domingo, 3 de fevereiro de 2008

MAR DE ROSAS *

"A formação de Ana Carolina foi a de uma típica intelectual local de nossas duas últimas décadas. Décadas nas quais o mal maior não foi própria (ou impropriamente?) as ditaduras, mas a mediocridade generalizada e inarredável e, sobretudo, o “macaqueamento” e o dirigismo cultural (de situação ou de oposição, tanto faz) a transfomar principalmente aqueles que mais se jactavam de respaldados justo na maior cota de massa mais dócil para futuros aplaudidores dos “Big Brothers”. Linda moça, interessando-se pelo “polemismo” vigente e superpassível no cinema, deixou o curso de medicina quase no fim e partiu com afinco para a liça, começando com um curta-metragem não por acaso denominado assim mesmo – “Lavra-Dor”...Mas oito filmes pelo estilo e há uns três ou quatro anos a estréia no “longa”com um documentário de 90 minutos sobre tema que para ela só podia ser extemporâneo: “Getulio Vargas”...Surpreendentemente e ainda que não abjurando (mas amadurecendo?) sua formação e o que seria lícito esperar dela, Ana Carolina consegue fazer seu segundo longa-metragem. Este “Mar de Rosas”, muito em prol da mulher mas não “feminista” na forma negativa da palavra e no qual o absurdo e as repressões (antigamente dizia-se as dificuldades, os desencontros, as misérias, a siséria) da vida e do moderno ser humano estão muito bem retratados e esmiuçados. Desde o “enigmático” crítico e excelente realizador francês Pierre Kast até o diretor paulista Walter Hugo Khouri, mais Ely Azeredo e outros críticos do Rio (só o júri de seleção do festival de Gramado é que achou que o filme não “se enquadrava em seus propósitos” e rejeitou-o no começo deste ano) a acolhida foi imediatamente entusiástica e agradavelmente surpreendida, o filme enviado à França e a nova cineasta bem prestigiada na Europa. Na história, uma mulher (La Benguel, em bem-vinda “reentrée”) não sabe se quer ou não romper com o marido (Carvana). Mas seguida e/ou espicaçada pela filha, sintomaticamente adolescente (Cristina Pereira), mata-o e foge, levando consigo a pouco equilibrada menor. Vem porém a ser seguida (ou perseguida) por um carro negro, dirigido evidentemente por alguém. O marido, que não teria morrido? Ou outro homem, que tanto poderia ser um medíocre/inocente tal o pai da menina como um terrível “porco chauvinista” (Otávio Augusto), exemplar típico do “male animal”? O tema parece que fascina. E fascina também a maneira pela qual Ana Carolina – “escolas de comunicações” e “contestarices” à parte, à distância ou mesmo esquecidas – dá um mergulho na condição da mulher, da família e dos impasses de nossos dias. Que não são lá muito diferente daquilo que sempre existiu – mudou só o “background”, o desgaste ou a degeneração de etiquetas e cortesias, o relaxo ou insânia nas modas e penteados, os inúteis abusos de linguagem, o descaro no se servir velhos tabus sob novos e mistificadores rótulos, mas a luta pela vida continua a mesma. Um filme a ver e analisar com todo o carinho."

Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 24/09/78.

* Este filme será exibido no Canal Brasil, dia 27/02, às 04:30hs.







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