domingo, 9 de maio de 2010

SANSÃO E DALILA ("Samson and Delilah")

“Nova exibição do antepenúltimo “superépico” de Cecil B. de Mille, o cineasta que burlou o “Hays Office” e prosseguiu na sua linha de espetáculos essencialmente profanos (como os que fazia no início dos anos 20, principalmente com Gloria Swanson, ou como a fantasia “Madame Satan”, que ele fez para a Metro em 1930) utilizando temas aparentemente bíblicos ou históricos – como os de “O Sinal da Cruz”, “Cleópatra”, “As Cruzadas”, “Os Dez Mandamentos”, etc. Mais intencionalmente “kitsch” ou mais eficiente golpe que usar para os papéis de Sansão e Dalila os “estrelismos” ‘pin-up” de Victor Mature e Hedy Lamarr não poderia haver. E assim vai todo o filme, que aqui foi originalmente lançado no primeiro quadrimestre de 1951, no circuito Art Palácio e Opera, ano depois foi repetido e, a 27 de agosto de 1962, voltou ao cartaz nos cines Paissandu e Astor.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/03/80.


CINZAS NO PARAÍSO ("Days Of Heaven")

“Com “Terra de Ninguém” (“Badlands”), Terrence Malick surpreendeu, apresentando uma obra, embora diversa, quase ou tão importante quanto o “Cidade das Ilusões” (“Fat City”), de John Huston. Agora temos o segundo filme do cineasta formado em Oxford e Harvard, este “Days of Heaven” que conquistou um prêmio de direção no festival de Cannes e o “Oscar” de fotografia para o franco-espanhol Nestor Almendros. A ação se passa no período anterior à entrada dos Estados Unidos na I Guerra Mundial e tem como motivo e “background” as migrações dos trabalhadores do norte para as fazendas do Sul, à chegada do verão. Alguma coisa de “Vinhas da ira”, algo de “O Pão Nosso” de King Vidor, algo do citado filme de Huston e muito do “Badlands” do próprio Malick. Sobretudo, ao que dziem, visão pessoal, rebeldia e poesia. Uma poesia sem a qual dificilmente há cinema. A ver, claro.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 09/03/80.


KRAMER X KRAMER ("Kramer Vs. Kramer")

“Não foram só os ditadores ou os demagogos tipo Perón, Poujade, Getúlio, Ademar que descobriram que lábias popularescas rendiam dividendos. Ou a lição pegou, ou o mundo já estava não “maduro para o socialismo” e sim para a “enganação”, ou, então, os cínicos e carreiristas ante a “dialética vigente” ou as “condições históricas de nosso tempo” automaticamente perceberam que é muito fácil nesta triste época fazer do “engajamento” e da “não alienação” um excelente meio de vida, de empreguismo, de gazuas para as sinecuras, as mordomias, o brilho “vedetístico” de toda espécie. E numa época assim em que tanto se deturpa, tanto se finge, tantos lobos colocam as roupas e os óculos da avózinha, mais que por seus méritos cinemáticos é importante verificar que o cinema já não tem mais medo de voltar a fazer fitas como esta: apenas mais uma história sentimental que torna a acionar a velha trama de “O Campeão”, de 31, com Wallace Beery, Irene Rich e Jackie Cooper, na qual marido e mulher, separados, disputam o filho de sete ou oito anos. As roupagens e certos usos e diálogos, ou melhor, certas aparências e frases feitas são do malfadado tipo “estou em consonância com a minha época”, etc. Mas o conflito básico é mesmo aquele, a que, aliás, ainda neste ano, Franco Zefirelli igualmente tornou a usar na versão com Jon Voight, Faye Dunaway e o menino Ricky Schroeder. Este “Kramer...” já recebeu 12 prêmios entre a imprensa estrangeira em Hollywood e os críticos de Nova York e Los Angeles. E está fortemente cotado para nove “Oscars”, dos quais o mais merecido é o que indica como coadjuvante (aliás deveria ser como atriz) Meryl Streep, realmente uma personalidade, uma ductibilidade e uma figura de classe, entre tanta gente no cinema atual completamente destituída disso tudo. Só por ela o filme que parece vai iniciar nova e importante fase lançadora no Cine Metrópole, já deve ser visto.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 30/03/80.


O CAVALEIRO ELÉTRICO ("The Electric Horseman")

“Quem Jane Fonda pensa que é? Gian Maria Volonté? Talvez ela bem que gostasse, mas acontece que não será com filmes como “Julia”, “Síndrome da China”, “Amargo Regresso”, “Comes a Horseman”, que poderá emular as façanhas de Volonté em “Condenado Pela Máfia”, “Investigação sobre um Cidadão...”, “Mattei”, “Sacco e Vanzetti”, a “Classe Operária vai...”, etc. Ademais, em matéria de tipo “suffragette”, o mundo dificilmente poderá ter outro impacto como o dado pelo surgimento de Katharine Hepburn nos anos 32/35. Em matéria de bastidores de rodeio” também ninguém poderá igualar o “Céu de Prata”, de Norman Foster em 52, ou a consciente rebeldia de Susan Hayward em “Paixão de Bravos”, no mesmo ano. Ademais quem é que poderá levar por demais a sério o fato de o também discutível Robert Redford viver de brilharecos como garoto-propaganda com uma roupa vermelha com luzes que apagam e acendem? E com Jane, mais uma vez vivendo essas pernósticas e ocas figuras de microfone em riste, apenas preocupadas com o “Ibope” e a “notícia” (isto é com seu rendoso emprego) e mais sinistras intelectualmente que qualquer carrasco ou guardião de campo de concentração? Não Jane, é melhor voltar a ser apenas mulher vulnerável como a de “A Noite dos Desesperados”, que lá é que é o seu lugar. E não obrigue ou induza mais o diretor Pollack a falsas cavalarias.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 29/06/80.


OS HOMENS QUE EU TIVE

“Liberação feminina por influência do pseudo vanguardismo de certos cursos universitários, das pregações stalinistas de nossas escolas e “clubes de cinema”, e também da convivência, do universo “boca do lixo” de sete ou oito anos atrás. Em verdade, uma dessas obras pseudo-amplas, que mais contribuem para desencadear as iras das censuras contra o que eventualmente se tentasse de sério, observado e fundamentado no gênero. O papel foi escrito para Leila Diniz, mas com a morte desta confiada à interpretação de Darlene Glória, que, com seu tipo mais pesado e passional, deixou ainda mais problemática a personagem. E essa personagem “ideal” é uma mulher casada que se comporta como homem, que faz o marido aceitar o amante dela em casa, já que este “ficará sempre em segundo plano”. Mas que não satisfeita com isso, leva a sua liberação a uma “franqueza” impossível mesmo para o homem da sociedade vigente. E, o pior, a intriga parece uma contrafação muito “campus”, muito badernas da época, de “L’Harem”, o filme que Marco Ferreri realizou na Itália em 67, com Carrol Baker como uma mulher compulsivamente desafiadora e egocêntrica que compele cinco homens (Renato Salvatori, Gastone Moschin, Thomas Milian, etc.) a aceitarem um “ménage” simultâneo. Mas eles não suportam as pressões e os antagonismos da experiência e o resultado é trágico. Claro, no filme de Ferreri há toda outra densidade de propósitos, há exatidão de observação humana, coerência dramática, possibilidade de discussão e exame em outro nível.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 10/08/80.


ELE, ELA, QUEM?

“Se grandes diretores italianos como Antonioni, Vancini, Lattuada ou Zurlini, por acaso tivessem nascido no Brasil, ou em São Paulo mais especificamente (como por pouco não aconteceu com o ator Renato Salvatori), seria bastante provável que os dirigentes da Embrafilme intencional e deliberadamente os mantivessem na lista negra dos “não financiáveis” da empresa. Mas, quando à testa de sua diretoria, Roberto Farias não esqueceu de dar oportunidade a Luiz de Barros, claro que levando em conta sua “longa folha de serviços”. E aqui está o resultado dessa visão cinemática “sui generis” dos arremedos de Erich Pommer, Samuel Goldwyn, Irving Thalberg ou Val Lewton que temos por aqui. Na história “selecionada”, moça um tanto estranha, após a necessária intervenção cirúrgica, acaba se transformando em homem e casando com sua melhor amiga de colégio.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 26/10/80.

OS OITO TÚMULOS ("Yatasuhaka Mura")

“A mais ambiciosa das novidades a entrar em cartaz. Uma “superprodução” de 151 minutos, dirigida e co-produzida por Yoshitaro Nomura, veterano eficiente em vários tipos e gêneros de filmes: comédias juvenis ou familiares, histórias de aventura, dramas românticos e até mesmo épicos como “Castelo de Areia”, um dos grandes êxitos de seu estúdio (a Shochiku) nestes últimos cinco anos. Aqui novamente uma narrativa de lances grandiosos, acrescida de um tom fantástico e demoníaco como em muitas outras que sempre nos vieram do Japão: a revivescência de uma maldição. 400 anos antes, oito samurais haviam se apropriado das terras dos aldeões de Okayama, matando-os todos. Durante quatro séculos o crime ficou impune, mas, em nossos dias, os descendentes de um dos expoliadores mais cruéis, o guerreiro Taijimi, começam morrer em condições estranhas. E tudo como nas lendas dos filmes sobrenaturais de Mizoguchi (“Contos da Lua Vaga”), Masaki Kobayashi (“As Quatro Faces do Medo”), Gosho, Shindo ou Uchida termina em meio ao justiçamento tardio, mas ainda impressionante, pelo fogo que arrasa e purifica tudo, as seqüelas, os sentimentos de dor, culpa e tragédia. O roteirista Hashimoto foi colaborador assíduo de Kurosawa. Outra credencial, a música de Yasushi Akutagawa, o filho do autor do conto original que deu motivo a “Rashomon”.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 28/12/80.


A LAGOA AZUL ("The Blue Lagoon")

“Há 31 anos, nem mesmo tendo como heroína uma Jean Simmons, então no auge de sua beleza juvenil e de um talento vibrante e intenso, que então a equiparava a todas as grandes inglesas do cinema (Merle Oberon, Vivien Leigh, Deborah Kerr), e nem com a direção de um roteirista-diretor inteligente como Frank Launder, esta história de dois adolescentes que ficam definitivamente perdidos numa ilha deserta deu bom rendimento fílmico. O que esperar agora, quando o cinema americano de há muito (salvo raríssimas exceções como “Norma Rae”, “Heróis sem Amanhã”, “A Rosa”, “Cinzas no Paraíso”) não nos apresenta filmes à altura de suas melhores tradições? E ainda mais, tendo como diretor o mesmo elemento responsável por “Nos Tempos da Brilhantina” e “O Rapaz na Bolha de Plástico”? E como intérpretes, uma figura mais do que discutível como a já obesa e aburguesada Brooke Shields, que foi lançada em “Pretty Baby”, e um galãzinho “atual new look” que parece ainda mais problemático que aquele que, em 1948/49, foi impingido à indefesa Miss Simmons? Ademais, há o escárnio de uma dublagem, nos cinemas que discriminamos acima e que devem também ser discriminados pelo espectador cioso de seus direitos (a menos que seja analfabeto, o que já seria outro problema a examinar).”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 18/01/81.


A GOSTOSA DA GAFIEIRA

“Se os seríssimos diretores africanos (Ola Balogun) Ousmane Sembene, Oumarou Ganda e outros) soubessem como o cinema brasileiro de “carregação” pensa que mitifica a mulata, a mulher de parcial origem afro, na certa teriam um colapso. Pois aqui, via o produtor-diretor Roberto Machado, vem mais uma irresponsabilidade ou uma torpeza tipo “Uma Mulata para Todos” etc. “Jovem e fogosa mestiça, considerada a rainha da gafieira, conquista todos os homens com sua beleza e fascinio, sabe como enredá-los, e nisso é inigualável, servindo-se de todos eles, mas não se prendendo, nem repetindo nenhum. Um dia some e os saudosos vêm a saber, por um deles, que seu comportamento “Mae West” (nos filmes) era causado por se saber condenada pela leucemia”. Como vemos, uma espécie de “Vitória Amarga” de Bette Davis, mas uma “Vitória Amarga” de cinema comercial carioca...”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 21/06/81.

INFERNO ("The Evil")


“Quando o cinema de horror contava com figuras de exceção como Karloff, Lorre e Lugosi, diretores como Browning, Whale, Freund, ou, depois, produtores como Val Lewton e toda a sua equipe, bem como o requintado nível de encenação gótica que para o gênero sabiam dar estúdios como os da Universal, Metro, Columbia, RKO, e todos os demais, aliás, a triste verdade é que havia gente que reclamava, tanto que o maravilhoso Lugosi foi tão injustiçado que mal chegou a ter 20 horas de presença em cena em todos os 60 que consetiram que atuasse nos seus 24 anos de carrreira. Pois, agora, a Hammer comete todos os exageros e primarismos e há quem não só a justifique e até ache bom. O mesmo vem ocorrendo com a moderna e deteriorada produção ianque do gênero. Da qual, aliás, esta fita parece ser mais um exemplo. Que não deixou de ser parcialmente elogiado e até comparado ao mais recente e superestimado “A Casa da Noite Eterna”. Na história, psicólogo e esposa, acrescidos de um professor e uma estudante e mais pessoas que a eles se juntam, vão parar numa casa mal-assombrada, na qual está sediado o diabo, em pessoa ou em espírito (Victor Buono).”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 02/08/81.


SALVE QUEM PUDER, A VIDA ("Sauve Qui Peut, La Vie")

“Desde 67, ou mais precisamente desde “Week-End” (“Week-End à Francesa”), que Godard não fazia um filme que pudesse ser exibido correntemente. Nesse meio tempo, ele, que até então havia aberto caminho e obtido renome internacional com obras muitas vezes puramente para epater ou para mistificar, fez um número igual de fitas deliberada, pretendida ou falsamente “marginais”. Chega-nos agora este “Sauve Qui Peut (La Vie)”. Terá saído uma obra do domínio cinemático de “Uma Mulher é uma Mulher”? Ou da inesperada qualidade e mistura de gloza e humanismo que era “Tempo de Guerra”? Ou, ainda, do cinismo e “mau caratismo” merecidos e funcionais de “A Chinesa”? Difícil saber. Mesmo porque ninguém fica onze anos no limbo da contestação sem causa real, como ele ficou, sem se ressentir desse desmando. Em todo o caso, o filme, que foi um dos que integraram a recente V Mostra Internacional de Cinema de S. Paulo, levada a termo pelo MASP, poderá ter sua margem de interesse e merecer uma verificação.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 15/11/81.


O TORTURADOR

“Fita que não conseguia lançamento comercial e que a 22 de outubro passado foi anunciada para estrear no Canal 4, mas lá só passou uma semana depois. Como receávamos não chegasse aos cinemas correntes, então a registramos. Mas é com a maior satisfação (não há motivo plausível para que fita alguma, sobretudo nacional, não seja regularmente lançada numa sala de cinema e para o público comum), que hoje tornamos a tratar dela nesta secção. O assunto promete um “prato” para aqueles “profissionais” que vivem a reclamar das torturas e repressão, mas praticam toda a sorte disso quando tem algum miserável ou pequeno poder em mãos. Tudo, porém, fica só no engodo, pois o produtor ator Valadão, sensacionalista ou espertamente, fez a ação girar não em torno do “Brasil de 1964” mais sim da caça a um antigo criminoso nazista (e este é Rodolfo Arena!...) refugiado no Paraguai. De qualquer maneira, a presença de um grande ator nosso: Otávio Augusto.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 06/12/81.

A VERGONHA DA SELVA ("La Honte de la Jungle")

“O ambiente brasileiro não muda, isto é, não melhora. Não adiantam as utópicas esperanças, nem as promessas algo tartúficas de cada noite de São Silvestre. Pelo menos em matéria de cinema, que é matéria de cultura, e todos sabem o que a correlação significa...Pois aqui temos um desenho animado “pornô”, franco-belga de 1975 ou 76 e que, a partir de sexta-feira estará nos Cines Império e Majestic, e vai ficar, aos olhos de muita gente, como o primeiro do gênero. Mas primeiro em quê? A ser feito? Em qualidade? Ou a aparecer por estas hostilíssimas plagas? Em verdade é o primeiro a furar o bloqueio de nossas sucessivas e manobradas ou manietadas, ou apenas cinzentas, censuras e o primeiro a despertar o interesse ou a cair nas possibilidades práticas de nosso também cinzentíssimo binômio distribuição/importação, distribuição & programação/exibição. Trata-se de uma realização do gênero “para adultos” (será que só o sexo é coisa para adultos?). o que vale dizer, é uma realização erótica ou pornô, em figuras animadas e narrando em “mood” condizente as aventuras de um “Tarzan” (ou, no caso, “Tarzoon”, ou ainda “Shame”, isto é Vergonha), que vive numa selva onde o supervilão é Bazonga, uma rainha má que sonha conquistar o mundo e que sendo mulher e careca só pode ter inveja da linda e vasta cabeleira de June, a companheira de um Tarzoon tão pouco apolíneo e tão medíocre que já começa a ser pornográfico por sua figura, tão mirrada e tão quase desagradável a vista, acrescida de falta de coragem e outros atributos “convencionais” que faziam a glória do personagem original criado por Rice Burroughs e inúmeras vezes explorado pelo cinema. Tudo neste “animado” procura ser anti o bem estabelecido. Mas a verdade é que o primeiro desenho realmente audaz e contestador é Fritz, the Cat, que Ralph Bakshi realizou há precisamente um decênio (71) e que por todas aquelas “cinzentices” a que acima aludimos, até hoje não pôde chegar a nosso tão maltratado público. Ou, trata-se apenas de um caso de pouco exercício do direito de reclamar, ou apenas de carência de demanda?”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 03/01/82.


INSACIADOS

“Empenho de Libero Miguel, um elemento de rádio ou dublagem, que o produtor Alfredo Palácios tentou lançar com “Ipanema Toda Nua”, uma espécie de adaptação um tanto “oportuna” demais de um entrecho, “Os Tristes”, que Sylvan Paezzo havia escrito anos antes para o Grupo “Cena 4”, no qual começou Juan Bajon. Mas também um filme na linha “sensacionalístico-erótico-violenta” ora dominante no cinema de São Paulo, que lida com a “ansiedade” sexual de uma jovem, filha de um figurão da política envolvido com uma quadrilha de contrabandistas de diamantes. O citado empenho está presente numa espécie de “ballet-orgíaco” a que Miguel dá uma conotação unusual para o gênero. Mas a grande credencial é a presença de Tânia Gomide, o melhor de “Aluga-se Moças”, com seu arzinho petulante e amuado e sua plástica jovem e sugestiva.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 31/01/82.

A MULHER DO DINHEIRO ("La Banquière")

“Quem diria que a austriacazinha Romy Schneider, maravilhosa já desde sua adolescência e, pela desculpa do lado dulcuroso da série “Sissi”, tão atacada e tão ridicularizada pelos afetados e exigentes cosmopolitas-nacionalistas de toda a parte que se julgavam donos de uma refinada formação francesa e a acoimavam de “ser alemã”, acabasse sendo a mais popular e respeitada atriz do cinema francês? Pois aqui está ela de novo, num dos filmes que fez pouco antes de mais duas tragédias que a abalaram recentemente (a morte de seu filho menino e a doença cruel que dizem anda rondando). O filme é este La Banquière, no qual a filha de Magda Schneider e Wolf Albach-Retty vive uma espécie de “Stavisky” de saias, não uma scroc como o homem do célebre affair de inícios da década de 30, mas sim uma audaciosa aventureira das finanças que realmente existiu na França dos anos 10 até 1936, quando morreu. A figura real, Marthe Hanau, gordinha, pequena e de feminilidade insuficiente, não tinha a beleza nem a personalidade de Romy, mas era também temperamento forte e dominante. Nem todos os fatos aqui são mostrados como realmente se passaram. Mas o diretor Francis Girod diz que procurou mais a magia romanesca passível no cinema e aproveitar ao máximo as vantagens de uma produção ambiciosa custosa e caprichada. Esperamos que o tenha conseguido, porque, embora dele não tenhamos visto “O Trio Infernal”, uma história de passionalidade, anomalia e crime, com a própria Romy, mas os também maravilhosos Michel Piccoli e Andrea Ferreol, vimos um “Emmanuelle, Privilégio de Poucos” (“René, La Canne”), com Sylvia Kristel, Gérard Depardieu e Piccoli, que era de uma assimetria e nulidade a toda prova. Contudo, Romy é sempre Romy e vale a pena arriscar, ainda que seja só por ela.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/02/82.


NÉA, A NINFETA ("Néa")

“O incidente entre Libertad Lamarque e Evita Duarte (depois Eva Perón) que resultou no banimento da cantora, a vaidade e o exibicionismo da “starlet” Tilda Thamar que também se refugiaria (mas em Paris) e até entraria para o cinema francês e conseguiria casar com um conde (Toptani), as então audácias nudistas e eróticas em celulóide por Isabel Sarli e Libertad Leblanc, que fariam com que Isabel fosse amargamente recriminada e até proibida de trabalhar em seu país. A toda essa crônica agitada de atrizes argentinas, devemos também adir o caso de Nelly Kaplan. Nascida em 1931 e indo à França como jornalista, Nelly começou fazendo-se íntima colaboradora de Abel Gance e escrevendo poemas eróticos, passando depois a realizar documentários tidos como de qualidade e, depois, dirigindo dois longas também elogiados, como La Fiancée du Pirate (69) e Papa les Petits Bateaux (71), esta nada menos que com Michel Lonsdale. E aqui temos finalmente entre nós uma fita que ela lá dirigiu em 76. É a história de uma adolescente que depois de quase ser presa por roubar novelas eróticas de uma livraria, acaba, não obstante sua “inocência”, escrevendo uma do mesmo gênero, mas bem mais forte e exigindo de seu quase acusador e editor, todo o respeito “durante” e “depois”. Como ele não cumpre, ela se ofende, rompe, mas desse desentendimento, nasce entre ambos um forte amor, como sempre, desde Colette a todo o teatro e cinema e ficção franceses, muito encontradiços e que sempre os aficionados do gênero tiveram à sua disposição. A história aqui foi tirada de romance de Emmanuelle Arsan. Pelo best seller que levou o seu nome, não atinamos o que Mme. Arsan pode ter na cabeça. Mas o crítico inglês do “Monthly Film Bulletin”, Verina Glaessner, com uma perversidade bem feminina, comenta que ao adaptar a novela de Arsan, Nelly apresenta um filme que é provavelmente o “mais pessoal (e Obliquely...) autobiográfico que ela fez até então”. O editor, e galã, é o inacreditável Sami Frey e, quanto à protagonista Ann Zacharias, a julgar pelas fotos, dificilmente Nelly Kaplan poderia ter encontrado uma atriz que pudesse parecer tão argentina. A própria diretora aparece num pequeno papel, como uma bibliotecária. Certo renome ela tem – vejamos agora seu filme.”.


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 13/03/82.


A MULHER DO LADO ("La Femme d'à Côté")

“Depois das sete apresentações da semana de pré-estréias gauloises da “Gaumont do Brasil”, a sala Villa-Lobos, quinta-feira, perpetra o previsível, o inevitável, faz uma avant-premiére que já é o lançamento regular do mais recente filme de Truffaut. Ah, Truffaut! Inefável Truffaut! Comme vous aimez trop la douceur, les petites verités, en nom de les profonds penses, des étonnants observations, du grand (et fausse) cinema! E como há quem adore teus filmes! Nós, porém, sempre tivemos uma ligeira desconfiança. E depois desse anterior, Le Dernier Metro, então desistimos, quase de vez. Aqui, Truffaut inspirou-se ao ver uma tele-atriz (a novata e ao que parece, não muito promissora Fanny Ardant) numa novela da TV de lá, que tinha quase o mesmo título (Les Dames de la Cote) que ele deu a este seu filme. E logo a imaginou amando e sofrendo por Gérard Depardieu. Aqui, Fanny é a vizinha cujo “relacionamento” com o boxeur face Depardieu tem aqueles doces ressentimentos, aqueles amargos júbilos de todo amor que dura anos e anos, com interrupções, desentendimentos, fugas, sublimes reconciliações e, até mesmo, não prescinde do desfecho trágico, para melhor marcar. Tudo puro Truffaut, para quem gosta de Truffaut mesmo.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 27/03/82.


OS TITÃS VOLTAM À LUTA NA ATLÂNTIDA ("Warlords of Atlantis")

“Aventura inglesa a meio termo entre os atuais e mecânicos excessos do cinema dos EUA (muitas vezes combinado ao da própria Inglaterra, e sempre para nada) e os antigos superespetáculos bíblicos, mitológicos ou fantásticos do cinema italiano de 15 ou 20 anos atrás, com os diretores Cottafavi, Fredda e Gentilomo e os galãs Reeves e Scott à frente, e obras às vezes valiosas ou cuidadas como “Maciste contra os Vampiros”, “Hércules na Conquista da Atlântida”, “Messalina”, etc. Século XIX. Valiosa estátua de ouro, provavelmente dos tempos da Atlântida, é resgatada do fundo do mar por cientista inglês e seu amigo americano, e a aventura começa. No elenco, talvez em curta e melancólica reaparição, penteada à Medusa, Cyd Charisse.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 25/07/82.


MENSAGEIRO DE SATANAS ("Evilspeak")


“Horror adventício e apressado, daqueles que quando a Republic, Monogram, a PRC ou a Lippert, Regal ou Film Classics produziam de três dias a uma semana, e todos os “críticos-vetais” do mundo punham a boca no próprio. E entretanto, como até os ensaístas europeus vêm pesquisando, documentando e defendendo em livros ora publicados davam margem até a obras-primas ou a esforços de verdadeiros cineastas como Edgar Ulmer, Ewing Scott, Richard Oswald, Wisbar e outros que se tornaram antologia. Poderá suceder o mesmo aqui? Basta aquilatar-se o momento que estamos tendo para quase garantir que não. A ação começa em 1540, quando um padre espanhol é exilado para o Novo Mundo por adorar o demônio; 440 anos depois, numa academia militar da Califórnia, um bode expiatório da “maioria compacta” local acidentalmente descobre passagem secreta que dá para uma salão onde jaziam os livros, roupas e móveis do padre renegado. Se pudéssemos acreditar pelo menos na capacidade cerceada, mas ainda assim efetiva, de ambientação gótica dos responsáveis pelo filme...”.


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 14/11/82.


O CORRUPTOR ( "Kamo")



“O Brasil será mesmo como dizia Luis Carlos Barreto, quando em aberta campanha para seu predomínio como produtor cinematográfico em nosso desavisado ambiente, o “paraíso da exibição de filmes estrangeiros”? A julgar pelos percalços deste, que ficou retido nada menos de 16 anos por nossa incompreensível e incoerente censura, isto não pode ser verdade, absolutamente. Esta é a história de um fiscal de cabaré da Ginza (Tatsuo Umemiya), que em proveito próprio e traindo a “confiança” de seu patrão traficava os passes das “garçonetes” dos bares deste, até que descoberto, pelo mesmo é despojado de todo o pecúlio juntado, além de cair no desprezo das meninas e, também, nas garras vingadoras de um grupo de estudantes (rapazes). O diretor Sekigawa, já falecido, era dos melhores do cinema de lá. E o mesmo pode ser dito de alguns de seus intérpretes, entre os quais o protagonista, mais o adolescente Mamoru Ogawa, Chisako Hara (que lembra Léa Massari) e a veterana Kumeko Urabe.”


Publicado originalmente no "O Estado de S. Paulo" de 12/12/82.