sábado, 3 de outubro de 2009

INDIA SONG


“O panorama seria sinistro caso a programação especial não continuasse redimindo o cinema. “Leonor”, de 74, exibido terça no MIS, tem ambientação, mas o filho de Buñuel, Juan, não tem criatividade cinematográfica e o filme, não fosse a presença de Michel Piccoli, dificilmente seria menos que inútil. Mas a extraordinária surpresa, se é que se pode chamar de surpresa, uma obra de domínio e sensibilidade impar, escrita e dirigida por Marguerite Duras, foi “Índia Song”, que o mesmo MIS mostrou quarta. A autora de “Hiroshima”, “Moderato Cantábile”, revela-se uma cineasta com um pulso como poucos diretores homens podem gabar-se. E, ao mesmo tempo, de uma sutileza e características só concebíveis na visão de uma grande e verdadeira mulher. “Índia Song”, um dos filmes mais ousados e desafiadores do cinema, é inacreditavelmente importante. Neste ano, só mesmo Saura com “Elisa, Vida Mia” e o alemão Michael Haneke com “Três Caminhos Levam ao Lago” contribuíram com algo que se lhe compare. A fita foi realizada au féminin, com várias Evas na equipe. Mas, embora sobre a complexa e suicida personagem de Delphine, a diretora tratou Michel Lonsdale de uma maneira tão distante e tão compreensiva que o trabalho do extraordinário ator anglo-francês é qualquer coisa de único: algo assim como os mitos de Emil Jannings em “O Anjo Azul”, o desejo de Albertazzi em “Marienbad”, e a ubiqüidade e a capacidade de comunicação (a palavra em seu anterior e verdadeiro sentido) de Bela Lugosi em “Drácula”.”

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 05/07/81.

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