domingo, 22 de fevereiro de 2009

A VIDA ÍNTIMA DE UM POLÍTICO (“The Seduction of Joe Tynan”)


"O primeiro filme com roteiro do ator Alan Alda. Ótimo e tomara que ele se tenha saído bem porque quem sabe assim resolve ficar por trás das câmeras! A história gira em torno de uma espécie de Mr. Deeds ou Mr. Smith (ambos interpretados, respectivamente, por Gary Cooper e James Stewart em filmes de Frank Capra em 1936 e 39), um político de Washington que não consegue dar-se muito com a corrupção, na qual, naturalmente, é perito o veterano Melvyn Douglas, em inesperada mas sempre bem-vinda reaparição (apesar da devastação que os anos fizeram em sua outrora excepcional presença). Esperemos ainda que seja uma trama que realmente observe em profundidade o “motivo”, o “background” escolhido, e suas implicações, e não use tudo apenas para contar mais uma história de triângulo amoroso ou de idealização de uma figura protagonista. Claro, a assinatura do Jerry Schatzberg de “Entre a Fama e a Loucura” (exibido somente na TV) e de “O Espantalho”, duas fitas de grande nível, conta. No segundo papel feminino Meryl Streep, que no momento está subindo no cinema de Hollywood e fisicamente parece uma misto de Henny Porte, a lendária “estrela” da aurora do cinema alemão e de Rose Stradner, a austríaca que em 38 e 44 Metro e Fox tentaram lançar em “O Último Gangster” e “As Chaves do Reino”.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/02/80.

UM ESTRANO NO NINHO (“One Flew Over the Cuckoo’s Nest”)


"Caso singular. Pela primeira vez, desde o feito de “Aconteceu Naquela Noite”, em 1934, que um filme não arrebatava todos os cinco principais “Oscars” da premiação hollywoodeana: filme, direção, roteiro, ator, atriz. Autor-mór da façanha, o checo emigrado Milos Forman, o mesmo do super-estimado “Os amores de uma Loura” e que, três ou quatro anos antes, havia estreado no cinema americano com um algo ambíguo mas muito bem estruturado “Procura Insaciável”. Aqui, Forman, talvez ainda confuso, amedrontado ou indeciso, consegue, no entanto, uma alegoria bastante significativa sobre o que costuma acontecer em qualquer sociedade, núcleo, confraria a qualquer corpo estranho ou indesejável que faça perigar ou possa conturbar o estabelecido, o consenso generalizado. A fita aqui foi originalmente lançada a 24 de maio de 1976, nos cines Copan e Gazetinha.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/04/80.

A ROSA (“The Rose”)

"Filme que lançou uma estrela, bastante feia, dos “shows” e apresentações noturnas da atual Broadway: Bette Midler, que logo foi indicada para o “Oscar” de melhor atriz do ano; o mesmo, na categoria de coadjuvante, com menos razões ainda, ocorreu com seu companheiro de elenco, um incrível Frederic Forrest. Produção cuidada em termos de cinema e consumo jovem, pop, etc., na mesma linha desse delírio auto-promocional de Barbra Streisand em “Nasce uma Estrela”. Mas (falta do compensador Kris Kristofferson à parte) muito melhor e mais humana e, apesar de tudo, um documento verdadeiro de uma época tão dissolvida e à deriva como a que atravessamos. Incrivelmente, porém, não está sendo tão bem recebida nos meios afins como seria de se esperar. Talvez seja essa mesma dose de humanismo o que atrapalha, se bem que a fita não é perfeita e já começa com o drama em pauta, sem mostrar suas motivações e raízes. Em verdade, uma espécie de biografia de Janis Joplin, com pitadas até da trajetória de Jimmi Hendrix e muito da personagem feminina criada e/ou observada por John Huston em “Cidade das Ilusões”. A fita lança em São Paulo o som Stereo Dolby, que, esperamos, não signifique para o verdadeiro cinema mais uma facada pelas costas ou um auto-assassinio como a tela panorâmica, o CinemaScope, etc.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 17/08/80.



O DESEJO FINAL ("Joe Hill”)


"O que “Sacco e Vanzetti” foi para o cinema italiano, este “Joe Hill” é para o sueco: o libelo contra o injustiçamento de um idealista de seu país em meio à engrenagem da Justiça americana. A ação começa com o jovem Joseph Hillstrom (19 anos) e seu irmão aportando em 1910 à nova terra, cheios de esperanças, sujeitando-se a todos os trabalhos inferiores que as sociedades reservam aos imigrantes pobres e que não conhecem seu idioma. Joe procura amenizar sua vida com a apreciação da música e compondo canções românticas, mas será depois, ao transformar-se em organizador sindical, colhido por obscuras evidências e acabará condenado à morte em circunstâncias nebulosas, que o tornam uma legenda que depois acaba mais ou menos perdida. O Thommy Berggren de “Elvira Madigan” interpreta o papel título e a fita marca mais um tento de versatilidade e gosto pela pesquisa de estilo e assunto na carreira de Bo Widerberg, o mesmo de “O Bairro do Corvo”, “Karlek 65” e o aqui também inédito “Adalen 31”. “Joe Hill”, filme, ficou quase nove anos interditado pela nossa censura – cumpre fazer-lhe justiça agora. Obrigatório.”



Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/10/80.

UM TRAPALHÃO MANDANDO BRASA (“Hardly Working”)


"Nunca um retorno conseguiu reatar um ciclo de prestigio, nem mesmo quando o veículo empolgava o mundo: Póla Negri em “Mazurka” (34), Gloria Swanson em Sunset Boulevard (50), etc. Pois aqui está Jerry Lewis, depois do interregno que se sucedeu a seu quase fatal acidente de há um decênio. É verdade que a gradativa consciência (a exemplo de Bogdanovich, em outra área) que fomos tendo que fora a ajuda do diretor-coreógrafo Herbert Ross e do mito Bogart em “Sonhos de um Sedutor” e de uma ou outra coisa esporádica, Woody Allen é incapaz de ocupar o lugar deixado por Jerry e comete horrores como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” ou debilidades como “Manhattan”, talvez ajude.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12/04/81.

OS IRMÃOS CARA DE PAU (“The Blues Brothers”)


“Musical atual e sobre dois malandros (Belushi, Aykroyd) que saem da cadeia. E, de novo, a antiga fórmula do orfanato onde os protagonistas foram criados e que agora passa por dificuldades financeiras. Mas, além das intervenções de Ray Charles, Aretha Franklin (afora a veterana Kathleen Freeman, a manequim Twiggy, o diretor Spielberg), há uma atração fora de série com Cab Calloway no papel do padre que ajudou a criar a dupla, ensinou-lhes religião e a amar a música. Uma das figuras míticas do “jazz”, ou melhor, da criação do “swing”, o “colored” Calloway, exuberante, frenético, irresistível, que foi o sucessor de Duke Ellington no lendário “Cotton Club” de Nova York, e, de certo modo, o pioneiro de muito o que fizeram e ainda fazem artistas de todas as partes do mundo (Mickey Rooney, Desi Arnaz, Miguelito Valdez, Presley, Little Richard e, com o devido respeito, Betty Hutton, Virginia O’Brien, Judy, Lisa Minnelli, Janis, Bette Midler, Donna Summer, além também de nossa melhor Elis Regina). Vi-mo-lo pela primeira vez num filme de Al Jolson, em 1936, “Canta e Serás Feliz”, impossível esquecer sua energia, alegria, dádiva de vida.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12/04/81.

SOB AS INSÍGNIAS DAS ARMAS (“Kotei no Inai Hachigatsu”)


"Novo filme de Satsuo Yamamoto, diretor japonês de talento (foi ele quem refilmou há uns cinco anos para a Nikkatsu o cíclico e celebrado romance antibelicista “Ningem no Joken” (“Guerra e Humanidade”); dessa vez sob o título brasileiro foi “Guerra e Homem”. Esquerdista, ou melhor stalinista convicto, Yamamoto, entretanto não costuma tirar disso tanto proveito nem fazer tanto estardalhaço quanto seus colegas – japoneses e estrangeiros. Aqui temos a história de um imaginário levante que iria acontecer no Japão de 1980, quando uma parte de seu exercito resolve se rebelar. O título original significa “O Imperador está Ausente no mês de Agosto de 1980”. Além de Yamamoto, credenciais com a música de Masaru Sato e com participações no elenco do nível de Rentaro Mikuni, Tetsuro Tamba e outros.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/04/81.

DECAMERON (“Il Decamerone”)


"Erudito, intelectual e ao mesmo tempo compulsivamente fascinado pelo popular, pelo dialetal e até mesmo o popularesco, Pasolini não poderia mesmo deixar de realizar esta versão de um grupo de histórias de Boccaccio, nas quais aparecem Ciappelletto (Franco Citti), Andreuccio, de Perugia (Davoli), Masetto de Laporechio, Alibech, Isabella, Girolamo e Salvestra, Peronella (Ângela Luce) e outras figuras típicas da ficção do satírico fiorentino nascido em Paris. E também Giotto e a Madonna aparecem na interpretação do próprio cineasta e de Silvana Mangano. Um Decamerone pasoliniano, inclusive com a liberdade de situar a Toscana e o mundo de Florença na Companhia e com dialeto napolitano. Houve ainda outras liberdades, mas estas em termos de moral cinematográfica da época que, inclusive, fizeram com que a nossa censura e os cinematografistas (distribuidores, exibidores) postergassem seu lançamento de 72 até hoje. Irreverente, neo-realisticamente caprichada, perfeito exemplo de um período de mais vitalidade criadora do realizador, a fita tem indiscutível élan e expressão, e constitui um dos mais importantes lançamentos da atual temporada.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/08/80.

OS CONTOS DE CANTERBURY (“I Racconti di Canterbury”)


"Filme com o qual Píer Paolo Pasolini conquistou o Grande Premio “Urso de Ouro” no festival de Berlim – 1972. É o segundo de uma trilogia à qual pertencem “Decameron” (71, e aqui marcado por nossa censura, mais ou menos, até o ano passado) e o também na mira, mas já a ponto de liberação, “As Mil e Uma Noites”, de 74. Trilogia voltada para uma espécie de epicurismo, ou alegria, ou aceitação da vida tal qual ela é segundo a “ideologia neo-realista” dos primeiros tempos em que ela encantava os que adoram catarses de determinado tipo. Aqui, para dar vasão a esse espírito, o cineasta serviu-se da obra de Geofrey Chaucer, escritor inglês do século XIV, aproveitando seus aspectos de irreverência, sarcasmo e malicia, e fez locações em ambientes reais, nos arredores de Londres, e com todos os diálogos em inglês. Alguns dos atores italianos mais caros a Pasolini, como Laura Betti, Ninetto Davoli e Franco Citti, bem como o terrível inglês Hugh Griffith, a americana Josephine Chaplin (irmã de Geraldine), estão no elenco. E o próprio realizador, que em “Decameron” interpretava o pintor Giotto, aqui faz o papel de Chaucer mesmo.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 19/07/81.

AS MIL E UMA NOITES DE PASOLINI (‘Il Fiore Delle Mille e Una Notte”)


"O penúltimo filme com que Pasolini encerrou sua chamada “trilogia da vida” na qual já havia abordado Boccaccio (71) com Il Decamerone e Chaucer (72) com I Racconti di Canterbury. Todos aqui tiveram problemas com nossa nada atilada censura e só chegaram com o atraso que sabemos (este é de 74!), deixando, como sempre, o ambiente brasileiro em situação de vexame e primitivismo ante o consenso internacional. Do cineasta restam agora para vermos apenas sua derradeira realização Saló o le 120 Gionarte di Sodoma (75/76), elogiadíssimo gráfico e semidocumentário longo também por inícios de 70 feito para a televisão italiana (“Appunti per una Orestiade Africana”), bem como outro longa “Comizi d’Amore (65), mais um documentário (“La Rage”) e duas outras fitas de várias histórias realizadas conjuntamente com outros diretores: Capriccio all’Italiana (66) e “Amore e Rabbia” (69). No caso presente, o cineasta foi beber na fonte das lendas islamíticas do Alf Laylah wa-Laylah, ou seja as “As Mil e Uma Noites”. Pelo jeito o mood poderá ser mais italiano que árabe, como aliás aconteceu com o “inglesismo” de “Canterbury”, mas ninguém irá queixar-se disso, só interessando se o filme, que conquistou o “Prêmio Especial do Júri” em Cannes-74, segundo dizem, deva ser bem mais efetivo que “Canterbury”, embora possa não ser mais envolvente que Il Decameron.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/12/81.