domingo, 9 de maio de 2010

A VERGONHA DA SELVA ("La Honte de la Jungle")

“O ambiente brasileiro não muda, isto é, não melhora. Não adiantam as utópicas esperanças, nem as promessas algo tartúficas de cada noite de São Silvestre. Pelo menos em matéria de cinema, que é matéria de cultura, e todos sabem o que a correlação significa...Pois aqui temos um desenho animado “pornô”, franco-belga de 1975 ou 76 e que, a partir de sexta-feira estará nos Cines Império e Majestic, e vai ficar, aos olhos de muita gente, como o primeiro do gênero. Mas primeiro em quê? A ser feito? Em qualidade? Ou a aparecer por estas hostilíssimas plagas? Em verdade é o primeiro a furar o bloqueio de nossas sucessivas e manobradas ou manietadas, ou apenas cinzentas, censuras e o primeiro a despertar o interesse ou a cair nas possibilidades práticas de nosso também cinzentíssimo binômio distribuição/importação, distribuição & programação/exibição. Trata-se de uma realização do gênero “para adultos” (será que só o sexo é coisa para adultos?). o que vale dizer, é uma realização erótica ou pornô, em figuras animadas e narrando em “mood” condizente as aventuras de um “Tarzan” (ou, no caso, “Tarzoon”, ou ainda “Shame”, isto é Vergonha), que vive numa selva onde o supervilão é Bazonga, uma rainha má que sonha conquistar o mundo e que sendo mulher e careca só pode ter inveja da linda e vasta cabeleira de June, a companheira de um Tarzoon tão pouco apolíneo e tão medíocre que já começa a ser pornográfico por sua figura, tão mirrada e tão quase desagradável a vista, acrescida de falta de coragem e outros atributos “convencionais” que faziam a glória do personagem original criado por Rice Burroughs e inúmeras vezes explorado pelo cinema. Tudo neste “animado” procura ser anti o bem estabelecido. Mas a verdade é que o primeiro desenho realmente audaz e contestador é Fritz, the Cat, que Ralph Bakshi realizou há precisamente um decênio (71) e que por todas aquelas “cinzentices” a que acima aludimos, até hoje não pôde chegar a nosso tão maltratado público. Ou, trata-se apenas de um caso de pouco exercício do direito de reclamar, ou apenas de carência de demanda?”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/01/82.


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