segunda-feira, 1 de junho de 2009

CORPOS ARDENTES (“Body Heat”)


“Uma das poucas e gratas surpresas que o cinema de Hollywood tem podido nos dar nos últimos tempos. Esta primeira direção de Lawrence Kasdan. Como que o roteirista desse convencionalíssimo e ultra-comercial “Os Caçadores da Arca Perdida” e também dos incolores “Cuidado com meu Guarda Costas” e “Brincou com Fogo...Saiu Fisgado” pôde fazer um filme que, talvez mais que o “Chinatown”, de Polanski, reporta-nos ao melhor clima daquilo que os críticos franceses talvez com certa impropriedade chamam de o “cinema noir” americano? A crítica e folhetos dos EUA falam de semelhanças com “Pacto de Sangue”, “The Maltese Falcon”, “Sunset Boulevard”. Quanto aos dois primeiros, principalmente “Pacto”, a asserção é perfeita. A fita tem clima, tem um erotismo velado, agora não tão velado, aliás, mas poderoso; tem um tom de queda em pecado, de desafio ao abismo que lembra mesmo o melhor “elã” daqueles tempos em que Fred MacMurray, Humphrey Bogart, Dick Powell, Wendell Corey e outros viam-se emaranhados na selva de asfalto e alumínio, cristal e concreto que eram compelidos a enfrentar na vida americana da depressão e do sonho, da guerra e de seu perplexo tempo imediatamente após. Mas, mais que por Kasdan, “Body Heat” existe por via de um ator e personalidade singular: o William Hurt que já havíamos visto em “Testemunha Fatal” e “Viagens Alucinantes” e que, parecendo um álgido e longilíneo Gene Hackman, constitui a maior revelação do cinema norte-americano no último decênio. Um tipo de letão ou lituano, com uma vibração contida e um fogo de convicção, como Hollywood não parecia mais que poderia dar guarida.”


Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 06/06/82.

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