mais uma vez. Tendo, porém, o cuidado, mais garantido, de contar de antemão mais com a raridade que é a “reentré” de atrizes antológicas, como Angela Sallocker (a “Joana D’Arc” do clássico de Ucicky), Kathe Haack (de “Emil und die Detetive”), Elisabeth Bergner (de “Nju” e “Ariadne”) e, sobretudo, de Lil Dagover, a Jane de “O Gabinete do Dr. Caligari” e a apaixonada das três histórias de “Pode o Amor mais que a Morte?” (“Der Muede Tod”) de Fritz Lang.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 11/07/7.

AMOR E MEDO


“Segundo o folheto publicitário “a história de um jovem típico da década de 60: os Beatles, Vietnã, Biafra, a libertação sexual, a pílula e violência foram o seu dia a dia e sua formação” (?). “Ele faz cinema (que luxo, um luxo que de 15 anos até sua morte outro dia foi vedado a um gênio como Fritz Lang, bem como vedadas estavam ou estão sendo figuras míticas como King Vidor, Wyler, Brown, Siodmak, Sternberg, Mamoulian, Walsh, Machaty, Pabst e tantos outros) numa esperança de registrar e compreender o mundo” (!!!???). Produto típico de um proselitismo criminoso, gerado nas frustrações de “teóricos” com veleidades tolas ou ao contrário espertas lideranças e gerado na euforia “maria antonienesca” do juscelinismo e, depois, nas miragens e promessas janguistas de “poderes e mordomias” a alguns grupos privilegiados de “elites” e de “eleitos”, a fita até que tem certa beleza fotográfica e certa eficiência ao ligar sequências em branco e preto e sequências coloridas “rodadas” com um interregno de três ou quatro anos. Mas é obra de um “amor” e um “medo” que não pertencem a qualquer realidade conhecida, a não ser a dos “slogans” que fizeram a claque e a falta de “comunicação” do cinema-novismo. No elenco, uma Irene Stefania, que tinha tudo, mas não quis ser a maior atriz de cinema do Brasil (na certa lhe disseram que isso era “caretice”) e um inacreditável José Wilker, que se situa justamente no parâmetro oposto.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/08/76.

AS ALEGRES AVENTURAS DE UMA CÂMARA INDISCRETA ("La Gueule de L'Emploi")

“Fechado por três dias devido às obras do Metrô, o Coral reabriu ontem exibindo esta comédia francesa sobre as peripécias de dois gaiatos que queriam ser atores de qualquer coisa (cinema, teatro, televisão) mas não tinham “physique du role”, não tinham a “boa cara” antes supostamente exigida pela profissão e por isso se dedicam a praticar, pelas ruas de Paris, todas as vigarices e pequenos golpes que podem imaginar (se estivessem aqui, a “pornochanchada”, o cinema “boca do lixo” ou o “realismo” da cinema-novice lhes teria poupado tão mudança de vocação...). O diretor vem da TV e parece adepto de uma “cinema-verité” sui generis, filmando nas ruas sem o menor preparo ou qualquer fingindo até que está focalizando Micheline Presle (que faz o papel dela mesma), sem que a referida saiba que é a figura mais famosa (ou conhecida) contratada para o elenco.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/08/76.

O PERDIDO ("Der Verlorene")


“Em 1945, em Londres, um eminente médico recorda o que lhe aconteceu em Hamburgo, em 1943, durante o nazismo, quando dirigia um instituto de pesquisas biológicas e induzido por um colega, estrangulou sua noiva julgando-a uma prostituta e espiã a serviço dos ingleses. E, ao reencontrar o antigo companheiro, toma a única atitude que crê justa. De certo modo, como também “Sinais de Vida” de Herzog, uma alegoria de nítido endereço, na linha agora utilizada pelo checo Milos Forman em “Um Estranho no Ninho”. Cinema político por excelência, “Der Verlorene” foi considerado por Lotte H. Eisner “o melhor filme alemão desde 1933”. Mas muita gente bem mais interessada em cinema e não em “composição”, como o crítico espanhol Carlos Fernandez Cuenca, situa esta primeira e derradeira direção do ator Peter Lorre ao voltar à sua terra após seu triunfo mundial em “O Vampiro de Dusseldorf” e após um exílio de 20 anos, como um filme realmente importante, realizado com inspiração e rigor. No “script” está o autor do argumento de “Marrocos”, o primeiro filme americano de Marlene: Benno Vigny. Na fotografia, o renomado Václav Vich reporta-se de maneira brilhante à melhor tradição do cinema alemão, do Expressionismo ao Realismo. E na música, o mesmo Willy Schmidt-Gentner que com suas canções húngaras talvez tenha sido o fator maior do êxito mundial e fulminante de Martha Eggerth em “Sinfonia Inacabada”. E mais uma obra-prima do cinema mundial que nunca chegou ao nosso público.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 22/08/76.

RITMO ALUCINANTE

“Eis um dos descaminhos para os quais anda sendo de tremenda “inocência útil” a apressada, a irrefletida, a quase irresponsável portaria que mandou aumentar o número de dias para exibição obrigatória de filmes nacionais, quaisquer que sejam eles e tenham sido produzidos com quaisquer outras intenções que não as de fazer cinema ou então diversão com decência e conhecimento de causa. Por outra, uma tendência perigosa anda se instalando no também já quase falido setor das “programações de arte”: pensar que qualquer fita com “rock” ou música “pop” é substitutivo à altura. Aqui, segundo o folheto publicitário, temos o “registro dos concertos (?) que levaram mais de 40 mil pessoas ao campo do Botafogo no primeiro grande festival de “rock” do Brasil, no verão de 1975.” Como vemos um “Woodstock” ou um “Big Sur” à guanabarina. Claro que os três cinemas imediatamente franqueados à programação da fita (e que em média têm sido negaceados a outras películas nacionais não adventícias, mais trabalhadas ou de maior empenho) devem ter sido dados mais pensando na atualidade comercial do “affair” Rita Lee. Nisso o ex-INC, o ministro Ney Braga ou os teóricos “nacionalistas” não pensam. E assim vai, prosseguindo a odisséia, o irrevelado calvário do cinema nacional.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12/09/76.

A QUERMESSE HERÓICA ("La Kermesse Heroique")

“Um dos mais bem sucedidos filmes da arrancada do cinema francês nos anos de pré segunda-guerra. Curiosamente, produzido com capitais da Tobis alemã e que teve também uma versão germânica na qual atuou o extraordinário e malogrado Willi Dohm. Na Flandres ocupada pelos espanhóis, uma cidadezinha prepara a sua quermesse quando chega a notícia de que tropas dos invasores deverão acampar ali. O burgo-mestre se acovarda e faz-se passar por morto, mas sua mulher e todas as demais, tais Lisistratas ao inverso, resolvem enfrentar com outras armas o inimigo. Malícia, evocação heróica e alardes técnicos tornaram a fita famosa, obra de antologia. Aqui foi originalmente lançada a 30 de agosto de 1937, no antigo Ufa Palácio, hoje Art.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/09/76.

FRITZ LANG

“Só a homenagem à grandeza insubstituível de Fritz Lang que o “Museu de Arte de São Paulo” e o “Instituto Goethe” estão levando a efeito, já tornariam fora de série a programação especial destes novos sete dias de cinema. Lang só houve um. E, infelizmente, com toda a probabilidade, não surgirá outro. Assim o que há a fazer é prestigiar irrestritamente esta programação que hoje prossegue no Grande Auditório do MASP com o primeiro filme falado do cineasta desaparecido: “O Vampiro de Dusseldorf” (“M”), de 1931. De amanhã a quinta, no Pequeno Auditório e sempre em duas sessões (18:30 e 20 horas), teremos respectivamente “Pode o Amor Mais que a Morte?” (“Der Mude Tod”), de 1921, “Dr. Mabuse, o Jogador” e “Dr. Mabuse, Inferno do Crime”, ambas de 22, bem como o encerramento na quinta, com a repetição do maravilhosamente romântico, hoffmanesco e, ao mesmo tempo, antecipador e premonitório “Metropolis”, de 26. A esse ciclo faltaram, é verdade, “Os Espiões”, “A Mulher na Lua”, “O Testamento do Dr. Mabuse”, “Coração de Apache” (“Lilion”) bem como as raridades anteriores a “Der Muede Tod”. Mas oportunidade não deixará de haver para corrigir a lacuna, mesmo porque a obra de mestre Lang exigirá sempre contínuas apreciações, ininterrupta reverência.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/09/76.

KUNG FU CONTRA AS BONECAS

“O último filme da Servicine, a associação entre os produtores Alfredo Palacios e Antonio Pólo Galante, recentemente desfeita. Mais uma direção confiada a Adriano Stuart, elemento de TV e dublagem, responsável por um dos episódios de “Cada um dá o que Tem”, por “Bacalhau” e pelo último episódio do atual “Já não se Faz Amor como Antigamente”. Intento de conjugar as “virtudes” dos “western-soja”, com as do finado gênero “cangaço” e da atualmente vivíssima “pornochanchada”. A nenhum propósito: o primeiro filme que a inimitável Rosalind Russell fez, como estrela absoluta, em 1936, chamava-se no original “It Had to Happen” e aqui recebeu o título de “A Lei do Destino”.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/10/76.

UM GIGANTE CONTRA O NAZISMO ("Valter Brani Sarajevo")

“Fita iugoslava. Sempre possibilidade de alguma obra-prima, como “Quando Passa o Amor” (“Dvoje”), “Encontrei Ciganos Felizes”, “Tri” ou “O Caso de Amor da Funcionaria dos Correios”. Isso para só falar de uma que aqui chegou comercialmente – o excepcional “Dvoje”, que passou desapercebido no Cine Barão e que, de 1961 lá, já era uma antecipação ao “L’Eclisse” que o próprio Antonioni, na Itália, só faria no ano seguinte. Ou para falar de outros três que aqui só vieram numa mostra diplomática de “exibições especiais”. O diabo é que todas eram obras de Aleksandar Petrovic ou Dusan Makavejev. E nada sabemos do diretor Hajrudin Krvavac. Ademais, há a saturação e a “utilidade stalinista” do assunto abordado: ainda a II Guerra Mundial, quando já estamos em plena, letal, subliminar e safadíssima III. Contudo...”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/10/76.

OS VELHOS TEMPOS DO GORDO E O MAGRO ("Laurel and Hardy's Laughing 20's")

“A segunda das três coletâneas de comédias silenciosas da dupla Laurel & Hardy surgidas entre 1964 e 1967. A primeira, “The Crazy World of Laurel & Hardy”, produção do abalizado Hal Roach até hoje ainda não chegou a este propalado segundo maior mercado importador do mundo (cinematograficamente o mundo andaria muito mal se isso fosse verdade, mas felizmente tudo não passa de calunia e de truque). A terceira, “As Confusões do Gordo e o Magro” (The Further Perils of Laurel & Hardy), distribuída pela Fox, aqui nos chegou em meados de 1968. Esta, também compilada por Robert Youngson com “As Confusões” mas produzida pela Metro, aqui foi originalmente lançada nos antigos Cines Jussara e Pigalle (hoje, respectivamente, D. José e Arouche A) a 14 de julho de 1966. É uma mostra dos primeiros fulgores da carreira de Stan e Oliver, com a evocação dos filmes e sequências que os dois inesquecíveis artistas fizeram em 1915 e 1920 (quando ainda não haviam se encontrado) e 1920 a 1927 (quando então se reuniram para formar uma dupla cômica que, só após seu ocaso, sua dissolução e o drama pessoal que a ambos atingiu, a crítica internacional veio a descobrir ser uma das maiores, senão a maior, de toda a História do Cinema). A fita esteve anunciada para 28 último mas só agora – parece – entrará em cartaz e em circuito maior.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/10/76.

SOMBRAS NA ESCADA ("The Spiral Staircase")

“Refilmagem de “Silêncio nas Trevas”, o “thriller” que o diretor Robert Siodmak (então com grande prestígio graças seus êxitos em “A Dama Fantasma”, “Dúvida” e “The Strange Affair of Uncle Harry”) e a atriz Dorothy MacGuire (recém revelada em “Claudia”, “A Tree Grows in Brooklyn”, “The Enchanted Cottage”) fizeram em 1945 sobre uma empregadinha muda à mercê de um misterioso assassino que sempre escolhia vítimas inermes ou defeituosas. O filme de Siodmak constituiu um triunfo para ele e para Dorothy. Esta porém, não obstante ser bom o diretor Collinson e das mais bonitas e interessantes a intérprete Jacqueline Bisset, não poderá reeditar a “reussite” anterior: outros são os tempos, os problemas, os interesses, nenhuma mais a boa fé, a ingenuidade, a entrega absoluta do espectador.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/10/76.

OS ÚLTIMOS DIAS DE MUSSOLINI ("Mussolini: Ultimo Atto)


“A primeira tentativa do cinema italiano abordando como tema central a figura, a ação ou o fim de Benito Mussolini no terreno do filme de ficção ou da reconstituição histórica. Em 1961 surgiram ao mesmo tempo dois documentários – um co-dirigido por Rossellini e Pasquale Prunas e outro devido a Mino Loy e Adriano Baracco. Nenhum deles chegou até nós. Mas de 1933 a 1937 aqui foram vistos documentários de exaltação fascista como Mussolini Fala! (que ao que parece não era italiano), “Camicia Nera” e “A Viagem Triunfal de Mussolini à Líbia”, além de um filme sobre o fim militar de Napoleão, interpretado por Werner Krauss e com entrecho do próprio “Duce”, “Cem Dias” (“Campo di Maggio”). Houve também, em papel não central, a excelente composição do alemão Mario Adorf em “O Delito Matteotti”. Agora temos esta visão dos últimos dias do ditador, suas ilusões, seus conluios, sua tentativa de fuga e seu fuzilamento em Giulino de Mezzera. O diabo é que a fita foi feita por um elemento alucinadamente stalinista como Carlo Lizzani. E um stalinista jamais poderá ter compreensão verdadeira de qualquer fato. Sobretudo um fato como esse, o que, não obstante a nenhuma simpatia ou a repulsa que pode nos merecer a pessoa ou, principalmente, a ação política de Mussolini, foi dos primeiros em que, nos ingênuos dias do término da II Guerra Mundial, o stalinismo não teve dúvida em mostrar como sob seu guante, iria ser a “paz aliada” que o humanismo havia conquistado com incalculável sacrifício. No papel-título e dirigido por Lizzani, Rod Steiger é mais ameaça negativa de maneirismos que perspectiva de “performance” significativa. Como o sintomático “Coronel Valério” temos o inexpressivo Franco Nero, enquanto que Lisa Gastoni (questão de idade à parte) é uma razoável adequação à personagem de Claretta Petacci. De qualquer maneira, obra destinada a certa polêmica.”

A VINGANÇA DO RENEGADO ("Kozure Ôkami: oya no kokoro ko no kokoro")


“Samurai de aluguel procurando “clientela”, ou seja, procurando quem o chame para servir de executor às vinganças ou ódios alheios. Mas tem sua vingança pessoal para executar, seu ódio interior para aplacar, pois ao mesmo tempo que “trabalha” para terceiros está no encalço dos bandidos que lhe massacraram a esposa. Acompanha-o o filho criança (Masahiro Tomikawa), que lhe serve de motivo para não esquecer, nem esmorecer. Quarta fita da série “Renegado”. A primeira foi a “Saga” do referido. E as outras, “O Filho” e o “Regresso”. Esta foi produzida pelo excelente Tomisaburo Wakayama (uma espécie de Charles Laughton oriental e lembrando o grande ator inglês na juventude, ao tempo do Nero de “O Sinal da Cruz”, do uxoricida de “Castigo do Céu”, do cruel do Dr. Rameau de “A Ilha das Almas Selvagens”) para a firma de seu irmão Shintaro Katsu e com ele próprio no papel central. O diretor Buichi Saito, um dos muitos egressos da falecida Nikkatsu, talvez seja até mesmo mais que um bom artesão. O fotógrafo é o mesmo de “Rashomon”.

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/10/76.

MOTORISTA DE TÁXI ("Taxi Driver")

“O filme que conquistou o prêmio máximo em Cannes em maio último, nova realização do mesmo Martin Scorsese de “Sexy e Marginal” e de “Alice não Mora mais Aqui” e dos aqui (claro, naturalíssimo) inéditos “Who’s that Knocking at my Door?” (1969) e “Mean Streets” (73). É a história de um veterano de guerra que para encontrar solução para seu patológico problema de insônia decide tornar-se motorista de táxi nas noites de uma Nova York que já se tornou tudo o que de mais fantasticamente cruel, sórdido, acromegálico e antropofágico as grandes cidades do mundo virão a se tornar. Em suas corridas noturnas o protagonista vai se transformando, se revelando ou sendo presa de uma terrível catarse que o faz passar por situações ou estados de mania sexual, voyeurismo, espionagem e chantagem partidária, veleidades de paladino “quaker” e, finalmente, justiceiro homicida. O novato Robert De Niro vive o papel e parece ser o melhor tipo da linha ítalo-verista encontrado nesta atual fase neo “neo-realista” e contestária do cinema americano. Destaque também para a música de Bernard Herrmann, que faleceu no Natal passado e a quem a fita é dedicada. Uma obra de empenho, que precisa ser vista.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 17/10/76.

CIDADE DAS ILUSÕES ("Fat City")

“Numa pequena cidade da Califórnia, um boxeador decadente encontra um jovem em quem vê qualidades para o ringue e o envia a seu antigo treinador e empresário. Mas o rapaz não tem êxito na tentativa. E em volta de ambos vai aparecendo, se conflitando e se aglutinando todo um microcosmo de gente maltratada pela vida: a esposa que abandona o marido, os bêbados, os desiludidos, a amante de um prisioneiro negro que tudo faz para conseguir um dia tê-lo liberto e de volta. Segundo um crítico inglês o mais agressivo e densamente irônico filme de John Huston desde “Os Pecados de Todos Nós”. Uma obra amarga e valiosa que – para variar – quase ia correndo o risco de não encontrar lançamento aqui em São Paulo e que também não só por isso merece todo o prestígio que possamos lhe dar.”