Não é o regime de ocupação ou capitalista, bem como não é automaticamente a Revolução, o que influi na vida, na coroa de espinhos que a inerme e cândida Petra carrega por toda a sua apagada vida, desde a juventude até a velhice. É uma injunção, um condicionamento, um dado de temperamento, talvez, acima de organizações estatais, repressões, costumes arcaicos ou leis inovadoras. O barco leva muito tempo a chegar a seu destino, bem como a esponja das boas disposições não consegue apagar o que já quase se torna segunda natureza. E que grande interpretação, na protagonista, a de Mirjana Karanovic. Se prêmio de atriz tivesse havido no recente festival do MASP, a contemplada só deveria ser ela, com sua atuação clássica, profundamente humana e patética.
E falando em interpretações femininas, como é também forte e convincente a de Milena Dravic, a esposa e mãe possessiva e reclamona de “Budimir Traikovic” (Ljubavni Zivot Budimira Traikovic). O rapazinho, que vivia mudando de cidade, não parando nunca em escola alguma, não tendo jamais uma vida amorosa regularizada, tudo devido às permanentes mudanças de cidade a que a família estava submetida pela profissão (construtor de pontes) do pai (Ljubisa Samardzic) e do avô (Mica Tomic). Mas, quem mais se rebelava exteriormente era a mãe. E neste papel sério, mas que o colorido e a força de sua intérprete (Milena, a mesma “João Batista” de saias, que ao final tinha a sua cabeça simbolicamente cortada em “Os Mistérios do Organismo”, o filme de Makavejev exibido no festival do MASP) davam um fogo, e uma fúria que fazia pensar em Bette Davis, em Isabel Jewell e nas maravilhosas Bonita Granville e Margaret Hamilton da primeira versão de “Infâmia”. Um calor, uma convicção e, sem depreciar, até uma humana comicidade.
No setor masculino, interpretações também que mostram que o cinema de lá tem nível de que se orgulhar, foram as de Predag Bolpacig (o Budimir em causa), a dos dois heroizinhos de “Educação Especial” (Stimac e Aleksander Bercek, este o internado sem culpa, o qual, pela primeira vez em toda a nossa vida de crítica, nos fez ficar contrários a um final infeliz, embora esclarecedor e combativo, tal a simpatia despertada por personagem e intérprete). Valioso também Sebe Serbdzija, o protagonista do idealista e derrotado “Jornalista”, a de Hadi Shehu, um misto de Oliver Reed com um melhorado Ryan O’Neal e que fazia o suposto a culpado de “Rastros Brancos”.
E embora não tenhamos os nomes, louvores igualmente para o heroizinho de “A Felicidade numa Corda” (Sreca na Vrvici) e – porque não? – para o co-astro canino, aquele irresistível Terra Nova negro, cuja doação pelo diretor de uma equipe de TV ao menino, que havia logo “caído” pelo animal durante uma eventual filmagem de rua. E a simpatia foi mútua, mas o menino e sua mãe moravam numa zona de prédios de apartamentos, na qual não era permitido ter animais. Que bonita lição de vida, que simples mas efetivo apanhado social nessa história ingênua – será? – realizada aliás por uma mulher – Jane Kavcic.
Ainda a salientar a encantadora adolescente que faz o papel da última vizinha de prédio de apartamentos, e lógico que também a namoradinha, pela qual é o antes submisso Budimir e não sua briguenta, moralista e possessiva mãe, que rompe com a obrigação de mudanças da família e não segue de avião para o Iraque, iniciando já sua fase de “homem autosuficiente e independente”.
E disso cumpre ainda acrescentar a força patético-cômica de Cvijeta Mesic nas duas encarnações de histérica que faz com a psicóloga moderno-bitolada de “Educação Especial” e como a tia maneirosa que vem da Suíça em “Budimir”. Em ambos os filmes suas personagens tem os problemas resolvidos por dois homens dito chauvinistas: o professor compreensivo encarnado por Bekim Fehmiu em “Educação Especial”, e por Bata Zivojinovic, o vivido e complacente motorista de ônibus que a fica conhecendo e analisando em “Budimir Traikovic”. Aliás dois atores que aqui já conhecemos de fitas iugoslavas anteriores (Bata) e também de algumas feitas nos EUA e Europa (Bekim).
Sobre “Viver para Ver” (Zivi Billi Pa Vidjeli), de Pulo Puhlovski & Gamulin, salvo os habituais valores de realização, décor, imagem etc. não haveria tanto a anotar, mas ainda assim a fita, girando em torno do problema habitacional e da falência dos planos arquiteturais de conjuntos ideais, em contraste com a burocrática realidade ou a escassez de possibilidades (financeiras e também humanas) igualmente não passa em branco."